Mostrando postagens com marcador Artigos Diversos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Artigos Diversos. Mostrar todas as postagens
quinta-feira, 17 de janeiro de 2019
Tipos populares de Aracaju - Artur Paiva
Isto é História
Aracaju Romântica que Vi e Vivi
Tipos Populares
Artur
Paiva
Murillo
Melins
Grande
pianista, poeta, filósofo e boêmio por excelência, residia na rua Boquim e dava
expediente em tempo integral no Empório Santo Antônio, Rua Arauá esquina com
Estância. Quando o armazém abria suas portas, o primeiro freguês a entrar era
Artur Paiva que ia molhar a palavra com seu companheiro inseparável, o amigo
Jackson, ex-alfaiate que também frequentava assiduamente o Empório. Esse ficava
na porta, e só entrava após a seguinte formalidade: “Sr. Artur Póteris ou não
Póteris”? Quando Artur respondia: “Neguris tateris”, o Jackson entrava,
postava-se no balcão, e esperava. Quando Artur dizia: “Jesus Maria José, beba
comigo quem quiser”, era a senha para que Jackson tomasse a primeira pinga. As
demais dispensavam esse protocolo.
Artur
era um gentleman. Nunca se ouviu de
seus lábios uma palavra imoral ou indelicada, a não ser para responder seus
colegas quando faltavam com respeito ou cuspiam no chão. Esses mal-educados,
quando reincidentes, não mais bebiam com ele. Entre um trago e outro ele
acendia um cigarro Victor de Olinda. As bianas eram colocadas numa lata, nunca
no chão.
Encontrava-se
geralmente sóbrio, fazia citações de filósofos e recitava sonetos de Augusto
dos Anjos, seu poeta predileto. Artur escreveu no estilo do vate paraibano, Visita à Necrópole, sobre a qual
desconhecemos qualquer publicação. Auxiliado pelo amigo José de Alencar,
lembramos de alguns versos que reconstituímos aqui, talvez da forma como ele
escreveu:
“Brancas caveiras riem
satisfeitas
Zombando do segredo e
do mistério,
Ossos dispersos pelo
cemitério
Representando vidas já
desfeitas.
Úmeros, rádios, tíbias
contrafeita,
Em contubérnio o resto
do adultério,
E a monstruosidade de
Tibério,
Heterogêneo é o fim de
cada seita.
E na apoteose triste da
verdade,
Dentre ciprestes
contemplei mudo,
E a realidade ali bem
junto a mim
Sozinho, agora, dentro
da cidade dos mortos,
Penso é certo, e não me
iludo,
Pois todos hão de ter o
mesmo fim”.
Outros
pensamentos que ouvimos dele em algumas ocasiões, de acordo com as
circunstâncias, como por exemplo, quando uma senhora perguntou se ele era
casado, prontamente respondeu: “Perante o altar da saudade, casei-me com a
tristeza”. De outra feita, quando ele já tinha tomado algumas doses e estava
meio alto, avistou seu genitor que se aproximava. Artur encostou-se na parede,
para manter-se firme, segurou meu braço, passou a mão no ralo bigode, pigarreou
para limpar a voz, e disse: “Lá vem o autor dos meus infortunados dias”.
Como
se tornou alcoólatra? Contavam que ele era noivo de uma moça em Belém do Pará.
Em uma das viagens que fez àquela cidade, a serviço, como pianista de bordo,
foi rever a sua amada e talvez marcar o casamento, porém soube que ela partira
com outro. Quando ele voltou do Norte, desembarcou do navio, deixando para trás
o emprego.
Passou
a morar em Aracaju na residência dos seus pais. O grande pianista conhecido
nacionalmente, deixou de tocar profissionalmente, salvo várias exceções, quando
era procurado por regentes de orquestras que o convocavam para alguma tocata.
Muitas
vezes quando eu passava pelo Empório Santo Antônio, convidava-o para tocar em
minha residência, ao que era atendido com todo prazer. Algumas vezes, quando
ele tocava Valsa das Sombras,
lágrimas vertiam dos seus olhos. Perguntei um dia se aquela música tinha algo a
ver com alguma paixão, ele passou a mão nos cabelos, e respondeu rindo:
“talvez”. Esse foi um grande pianista e filósofo.
O
que escreveu sobre o poeta um cronista da época:
“Eis aqui Senhores
Um poeta acima de tudo, poeta. Não é um construtor de
versos, aproveitando-se do ritmo para formar frase bonitas. Não é um arquiteto
que vise as linhas do edifício. É como uma águia ferida que mesmo assim,
prossegue voando, soltando cânticos de dor...
Quando às vezes lhe faltam forças para voar, ela não pousa
no chão; pousa sim, no topo dos altos edifícios ... e assim ainda continua
acima de muitos outros.
A sua poesia é amarga como é a sua vida.
Se ela trouxesse como são as que se veem numa gota d’água
refletindo o sol, mereceriam perder-se num mar de indiferença. Seria falsa,
mentirosa.
Mas é amarga e queima como o vinho que bebe. Dele também
tem a cor escura.
Saboreiam-na assim.
Saboreei-na”.
