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segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

Bodoqe n°9

Adel

Editorial

Uma história de índio contada por índio: de assassínio e resistência

Jefferson Pinheiro

Houve um tempo no Brasil, que índios foram mortos pra servir de comida aos cães. Foi no interior de Minas Gerais, na região do Vale do Rio Doce. A Corte Portuguesa queria botar a mão nos minérios daquela área. Em decreto, mandou dizer que qualquer “obstáculo ao progresso” devia ser eliminado. Aquela medida, hoje, é lida como uma carta de guerra aos indígenas. Na verdade, uma permissão oficial para o extermínio.

Ali, o primeiro contato entre os colonizadores e os índios se deu em 1850, mas somente com a abertura da Estrada de Ferro Vitória-Minas, construída entre 1905 e 1911, foi que os brancos invadiram a região. Uma parte dos Borum tentaram resistir e: - massacre! Outra, como tática de sobrevivência, preferiu o caminho da assimilação, misturando seu sangue com o dos invasores e trocando a mata pela cidade – um processo de aculturação tão contundente que os filhos desta união não conseguem se enxergar como índios. Um terceiro grupo reagiu ao perigo do confronto recuando na floresta até o seu limite, quando então o governo resolveu fundar um aldeamento (os aldeamentos não serviam para proteger os indígenas ou garantir-lhe terras, mas para confiná-los num espaço conveniente às forças políticas e aos interesses econômicos). Ainda assim, o SPI (Serviço de “Proteção” ao Índio) arrendou a área aos agricultores, que exploravam os Borum como mão de obra escrava. Acreditavam (será?) os senhores de terno que o aprendizado nas lidas da enxada e do arado seriam um estágio benéfico aos indígenas. Estes, em homenagem a um de seus líderes que pensava o contrário, passaram a se chamar Krenak.

Então, na década de 50, os homens de colarinho resolveram construir uma prisão só para os índios, como forma de dar um corretivo nos rebeldes que não estavam dispostos a passar pelo processo de qualificação profissional imposto ou dividir as suas terras com os colonos. O lugar passou a ser muito freqüentado pelas lideranças indígenas e os krenak foram proibidos de falar a sua língua dentro das próprias casas.

Chegou o período da ditadura e os fardados milicos indicaram um interventor para o estado de Minas, que resolveu simplificar o conflito. Saqueou as terras que pertenciam aos krenak (mesmo que o assunto fosse de competência federal) e presenteou-as aos agricultores. Os índios foram distribuídos para outras tribos ou abandonados nas cidades próximas.

Pois bem, e as mulheres? Foram elas e as crianças remanescentes – já não havia mais homens adultos – que na década de 90 rumaram por dias a pé de volta pra casa e conquistando o apoio de parte da opinião pública, resgataram em 1996 o que os brancos haviam lhes roubado: o lugar original de viver.

Foram elas também, que no encontro com o útero fecundo da mãe-terra, e determinadas a não mais serem violentadas em seus direitos, iniciaram o processo dos krenak de se apropriarem do estudo formal. Hoje, todo jovem krenak em idade universitária está cursando a faculdade.

Esta história foi contada no Fórum Internacional Povos Indígenas em agosto de 2005, na PUC, em Porto Alegre, por Jaider Batista da Silva, Reitor do IPA Metodista. Descendente do povo krenak, junto com sua mãe e outros de mesmo sangue, construíram um grupo de solidariedade que propiciou apoio e infra-estrutura para os indígenas cursarem a universidade. Estes jovens continuam morando na aldeia e preservando a cultura, mas o povo krenak adquiriu autonomia e hoje é ele quem decide até onde os brancos podem ir nas trocas que estabelecem.

Jaider lembra que a universidade domina o aprender a aprender e o aprender a ensinar – conhecimentos diferentes da sabedoria. Neste espaço são os índios que trafegam com maior naturalidade, contribuindo muito para o aprender a ser.

Este texto não é uma fábula, portanto, não precisaria ter uma mensagem como desfecho, mas, se o Reitor quis lembrar Paulo Freire, por que eu o excluiria desta história!?: “Não importa o que fizeram de nós. O que importa é o que fazemos com o que fizeram de nós”.

Os krenak chegaram a ser considerados extintos. Hoje, são 300 pessoas.

