Com meia dúzia de excepções, todas as empresas ficam a perder num país onde a precariedade aumenta. Isto, porque um cidadão que perde o poder de compra, deixa de ser um consumidor no verdadeiro sentido do termo. Não havendo consumo, não há compras. Não havendo compras, não há vendas. Não havendo vendas, não há lucros. Não havendo lucros, não há produção. Não havendo produção, aumenta o desemprego.
E se, inicialmente, a um patrão pode parecer favorável ter na sua empresa funcionários a quem paga pouco e a quem pode contratar e despedir à vontade, mais tarde ou mais cedo, dar-se-á conta de que os consumidores que lhe compravam os produtos vão paulatinamente desaparecendo – porque esses ex-consumidores estão agora no desemprego ou são os empregados precários de outras empresas que seguiram as mesmas políticas.
Em síntese, a precariedade laboral representa o fim dos consumidores e, portanto, a falência em catadupa das empresas e o desmoronar da economia.
E sob o ponto de vista do cidadão precário:
Excerto de um artigo de Daniel Oliveira – 25/01/2013 - Expresso Online
[…] Sabe-se que (em Portugal) o desemprego real - bem diferente do que as estatísticas revelam - estará acima dos 20%, correspondendo a 1,2 milhão de pessoas. Que há mais de 16 mil desempregados todos os meses. Que a taxa de desemprego entre os jovens está a aproximar-se perigosamente dos 40%. Se aos desempregados juntarmos os precários, temos 2,9 milhões de pessoas, a maioria da população ativa portuguesa. Ou seja, o trabalho com o mínimo de direitos é já um fenómeno minoritário.
A precariedade entrou no jargão político. Mas nem todos parecem compreender o que ela significa e os efeitos devastadores que tem na organização social de um país. Ser precário é não poder fazer projetos. É não ter qualquer capacidade de estruturar a vida e o futuro. É adiar a possibilidade de ter filhos ou de comprar uma casa. É não ter qualquer esperança de uma progressão profissional. É não ter qualquer direito quando se está doente, quando se engravida, quando se chega à idade da reforma. É a completa imprevisibilidade, o que torna insuportável a vida em sociedade e tem efeitos desastrosos na economia. É, muitas vezes, a impossibilidade de ter férias, horários decentes, direitos mínimos. É ter de comer e calar. De aceitar salários inaceitáveis, horários insuportáveis, condições de trabalho indignas.
A precariedade não se limita a degradar a dignidade do trabalho. Deixa aos pais a tarefa eterna de, volta não volta, sustentarem os seus filhos. Deixa os filhos dependentes dos seus pais. A precariedade (quando não corresponde a um excelente rendimento) não promove, ao contrário do que alguns pensam, a autonomia dos indivíduos. Porque a autonomia exige o mínimo de independência material e esta exige o mínimo de previsibilidade profissional. A precariedade é uma doença social que, por deixar tanta gente à deriva, acaba por corroer a vida de toda a comunidade, pondo mesmo em causa a sustentabilidade da democracia. E se a precariedade é tudo isto, em Portugal, onde os apoios sociais ao desemprego eram poucos e estão próximos de serem nenhuns, ela é uma autêntica catástrofe social.
Há quem tente vender a ideia de que o combate aos direitos laborais e a promoção da precariedade seriam uma forma eficaz de garantir o emprego. A ideia resume-se assim: garantindo maior rotatividade laboral e dando maior segurança ao empregador de que, a qualquer momento, pode "reestruturar", de forma barata, o seu quadro de pessoal, haverá mais empregos. Escuso-me a dar muitos argumentos. A realidade fala por si. À desregulação laboral e ao consequente aumento do número de precários não correspondeu, nem aqui nem em lado nenhum, uma redução do desemprego. Pelo contrário: os países com mais desemprego são, em regra, aqueles que têm mais precários.
Como só um cego pode continuar a defender uma teoria que os factos teimam em não confirmar, está chegada a altura de perceber que o efeito do aumento da precariedade não é esse. A única coisa que se conseguiu foi tornar a situação dos trabalhadores de tal forma frágil que ao mínimo abalo económico ficam completamente desprotegidos. E a sua desproteção tem efeitos imediatos na economia. Por outro lado, a precariedade - a legal e a ilegal -, teve um efeito direto, pela perda de poder negocial dos trabalhadores, nos salários. Os nosso jovens, quase todos precários, trabalham muito, ganham quase nada e não esperam muito do futuro. Por fim, a precariedade, reduzindo as obrigações do empregador, descapitaliza a segurança social. [...]