-
A próxima postagem você vai conhecer o CORONEL ANDRADE. Indo morar em Itabuna
conseguiu construir riqueza e um grande cargo na Bahia, o de Coronel Comandante
de Cavalaria da 85 Brigada. Veio morar em Sergipe e se tornou proprietário de
grandes prédios de Aracaju, como o Edifício Vaticano, no Beco dos Cocos, e do prédio
onde funcionou as Casas Pernambucanas.
-
Do livro “Aracaju Romântica que vi e vivi”, de Murillo Melins, 4ª. Edição,
2011, Gráfica J. Andrade.
-
As imagens aqui reproduzidas foram retiradas do Google.
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
Je Suis Locke
Artigos Diversos
Je suis Locke
Charges do Charlie Hebdo:
Liberdade de Expressão x Tolerância Religiosa
Por Paulo
Gustavo Guedes Fontes (*)
Lamento profundamente o assassinato
dos jornalistas da Charlie Hebdo. Repudio o terrorismo e a violência.
Mas não sou Charlie. Je suis Locke, que em fins do século XVII escreveu
sua “Carta sobre a tolerância”, um dos textos fundantes da modernidade sobre a
laicidade e a convivência entre as religiões. Não se trata de tolerância com os
intolerantes. Nenhuma trégua ao terrorismo. Nenhum recuo na laicidade
conquistada a duras penas nos países ocidentais. A imposição de preceitos
religiosos na vida civil já era rejeitada por Locke. Mas a laicidade existe
justamente para que as religiões possam conviver em paz.
Todo direito tem limites, mesmo os
direitos fundamentais. Nenhum direito é absoluto, eis a lição comezinha dos
manuais de direito constitucional. A regra geral da liberdade pode ser
atribuída ao utilitarista John Stuart Mill, com seu princípio do dano (harm
principle): somos livres para fazer o que quisermos, desde que não
prejudiquemos o outro. As fronteiras entre os direitos e o que pode ou não ser
considerado prejuízo para os outros variam, evoluem. Alguns consideram que os
direitos fundamentais têm limites intrínsecos — ninguém, em nome da liberdade
artística, tem direito de armar seu cavalete e pintar atrapalhando o trânsito.
O limite integraria o conceito do próprio direito em questão. Outros entendem
que direitos fundamentais são a priori ilimitados e os limites só
aparecem se e na medida do necessário, segundo a lei do sopesamento entre os
princípios e direitos em colisão. Controvérsias teóricas à parte, a ideia de
limites aos direitos é intuitiva e aceita amplamente no mundo jurídico.
A liberdade de expressão tem lugar de
destaque entre os direitos fundamentais. Em termos de importância talvez só
sofra concorrência da liberdade de locomoção. E se desdobra numa miríade de
outros direitos: liberdade política, religiosa, de imprensa, liberdade
artística e científica, etc. É extremamente difícil lhe impor limites. Mesmo o
politicamente correto em voga não pode servir de censura. Lolita, de
Nabokov, considerada uma obra-prima da literatura universal, trata de um caso
de pedofilia, narrado com vigor, erotismo e profundidade psicológica. Querer
suprimir trechos supostamente racistas de Mark Twain e Monteiro Lobato é
ridículo.
Mas os limites existem. Alguns mais
banais, como a proibição de caluniar, difamar e injuriar. Outros podem
surpreender. Em alguns países da Europa é crime praticar o “negacionismo”: não
se pode negar que o Holocausto existiu. Jean-Marie Le Pen, ex-líder do Front
National-FN, que propõe agora o fechamento das fronteiras da França, já foi
condenado criminalmente por declarações desse tipo. O artigo 20 da nossa Lei
7.716/89 assevera ser crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”
E em 2003 o Supremo Tribunal Federal
manteve a condenação de Ellwanger por crime de racismo, em razão de publicações
de conteúdo nazista.
A pergunta que me faço, e que de
alguma forma foi ventilada nos últimos dias, ao lado da indignação com os atos
terroristas, é se as charges do Charlie Hebdo não extrapolam esses limites. Se
não do ponto de vista jurídico, quiçá de uma perspectiva ética ou política. Não
sou religioso, mas as religiões fornecem a seus fiéis suas crenças e valores
mais caros. Será que precisamos desse humor? Um ato sexual entre Deus, Jesus e o
Espírito Santo, a nudez de Maomé com alusão à estrela de Davi, etc? Parece
divertido para alguns, podemos admirar a irreverência e coragem dos
cartunistas, mas por que se veria aí uma liberdade ilimitada, incapaz de
respeitar o sentimento religioso?
Devemos tentar conviver melhor com o
islamismo moderado, ele existe e é majoritário. Levá-lo a criticar o extremismo
“de dentro”. Com os que são capazes da tolerância, ela é o melhor, talvez o
único caminho para o século XXI. E tolerância exige aceitação do outro,
consideração por seus valores, respeito e comedimento: até quanto aos limites
do nosso riso.
O autor - Paulo Guedes
- Publicado
na Revista Consultor Jurídico, 16 de janeiro de 2015, às 17h15min.
(*) - Paulo Gustavo Guedes
Fontes foi procurador da República em Sergipe. Atualmente é desembargador
federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Assinar:
Postagens (Atom)