Buffet



Brilho Eterno de uma Gente com Esperança

Gustavo Türck

Como seria bom manipular nossas mentes para apagarmos aquilo que incomoda. Nesse mundo em que parece cada vez mais difícil a participação das pessoas nos processos de mudança, às vezes aquela fuga pela esquerda – sem neologismos aqui – parece ser a melhor alternativa para se sobreviver com sanidade.

Pois bem, estamos em um consultório e vamos, através do milagre da associação lingüística, iniciar o procedimento de saneamento mental. O Doutor diz: “Não tenha medo, apenas fale aquilo que queres apagar de sua memória. Temos um equipamento de última tecnologia que mapeia o caminho dessas associações através da construção dos signos e significados dentro da mente. Para cada palavra existe um impulso elétrico específico que representa esta mesma palavra e o seu signo respectivo. Porque todo o processo de construção da linguagem está associado ao fato de observarmos certo acontecimento e o associarmos a uma palavra, uma imagem, seja objetivo e concreto, ou simplesmente subjetivo. Podemos, através dessa tecnologia, inclusive, acabar com conceitos distorcidos e construídos totalmente através de associações arbitrárias vindo de fontes duvidosas. São expressões como: verdade dos fatos, liberdade de imprensa, terrorismo, opinião pública, bom senso, entre outras. Na realidade, isso que estamos fazendo não seria bem apagar a memória, mas limpá-la para que seja possível uma nova oportunidade de construção de significâncias”. Começa logo essa porra! “Calma! Não se esqueça, o processo somente estará terminado depois que essa sensação de sequidão na boca cessar...”.

E, então, você começa:

Bush, Afeganistão, Iraque, mísseis, USA, assassinato, terrorismo, mortes, mentira.
Dinheiro, mortes, Coca-Cola, McDonald`s, câncer, ataque cardíaco, Colômbia, cocaína, tráfico, polícia.
Golpe, capital estrangeiro, grande imprensa, mídia, novelas, Globo, aculturação, Veja, falso jornalismo, difamação, calúnia.
Mentira, Istoé, Época, cinema nacional enlatado, Xuxa, Angélica, Tchan, prostituição infantil, manchete, Zero Hora.
Rigotto, FARSUL, agronegócio, Dorothy, madeireiros, garimpeiros, MST, Pará, assassinato, Sperotto, PFL, PSDB, PP, soja, transgênico, câncer.
Desocupação, morte, Goiânia, Pará, Carajás, agronegócio, colheitadeira, soja, transgênico, destruição florestal, seca, exploração, assassinato.
ACM, neto, FHC, PSDB, PFL, PP, privatizações, bilhões, milhões, precatórios, mercado, dólar, bancos, lucro.
Ódio, bilhões, Valério, Dantas, Barbalho, Magalhães, Cardoso, Delúbio, Dirceu, Genoíno, pasta rosa, Mello, salário mínimo, direita, CPI.
Mentira, Veja, impeachment, PT, Lula...

Termina. Você acorda e sua cabeça está leve, mas o Doutor alerta: ”Agora é que se inicia o verdadeiro processo de re-significação”. Putz! “Entenda o seu processo cognitivo, tome decisões, constitua sua opinião analisando fatos, assimilando visões, pontos-de-vista e, então, conclua!”. Putz, de novo!


O homem passou pela era da imprensa escrita, entrou no rádio, mergulhou na da TV e, agora, emerge nas ondas da internet. O banco de dados da humanidade está mais acessível, mas mais complicado. É como se vivêssemos em uma biblioteca enorme em que houvesse apenas poucos Eco e Morin entre milhões de Coelho e Potter – nem a maravilhosa Alice saberia o que fazer direito com esse coeficiente de dificuldade.

Mas, ainda assim dá. Temos é que tomar posse da nossa formação de opinião. Não dá mais para ir atrás de quem usa os “ias” da vida. O Futuro do Pretérito é pior do que mentir descaradamente. É simplesmente um tempo verbal que não existe! “Fulano de tal TERIA falado...”; “Beltrano TERIA entregue mala...”. Como assim?! Afinal, falou ou não falou? Entregou ou não entregou? Isso tá pior do que fofoca da novela das oito...

Que se inicie logo a reciclagem das fontes de informação! Pois, cedo ou tarde, quando menos esperamos, caímos nessa rede hipnótica do pensamento monolítico e da opinião enlatada.

