Nunca soube de quem foi a ideia de
criar galinhas num resort. A mim pouco importa, afinal, para que fique claro
desde já, eu sou um frango, quase um galo. Nasci e moro neste resort de luxo, de
uma praia isolada em um recanto tropical. Desde cedo me diferenciei de meus familiares.
Último entre dezessete pintinhos, por muito tempo fui o menor de todos.
Compensava a pouca estatura com a rapidez, bastante força, e um raciocínio
acima da média.
Nasci na baixa temporada, o que
significa dizer que, neste período, as crianças que apareceram por aqui eram
muito pequenas e não representavam perigo; ou seja, nenhuma que estivesse em
idade escolar. Esses hóspedes chegam de toda parte do país, e também do
estrangeiro. Chamei a atenção de todos logo no primeiro mês de vida. Minha mãe
e minhas tias estavam longe; por alguma razão nosso pai estava tendo uma
discussão com elas. Melhor para nós, aproveitamos o descuido para brincar na
praia. Não sabíamos nada sobre o mar, então corríamos distraídos pela areia,
até mesmo entrando um pouco na água. Num instante aprendemos que a maré sobe, e
ela nos surpreendeu e nos arrastou. Minhas irmãs saíram piando feito loucas
para chamar os adultos. Até alguns banhistas vieram, atraídos pela balbúrdia.
Não sei explicar como consegui, mas corri com tanta força que escapei da água e
ainda tirei dali alguns de meus irmãos. Mas nem tudo deu certo, meu irmão mais
velho nem os banhistas conseguiram resgatar. De qualquer forma, todas as
galinhas ficaram muito agradecidas e me abraçaram bastante. Já o pai não falou
nada, apenas ficou me olhando de cara séria. Como havia afirmado, minha fama
cresceu, e mesmo os empregados do resort viam em mim um pintinho especial. Acho
que eu gostava da emoção, pois depois disso mantive o hábito de correr por
todos os cantos da praia, e mesmo dentro da água, mas isso nunca contei para os
outros.
Mas chegou o verão, a alta temporada, e
com ela o nosso tormento, crianças grandes. Incrível a sua capacidade de fazer
maldades. Minha sorte é que, embora parecesse, já não era mais um pintinho. Por
mais que tentassem não conseguiam me acertar nenhuma pedrada. Os empregados faziam
o possível para evitar, mas os moleques pegavam os seixos brancos que enfeitavam
os canteiros de flores sempre que esses se distraíam. Entre as crianças havia
uma em especial, que todos diziam ser um demônio. Minhas irmãs, umas bobocas,
sofreram muito com as pedradas. Algumas ficaram mancas, outras, cegas. E meus
irmão menores, bem, vários não chegaram à minha idade.
Pensei num plano para acabar com a
perseguição, mas tinha que convencer meus irmãos, inclusive os pequenos, a
participar. Apesar dos riscos, concordaram. Além disso, precisaria de um pouco
de sorte, pois tudo tinha que ocorrer na hora certa. Comecei a provocar o
menino sempre que podia. Quando ele estava sozinho, passava correndo por perto
para que tentasse me acertar com uma pedrada; de vez em quando até deixava
passar uma de fininho, só para deixá-lo com mais raiva. Quando ele estava na
piscina infantil, perto dos pais, meus irmãos os distraiam e eu vinha pela
praia, dava umas bicadas em sua mão e, em seguida, voltada correndo pelo mesmo
caminho. Fiz isso várias vezes, até que ele chorasse de raiva. E foi assim até
chegar o momento certo. Ele estava na piscina sem os pais por perto. Os
pintinhos se aproximaram e ele se fez de desentendido, cuidando com o rabo do
olho a hora em que eu apareceria. Fui chegando com cara de tonto, ciscando pelo
chão, até ficar bem perto. Ele se abaixou um pouco dentro da água, fingindo que
não me via e, de repente, saltou na minha frente com uma pedra em cada mão. A
primeira pedrada passou longe. Corri para a praia, em direção ao banco de areia
com ele no meu encalço. Precisava de só mais alguns segundos. Enquanto isso, da
saída para a praia, meus irmãos faziam a maior algaraviada, atraindo hóspedes,
empregados e galinhas. Eu sabia que ele não ia querer desperdiçar a segunda
pedra. Parou de correr para caprichar na mira enquanto cortei de volta em
direção à praia. A maré alta veio com uma onda forte que o derrubou e o afundou
no buraco. Os empregados, vendo o que aconteceu, correram feito doidos e o
tiraram do mar, desacordado. Fui para um recanto mais vazio da praia e
acompanhei a movimentação. Chegou uma ambulância para prestar socorro. Dois
homens ficaram em volta do menino por um bom tempo e depois, com as caras
tristes, o levaram dali. Mais tarde me disseram que seus pais foram embora do
hotel. Foi quando vi, no alto de uma duna, que o pai olhava na minha direção.
Na hora eu soube que, dali para frente, o assunto seria de galo para galo.
Esse é Galo!
ResponderExcluirMuito Bom. Jorge Bledow
Bem criativo. Muito bom.
ResponderExcluirNelson, eu até estava torcendo pelo pinto, mas com o desfecho, seu eu estou nessa praia, ia ter galinha com arroz. Abraço, Marcelo Streck.
ResponderExcluirEste é galo!
ResponderExcluirSó cuidado para não parar na panela.
Muito legal, Nelson!
ResponderExcluirAbração
Muito legal, Safi
ResponderExcluirAo ver um galo em um resort da próxima vez vou lembrar disso hehe e terei cuidado,
Gostei muito. Bem escrito e supreendente. Coninue galo.
ResponderExcluirM.
Muito bom seu texto, me surpreendeu bastante!
ResponderExcluirMuita criatividade na elaboração do mesmo, e sinceramente gostei!
Temos muito em comum, pois amo escrever também !
Acho mesmo que você gosta de emoção!!!!!
bjus
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