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18 de setembro de 2009

Entre o Omo e o Anil


Ontem um amigo me perguntou se eu alguma vez tive provas de que os deuses existem. E sem o pudor místico ou o medo de vacilar respondi enfaticamente: SIM!
Então ele me pergunta "quando", lhe digo: "todos os dias".
Apesar de lhe ter explicado, acredito que ele ainda não tenha tido noção disso, ou que na sua vivência pessoal e experiência religiosa não tenha se permitido ver a maravilha que é a experiência do divino. E e afirmo que a existência da vida é a maior prova da existência dos deuses.
Em nenhum nível me vejo com um comportamento místico, mas tampouco poderia ser cético (apesar de meu frequente desconfiar) diante da exuberância da vida. E é justamente a vida a mairo revelação da existência dos deuses.
Os céticos que me perdoem, mas eu não posso sentir o Sol nas minhas costas e não ver nisso uma epifania de Hélio, ou sentir o tintilar do vento e não ver ali a mensagem de um dos Anemoi, as espumas do mar e não pensar em Afrodite ou não sentir no peso do mar a inconstância virtuosa de Posídon.Como diz o próprio Sannion, talvez se trate de ver nas coisas aquilo que se quer ver, e podemos ver isso como loucura, mas a insanidade nunca fez mal ao mundo; o mesmo não se pode dizer da descrença e do ceticismo.
A aprendizagem do ser passa pela consciência do ambiente. Lembro muito afetuosamente de transitar com os pés na terra entre os lençóis recém lavados com cheiro de Omo e ver naquele balançar no ritmo forte da minha mãe a puxar a água a fim de retirar do pano as máculas de nossas brincadeiras uma dança enternecedora. E hoje ainda me pegom, furtivamente, refazendo e revendo esse movimento, quase que em passo de dança, mesmo que escondido.
A diversidade de olhares sempre me deixou muito exicitado. Sempre fui muito calado e receptivo. Era meu costume ver em cada visita a expressão de um olhar a dialogar mudamente com a expressão doce ou triste daqueles estranhos conhecidos.
Hoje tudo isso me fez ser o que sou. E vejo na minha concepção de criança que sempre é o que é, que os meus "conterrâneos" de idade diferente mas de alma semehante, se furtam ou são roubadas dessa experiência, o que é o maior dos males, pois perde-se o que de mais belo há no humano: a cândida  luz da vida inextinguível.

25 de fevereiro de 2009

Politeísta por uma Aula





Para todo educador que ame sua profissão férias é um período de castigo e reflexão. É uma intensa agonia passear pelos corredores de uma escola sem escutar os barulhos que lhe são peculiares e comuns, mas não a nada a fazer que não esperar o cisma de retorno e preparar-se para que as crianças que estamos recebendo sejam melhores.
Per si , férias já são melancólicas.
Hoje me peguei lembrando o período em que estive fazendo estágio na creche. É um mundo fantástico o das crianças pequenas. O Jung já dizia “Nós podemos manter longe de uma criança todo um conhecimento dos mitos antigos, mas não podemos tirar dela a necessidade da mitologia.” A criança precisa e gosta de ouvir histórias e tanto quanto ouvi-las também gosta de reencená-las. É na brincadeira que a criança expressa o seu entendimento e visão do mundo que a cerca. Lendas, contos, causos, fábulos e mitos fazem parte de um repertório de histórias que toda criança adora. O ideário que as histórias transmitem são importantes e essenciais para que a criança possa crescer e desenvolver as noções de conduta ética, moral, respeito, limite, responsabilidade e por aí vai. Cada história em si traz informações novas. Omito em especial traz uma linguagem simbólica que ensina a criança, através da narração aquilo que não pode ser entendido pela nossa percepção, pórém que é essencial e constante na nossa vida.Nas minhas atividades na creche as aulas sempre começavam com um mito ou lenda diferente. Por vezes lendas do folclore local, na maior das vezes mitos da cultura helênica. Aqui aconteceram alguns dos momentos mais significativos e emocionantes da minha vida enquanto educador e que acabaram por determinar o porquê de ser o que sou e fazer o que tanto amo: educar.Os mitos eram os mais diversos: Deucalião e Pirra, Pandora, Hermes e Apolo, Afrodite e Eros, Heitor e os Troianos, a própria guerra de Tróia, Deméter e os sapos, Afrodite e seus amores, Zeus e Hera, Centauros, Gigantes, e , evidente, Héracles, o herói dos meninos. o tarbaho na creche foi dos mais significativos. Consegui fazer com que as crianças estabelecessem uma relação de respeito e compreensão do mundo em um tempo que os demais professores da instituição ficaram assustados. Quando se é homem , e , por necessidade ou paixão, no meu caso, a segunda opção, resolve-se trabalhar com crianças pequenas, é comum preconceito por parte das famílias e provações por parte dos colegas de trabalho. Comigo não foi diferente. Me foi entregue a dita "pior turma da escola" , e , não sei se apenas pela visão de autoridade que é comum às crianças estabelecerem ao homem, ou pela forma como eu as tratava (respeitosa e honrada, como a qualquer pessoa) fui rapidamente ganhando o amor da turma e mudando o forma violenta e desrespeitosa como elas tratavam aos outros profissionais da creche e colegas de turma. Nesse processo o mito foi dos mais importantes. O mundo mágico da religiosidade e dos mitos trazidos às crianças foram imprescindíveis nesse projeto de construção de pessoas melhores, de uma possibilidade de mundo melhor.
No meio de tantos histórias e mitos , me vem à mente diversas recordações desse período de felicidade entre as crianças. Uma das mais comoventes é a de Helena e Márcio, irmãos gêmeos, na turma de três anos e meio, a turma que me foi dada. Era costume meu começar as aulas com a contação de histórias e em seguida reencenarmos a história através do faz de conta. As crianças acabam levando para casa e para a vida, nas suas mochilas e lancheiras o que as histórias podem lhes oferecer. Assim, as histórias se espalham pelo mundo e... se fazem. Porém, o mais impressionante em tudo isso, ao meu ver, não é nem a capacidade da criança em recontar a história com toda uma riqueza de detalhes que seria, na maior das vezes, impossível ao adulto. O mais impressionante é a abstração, a capacidade e habilidade da criança em desenvolver aventuras e experiências "imaginárias" a partir dessas histórias. É o que aconteceu com os irmãos gêmeos. A primeira vez que lhes foi apresentado a história do nascimento de Apollon e Ártemis, os dois ficaram encantados. Não precisa nem dizer que quando na hora de reencenar a história os dois foram Apollon e Ártemis, não é mesmo ?? rrs O mais interessante é a relação íntima que as crianças, rapidamente, estabelecem com seus personagens no faz de conta. É algo fascinante que surpreendente. Em determinado momento da "brincadeira", saiu a seguinte frase:"Eu sou a luz do Sol". Então, Helena, como que em complemento com o irmão disse, " e eu sou a Lua, vou embora na minha cabra" e saiu andando pela sala de aula. As crianças, em su mundo ultrasensível estabelecem uma relação íntima com os deuses, uma relação de franqueza e pureza que, penso eu, talvez seja uma das chaves para "salvar o mundo". Talvez por serem tão divinamente humanos, os deuses gregos trazem às crianças uma mensagem simbólica que permita uma reconciliação com o seu legado ancestral e assim, uma possibilidade construtiva de aprendizagem realmente significativa. E por que não investir nisso ? Todos têm a ganhar.