Ok, continue lendo a Zero Hora, mas leia também o Brasil de Fato! E, se já lê a Istoé, pra que ler Veja?! Vá ler a Carta Capital, a Caros Amigos! Acesse a Agência Carta Maior, procure política no site de TODOS os partidos. Assista a menos novelas, ou melhor, não assista a nada da dramaturgia brasileira. É horrível como fonte de re-significação. Assim você vai se poupar de bobagens enormes como achar que “A Casa das 7 Mulheres” é um registro histórico autêntico...

Pelamordedeus. Comece logo, enquanto é tempo. Porque não vai rolar tão cedo um consultório como esse do início do texto. A não ser em roteiros do Charlie Kaufman....

Kaufman é o roteirista de pérolas como Quero ser John Malkovich, Adaptação e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças – ASSISTA A TODOS!

Queremos a liberdade de ser livres

Fabiana Mendonça

A liberdade tornou-se palavra gasta por mentes aprisionadas.
Arrotam liberdade, mas se alimentam de regras, de limitações.
Escrevem tratados de como ser, agir e pensar.
Não a queremos assim.
A liberdade foi aprisionada, espancada.
O seu conceito foi pervertido.
Hoje, chamam de liberdade a liberdade de consumo!!
Puro absurdo. Estúpido.
Onde estaria a liberdade de comer? De ter saúde? De trabalhar?
Para o povo, a liberdade de olhar. Só olhar. De longe.
Escutar e tocar, não. Nem saber, nem pensar.
Comunicar não é permitido.
Mas não queremos o que é permitido.
Não queremos a liberdade esta que querem nos vender.
Liberdade não se compra!
Não queremos a liberdade com moral.
Queremos a liberdade que não sabe o que é moral.
Queremos a liberdade em que não há leis, há bom senso.
O bom senso que conhece e respeita a liberdade coletiva e a liberdade individual.
Queremos a liberdade de ser livres.
De escolhermos as opções que não são as que a sociedade impõe.
Queremos criar nossas opções, pular os muros, derrubar as cercas, nadar em outras direções, amar de mil formas, ler o que está escrito e, principalmente, o que não está escrito, escrever o que jorrar de nossas canetas, voar com nossas asas-pensamentos.
Queremos a liberdade solta, a brincar com as crianças em corpos de crianças.
E as crianças em corpos de adultos.
Queremos a liberdade esvoaçante a flertar com a vida, a namorar a alma.
Queremos a liberdade de não concordar com as ervas daninhas deste mundo.
A mesma liberdade que permite que elas cresçam.
Não as arrancaremos.
Seremos livres para plantarmos e cultivarmos flores e frutos em todo o seu redor.
Queremos essa liberdade para tudo e todos neste mundo.
Este mundo que sonha, um dia, ser livre.

_________________________________

Se quem eu defendia não é mais a solução que eu esperava, mudo minha posição. Não quero mais política partidária. Quero a política libertária. Não quero mais eleger representantes. Não quero que corruptos decidam por mim. Eu voto NULO.

A Cerca, por Fabiana Mendonça, e Artur, o Arteiro, por Rafael Corrêa



A Cidade Sou Eu



AAAAHHHHHHH!!! NÃO!

Junior Moicano

É, senhores, o que dizer das baixarias políticas no Brasil? Malas de dinheiro, contas no exterior não declaradas, dinheiro na cueca, hipocrisia de velhos caciques, etc. Para o mais desavisado – ou mal-intencionado – o PT é o único problema, para quem avalia um pouco mais a fundo vê que não tem virgem no baile. Todos os ditos grandes partidos estão envolvidos – PSDB, PTB, PMDB, PDT, PFL, PL e por aí vai. Eu sei que primeiro temos que provar tudo isto antes de sair acusando e pedindo cassação, impeachment, o escambau. Mas não dá para negar o sentimento de vergonha desta dinheirocracia em que vivemos, vergonha desta classe política (generalizando mesmo) feita de brasileiros que usam a bandeira de “defesa do povo”, seja ela a bandeira partidária que for, para aproveitar a oportunidade e a influência e perder a ética. Onde está a origem do problema e qual a solução?
Está claro, na minha opinião, que a causa de tudo isto é o que muitos vendem como grande vantagem: o jeitinho brasileiro, a “lei de Gérson”. Prática esta facilmente verificada no dia-a-dia – a fila furada, o lugar próximo da entrada vendido para alguém mais necessitado (e com dinheiro), o “portão” no ônibus, a “conversa” no fiscal de trânsito, o flanelinha que se acha dono da rua e extorque o motorista, o desdobre no guardador de carros honesto para não pagar 1 real, e por aí vai. Obviamente, os nossos políticos também fazem uso desta prática de levar vantagem. Mas será que não existem políticos corretos? Claro que existem, o problema é identificá-los no meio desta chafurda. Eu, por exemplo, confio em poucos deles, mas identifico alguns. Acontece que eu acredito em política como conjunto, grupo, coletividade e não em política baseada na individualidade.Então, qual é a solução? Não tenho a pretensão de ser o dono da verdade e detentor da solução final, mas nas próximas eleições eu vou votar NULO! Se hoje em dia é uma utopia acreditar que a política partidária pode ser séria e transparente, prefiro manter viva a utopia que um dia seremos seres-humanos desenvolvidos suficientes para vivermos sem políticos. Não vou mais depositar confiança em quem nunca devolveu nada de concreto para o povo além de esperanças vazias. A partir de agora, quero ver antes! Quero ter minha confiança conquistada com ações e não mais palavras. Sei que tem aquele discurso de quem vota nulo perde o direito de cobrar e blá, blá, blá. Bobagem, vou continuar cobrando e exigindo. Vou continuar querendo mudanças quando julgar que o rumo está errado, SEMPRE! O que eu vou fazer nas próximas eleições então é digitar um número que não seja de nenhum candidato e teclar confirma. Um grande NÃO a tudo que nos apresentam!

Sem título, por Têmis



Sabe qual era o lema de Zapata?

André de Oliveira

― Sabe qual era o lema de Zapata?
Terra e liberdade!

Biblioteca Pública Estadual. Início de noite fria y está quase fechando expediente ao público.
As Letras recebem o RAP em seu tradicional templo. Centro. Bate-papo de final de tarde. O RAP saindo da correria do dia. Jogo rápido. Uma leitura. Vida do herói revolucionário.
Entra Prego. Da Ala dos Preto do Corre. Bonja S/A. Lado Leste de Porto Alegre. Vila Bom Jesus. Identificação.
Chega rápido. Pinta sempre por lá quando decide pesquisar y aprofundar idéias em alguns temas. Valoriza o espaço público para a leitura – mapa do conhecimento.

― Eu tenho certeza que o cara que escreve música e que escreve poema é sempre bom pegar outros exemplos de linguagens nos livros. Por que se tu ficar limitado ao que tu fala no dia-a-dia, tu acaba limitado a pular algumas barreiras. Tu pára num muro que é a própria ignorância da gente de não ir procurar. Entendeu? Por que não é burrice ― mira certeiro Prego a blindagem intelectual às classes populares.

A ciência da astúcia. É subdesenvolvimento da expressão como originalidade e estilo de sobrevivência. A afirmação cultural não como meta, mas ponto de partida. Raízes resgatadas. Estética renovada. Difusão. Propagação de saberes. Nem sempre culto, mas engajado e reflexivo.

― Se os caras do RAP quisessem aprimorar para saber escrever melhor, aprender outros vocabulários: é legal ler bastante. Se o serviço público [de bibliotecas] fosse mais divulgado, viriam mais pessoas procurar livros.

Na música. Faz ritmo y poesia. Dupla de inspiração na contestação. Pé-no-chão, seriedade e revolução – insumos da criação artística. Aduba com criatividade. Ginga. Potência no som. Certezas na fala. Há muita opressão a ser liquidada.
Y há o cuidado de deixar a palavra na linha do pensar, por isso Prego se coloca na responsa ao falar da ideologia construída na parceria com o Gibs:

― Não digo que a gente tenha uma das melhores músicas, mas uma das melhores intenções de fazer música. Por que tudo que a gente fala é de conceito mesmo. A gente não está falando só pelo fato de querer falar, querer rimar. É o que a gente vive mesmo. É pelo que a gente corre – coloca a idéia com tranquilidade.

A impressão da tatuagem do braço esquerdo. Prego escolheu a biblioteca como cenário para a filmagem d’uma sequência de apresentação da Bonja S/A para abrir a faixa que a banda terá no DVD do Concerto II Cohab é só RAP, já realizado lá no Rubem Berta, no dia 31 de julho deste ano. Fica esperto, Malandro. Produtora Sítio na organização. Tiririca e Barriga na coordenação da parada.
No saguão de entrada. Depois de um lero com o guardinha, Prego pára no setor de atendimento y pede para consultar livros sobre Emiliano Zapata. A câmera começa a rodar. É pra passar a mensagem. Luz à luta camponesa pelo lado do universo urbano da guerrilha artística. Ação local. América Latina. Fé na transformação que amplia consciências. A luta do povo é a única verdadeira.
O funcionário da biblioteca volta do arquivo de consulta, cruza por Prego y vai buscar um livro da História do México. Encontrado, agora, o caderno é do Prego. Folheia. Escolhe a página, mostra foto de Zapata e fala na categoria:

― Este cara pra mim é incontestável. Por que ele foi defensor dos princípios e não defensor dos homens. A maioria destes caras que falam em revolução, eles são defensores dos homens. Zapata foi defensor de valores valiosos. E Zapata era a favor da geração dele, das que iriam vir e das que passaram antes – justifica, colocando o líder mexicano como um ícone a mais na sua cartilha.

É reforma agrária no latifúndio improdutivo das estantes enfileiradas de livros empoeirados do Estado que não valoriza a leitura. A oralidade é marca registrada da comunicação e da sabedoria no Brasil. RAP e Repente. De repente, novas fronteiras comunicacionais.

― Até hoje no México tem gente que corre pela mesma ideologia de Zapata. O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), em Chiapas. Os zapatistas adotaram métodos de 1917, viram que era uma forma correta, reta de fazer a revolução no México.
Na real a gente fala muito em revolução, mas na verdade não há exemplos no nosso país. Nós temos exemplos de ditaduras aqui.

A tática de combate do Prego é difundir o contra-conhecimento da cultura popular. Estratégia do abate: instrução do povo como arma intelectual revolucionária para sair das amarras y farsas seculares impostas pela burra classe elite econômica parasita que contamina a imaginação comum. A concentração de riqueza faz ignorar os verdadeiros problemas. A periferia é terreno fértil de pensamento-ação de superação. O RAP e o hip-hop dão surgimento a uma nova elite política no Brasil que ainda está para ser colocada na sua devida importância. Só que a rapaziada não almeja poder. Quer respeito e dignidade p’ras suas comunidades. O futuro a Deus pertence, irmãozinho. E o caminho está sendo trilhado com seriedade.
A instrução do RAP ultrapassa as cadeiras do ensino fundamental e os conceitos televisionados. Escola técnica de versos e sabedoria, por que nasce da dificuldade de acesso à informação de suas próprias raízes. Aprumo. Educação não está restrita a assumir a razão dos mandantes. Tradição, mestiçagem, misticismo e rebelião capacitam hoje a juventude brasileira pobre que sobrevive na Babilônia dos outros. Movimento hip-hop é o que representa a maioria urbana. Os heróis da Pátria não são os heróis do Povo. Leia o RAP. Escute verdades. Sabotage a desigualdade.
A História oficial difundida e ensinada nas instituições de Estado não respeita a civilização africana brasileira carregada de lá pela via da escravidão e o genocídio dos índios nativos, ambos peça de engrenagem para o avanço do colonialismo selvagem. São os verdadeiros trabalhadores brasileiros até hoje. Quem toca pra frente este país. Tem cantor de RAP no corre da venda de tênis naike dos chineses na Esquina Democrática, trabalhando no Departamento de Perícia da Polícia Civil, trampando em escritórios, cuidando e lavando carro na rua, selando carta de Sedex nos Correios. Porrada de bicos. É o Sindicato do RAP. Trabalhadores uni-vos! A cantar a força da transformação. Celebridade, que porra nenhuma.

No final da gravação é feito um pedido. No improviso, Prego canta uma das letras da Bonja S/A no meio da sala de leitura da biblioteca. Olhar sério, mirando fundo da lente:

― Império de Guerra. Conexões formadas. O início da revolução não-armada. Ponto-de-vista? Bandeira Sulista. Tráfico de informação, começo da conquista. Educação para a violência seria a cura. E antes da pena de morte, cultura, instrução, estrutura. Principalmente com a polícia e pro governo. Apura?
Chega de promessas, falsos profetas. A esperança kamikase que nos afeta.
Rotina de merda. Alvo fácil. Sem apoio: a queda, o descaso. Lamentável. Judaria sistemática, tática de abate antes do combate. Ditadura resgatada por trás da fachada. Ordem e progresso sem acesso a terra amada. Libertinagem escancarada. Hoje é televisionada. Apoio barato. Amizade forjada. Farsa todos os dias. Descaradamente. A venda da desgraça.

Na saída da visita, do outro lado da rua, encostado na parede de pedra que sustenta a estrutura do Tribunal de Justiça, Prego diz que o caminho é sempre pelo certo. É sempre tentar fazer o máximo de certo. E p’ràqueles que possam pensar “mas o que é fazer o certo?”, ele explica que é não prejudicar ninguém. É tu fazer o melhor de ti sem prejudicar ninguém y nem a ti próprio. Nas músicas da Bonja S/A, no jeito de pensar, se tenta passar muito isso. Espírito de comunidade.

― Minha vivência na Bom Jesus começou desde criança. Vários me apoiaram. Não tenho o que falar lá da rapa do Coqueiro. Me apoiou, me ensinou muitas coisas. Na real eu aprendi a ser homem lá com a Bom Jesus. Entendeu?
Por que a gente sai pro mundo aí e a gente vê que não é como contaram pra nós na escola, por que o mundo é tirano e tem que caminhar ligeiro pra não ficar pra trás.
Ser Bonja S/A. Ter nascido e ser criado na Bom Jesus, tem que ser de fibra. Só os durinho permanecem.

O fato é que a comunicação do Estado...

Rogério Mattos

Se, antes, eram as empreiteiras e construtoras que levavam a fama por serem bases operantes para a corrupção do erário publico, hoje, essa imagem passa a ser associada a agências de publicidade e à própria publicidade em si. Frases como “pra quê gastar dinheiro com propaganda se a gente não tem saúde e educação”, “bando de publicitário ladrão”, ou “acho que vou ser publicitário, ganhar grana falando mentira” são, de forma preconceituosa, ditas pelas pessoas sem nenhuma culpa, desassociando a profissão da responsabilidade e da importância a ela inerente. O que sobra é o pressuposto desmoralizante da comunicação publicitária, sinônima de entidade sem glamour, mas de poder, luxo e lixo, e a pergunta: é válida a comunicação e as propagandas feitas pelas instituições e empresas públicas?
O tripé da saúde pública é saneamento, nutrição e educação sanitária. Saneamento é estrutura, precisa-se, então, para melhorar a saúde da população, de se construir canais de esgoto, usinas de tratamento, etc. Para uma boa nutrição da população é preciso um país que possibilite uma variedade razoável de alimentos a preços acessíveis, com distribuição gratuita de comida para os mais necessitados e impossibilitados de trabalhar, para as crianças nas escolas, e uma boa educação alimentar para não termos uma população doente com a obesidade, por exemplo. A educação sanitária se faz nas escolas, com livros e com bons professores, se faz na família e na sociedade através de sua herança cultural, passada pelo folclore, pelo diálogo e pelo cotidiano; e se faz com veículos de comunicação e outros suportes. Investir em estrutura é ação de uma política pública. Garantir o setor produtivo e agrícola para fornecer bons alimentos é uma ação de política pública. Comunicar os conhecimentos que ajudem a sociedade a ter uma boa educação sanitária é política pública.
Quanto vale uma campanha propagandista para o estado do Rio Grande do Sul que ensine as crianças e adultos a tomar soro caseiro e a explicar o que é a dengue e o ciclo reprodutivo do mosquito que a transmite? Com dez milhões de habitantes no estado, uma veiculação de 30 segundos no horário do Jornal Nacional da Rede Globo custa R$21.066,00. Um anúncio de meia página no jornal ZH não sai por menos R$10.000,00. Fazer um jornal independente, informativo, tamanho tablóide, de oito páginas, todo colorido, com diagramação, planejamento gráfico, equipe de jornalistas, de produção, com cinco profissionais, justamente remunerados, tiragem de cinco mil exemplares e distribuição dos mesmos, não sai por menos de R$10.000,00. Cinco mil exemplares? Quantos habitantes têm no estado mesmo? Antes que alguém largue este texto e saia elaborando um plano de mídia, e com o pressuposto que comunicação do estado é política pública, podemos concluir que a publicidade, a ou comunicação, num primeiro impacto, é um investimento caro. Contudo, esse investimento gera centenas de milhares de empregos e retorna, consideravelmente, em forma de impostos para a União.
Qual a importância de um professor, de um médico e de um comunicador? Qual das três profissões pode matar ou salvar em virtude de seus atos, de seus erros e de seus acertos? Quem deve ser mais remunerado? São respostas difíceis. No entanto, qualquer sílaba dita tem como pano de fundo uma discussão ética da essência do capitalismo, em que o dinheiro moeda absorveu a representação de qualquer tipo de riqueza material. O materialismo e o acúmulo de dinheiro são hoje dois valores importantes em nossa sociedade, determinando a ambição do ser humano em ser, ou não, bem remunerado, rico, etc. Essa discussão sobre a devida remuneração que um comunicador deve receber, podemos aprofundar numa outra oportunidade. No entanto, para termos um panorama geral, pela regra de mercado, há o repasse de 20% dos veículos de comunicação para as agências de publicidade. E é desse repasse que, teoricamente, vem a remuneração dos profissionais nas grandes licitações públicas, anunciadas nos veículos da grande imprensa. Numa licitação de dez milhões de reais, dois milhões ficam para quem criou e planejou a campanha, sem contarmos os gastos de produção que podem ou não estar nesse repasse. O Fato é que a comunicação do estado com sua população é um bem público, por isso não podemos deixar que caia na mão de aproveitadores e corruptos.
Novas agências de comunicação, em diferentes formas de organização jurídica com novos profissionais preparados e competentes, devem continuar surgindo, independentemente, de todas as adversidades, deixando de lado qualquer tipo de vislumbre da profissão, mas mantendo a vontade de mudar, de trabalhar, de serem remuneradas e de serem valorizadas. Essa crise que escalpela o nosso país serve para que os comunicadores tenham a iniciativa ainda maior de se preparar para servir a administração pública que é extremamente exigente em suas licitações.
Classificar como bem público a comunicação do estado com sua população é imprescindível para discutirmos outros temas como o lucro abusivo de empresas com a comunicação pública; a justa remuneração de um profissional de comunicação pelos órgãos públicos; alternativas para um trabalho de qualidade na comunicação do estado; e a verdadeira importância do profissional de comunicação, para a sociedade, dentro da máquina estatal.
Para finalizar, não podemos esquecer que vulgarmente se diz que propaganda quem faz é governo, e que publicidade quem faz é o mercado. A comunicação publicitária ou propagandista pode ser usada por uma ideologia, mas não é ideológica. Propaganda e publicidade são a mesma coisa e podem ser usadas por qualquer um. Agora fica a pergunta: será esse conceito que faz hoje os políticos serem apresentados como produtos a seus eleitores? Está aí outro tema a ser debatido.

Arte, por Rafael Corrêa


Dois Dramatículos, por Mauro Menine

sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Bodoqe n°8

Expediente

Editorial

A Catarse faz o Bodoqe. O Bodoqe faz a Catarse.
E a Catarse faz o caminho. Com os seus pés, marca sua própria trilha e cria suas raízes na ética e na dignidade de um jornalismo independente.
Nossos princípios são nossa carne e nossos ossos. Circulam por nossas veias.
A Catarse não tem medo de se mostrar. Com o Bodoqe, quer acertar a mínima imprensa que, a partir de hoje deixará de ser chamada de “grande imprensa”, pois de grande não tem nada. É pequena, é medíocre.
O dinheiro não a torna grande. Pode deixar forte, mas não grande.
Porque grande e forte são todos que lutam por um jornalismo como ele tem que ser: ético, justo, solidário e digno.
A luta é árdua. Mas cada passo nos dá a certeza da escolha certa.
O coletivo vai contra a mesmice que não soma, que só subtrai.
O coletivo quer mostrar os desvios da informação que a mínima mídia vende em suas prateleiras.
O coletivo quer a Catarse.E aí está a Catarse - Coletivo de Comunicação.

Tribunal de Cajamarca, região norte do Peru, 1994. Pesa no ar a insensatez.

André de Oliveira

- Você é terrorista? - pergunta o juiz.
- Não! Não sou terrorista.
- Mas você deve dizer que sim, que é terrorista, para que nesse momento fique em liberdade e possa estar sobre a proteção legal da Lei do Arrependimento!
- Mas não pode ser. Como posso dizer que sou terrorista, quando não o sou...

Coagida. Amedrontada. Sem conhecer as conseqüências reais da resposta “Sim, sou terrorista”. Pressionada pelo comissário de polícia de Cajabamba, povoado onde vivia, com recomendações de que seria a melhor escolha. Num turbilhão de confussões, Natividad Obeso, peruana refugiada na Argentina há 11 anos, deixa naquele momento uma marca profunda em sua vida: ser perseguida pela Justiça peruana por suspeita de crime que nunca cometeu.

Porto Alegre, 2005. Fora do Peru esquecida pelo mundo.

Só lhe resta agora denunciar sua condição oprimida e mobilizar solidariedade. Foi o que Natividad fez no painel “Refugiados”, do Fórum Social da Migrações, na tarde do domingo 23 de janeiro. Ergueu o braço no momento reservado à exposição de depoimentos. Denunciou. Porém não recebeu a solidariedade esperada. Sua voz era a súplica da ajuda. A resposta veio, lamentavelmente, pela perplexidade dos participantes. E a reação dela, o nó da angústia.

O silêncio refugiado de milhares de peruanas acusadas de terrorismo durante a ditadura militar de Alberto Fujimori permanece esquecido. Não há qualquer movimento organizado no Peru que logre reivindicar o fim de acusações mentirosas e defenda seus direitos fundamentais. Natividad e outras tantas peruanas estão lançadas ao destino trágico do abandono. Peregrinam em busca dum espaço humano de acolhida para resolver tantas injustiças. Peregrinam em busca da verdade.

Estas mulheres fazem parte do imenso contingente de pessoas obrigadas a abandonar o que as identifica e sustenta. Difícil de contar, mas o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ANCUR) estima em 17 milhões, só os que vivem em acampamentos. Outros números apontam 175 milhões de pessoas buscando sobreviver fora de seu país por conflitos variados.

São muitos. E são sós. O sentimento de solidão e afastamento domina a história de um refugiado. A intolerância reprime, distancia e isola. Cada caso tem seu sintoma degradante específico. O de Natividad é só um deles.

À sombra do Sendero Luminoso
O início da tormenta de Natividad está na bem sucedida aposta no negócio de revenda de cervejas nos povoados vizinhos à Cajabamba. O aumento dos lucros fez dela alvo fácil no regime de extorsão praticado pelo movimento armado peruano, que age com desenvoltura por esta região. Natividad sempre pagou regularmente o suborno exigido por medo. Mas o que incomodava os que a extorquiam era sua inserção comunitária durante a campanha para eleições municipais daquele ano. É que melhorar as condições de vida, para quem não necessita, só atrapalha é o que entendem os chefes do Sendero.

Numa noite, senderistas a capturaram e a levaram numa celebração em homenagem à Mão Tse-Tung. Na verdade se tratava de um julgamento popular. No banco dos réus, Natividad, sem entender nada do que se passava. A única lembrança é de que foi absolvida por seus conterrâneos e ordenada a desaparecer da festa imediatamente.

Natividad procurou a polícia para formalizar denúncia de seqüestro. O mesmo delegado, que meses depois aconselharia ela a assinar a confissão de terrorista, foi quem não aceitou sua queixa, sem explicar qualquer motivo.

Meses depois, chega à Cajabamba uma ordem de captura contra Natividad pela acusação de colaboração estratégica com o movimento Sendero Luminoso. O indiciamento partira de Leodan Alfonso Alcalde, condenado como terrorista arrependido e transformado em fonte de denúncia pelo órgãos de segurança pública. Detalhe: Natividad, até hoje, não tem a mínima noção de quem seja o sujeito.

Antes da chegada dos policiais, Natividad, mãe de quatro filhos, foge para um povoado distante, aluga uma casa, coloca sua mãe como guradião da família, foge para a Argentina, passa a sofrer discriminação étnica e social por ser imigrante e fica os próximos sete anos como fugitiva ilegal. Só em novembro de 2001 a Justiça Argentina emite sentença reconhecendo sua situação de refugiada.

Desde então passou a integrar a luta organizada dos militantes na Argentina. É presidente do grupo Mujeres Peruanas Unidas Migrantes y Refugiadas. Seu desejo é voltar para seu país. A ordem de captura desencoraja a tentativa de encarar os tribunais. O crime de terrorismo não tem prescrição no Peru.
Lhe restam quatro alternativas. Enfretar diretamente o processo judicial, o que significa sua imediata prisão. Apresentar uma defesa de inocência desde a Argentina, com uma chance muito reduzida de ser aceita, pois como poderá abrir um processo em que não haverá interrogatório. Levar o caso até a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ou permanecer em Buenos Aires, determinada a esperar a dia em que a insensatez que pesa no ar abra um brecha a uma ajuda que chegaria na rua Jufre, sala 2, sede de sua organização. Natividad tem fé. É uma lutadora refugiada. Trabalhadora oprimida.

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