Juntar numa mesma frase Santana e túnel só pode dar um resultado: polémica. Bastaram poucas horas sobre a formalização da candidatura do cabeça-de-lista do PSD à câmara de Lisboa para que a contestação tenha rebentado. "
O dr. Santana Lopes está a propor a criação de uma via rápida subterrânea a passar pelo centro da cidade. É uma espécie de Eixo Norte-Sul no coração de Lisboa. Qualquer engenheiro de transportes independente sabe que isto é um perfeito disparate. É tudo o que não se deve fazer." É assim que reage Fernando Nunes da Silva, professor de urbanismo e transportes no Instituto Superior Técnico.
Ainda o dossier do túnel do Marquês não está encerrado - há uma auditoria do Tribunal de Contas em curso e 23 milhões de euros por saldar de diferendo entre a Câmara e o construtor - e já Santana segue em frente e anuncia que, se for eleito para Lisboa, vai fazer uma ligação subterrânea entre o Saldanha, a Fontes Pereira de Melo, o Campo Grande e o Campo Pequeno.
Para Fernando Nunes da Silva, há um mérito: "Pelo menos tem uma vantagem. Está igual a si próprio. Primeiro anuncia, só depois estuda". O especialista considera que
o túnel do Marquês foi um disparate, o próximo é "a continuação do erro". "Em vez de desviar o trânsito para as vias circulares de Lisboa - o Eixo Norte-Sul e a Segunda Circular - atrai o tráfego para o centro", critica.
O técnico em transportes diz que o túnel do Marquês de Pombal trouxe uma grande melhoria, mas apenas para os habitantes de Cascais. Em Lisboa não resolveu nada, em particular os dois pontos críticos: a Fontes Pereira de Melo e a Braamcamp.
"Como a avenida da Liberdade é a única opção entre o rio e o outro lado da cidade", os automóveis chegam ao fim da artéria e permanecem "porque não há capacidade de escoamento. "Não é o fluxo de carros, é o constante pára e arranca a subir que torna a avenida da Liberdade a mais poluída do país".
Um segundo túnel no Saldanha está longe de ser a solução. "É um desperdício de dinheiro para resolver problema nenhum."Nos anos 80, o projecto da câmara de Lisboa para o Saldanha visava tornar "o local num espaço de fruição, com passeios largos e arborizados, locais de estar e apreciar uma das mais desafogadas vistas da cidade", lembra Manuel João Ramos, presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M). Vinte anos depois, é uma zona essencialmente rodoviária e, com as obras do metro, de difícil movimentação dos peões.
Um novo túnel significaria ainda mais trânsito. "Não vejo outro nome para isto a não ser irresponsabilidade", diz.
José Manuel Viegas, do Instituto Superior Técnico, lembra que este túnel já estava previsto no plano de 2005 sobre a mobilidade em Lisboa. "Considerámos que era uma opção que merecia ser estudada", refere, acrescentando que ainda hoje "vale a pena olhar para isto". Porém, para o especialista, caso Santana ganhe, a primeira fase do mandato deve ser aproveitada para estudar. E só depois decidir uma eventual construção.
"À partida, a vantagem seria tornar aquele eixo central mais fluido", defende. A avenida de Berna era, na altura, a artéria mais congestionada de Lisboa. Uma passagem subterrânea permitiria resolver cruzamentos complicados da av. da República, como o da João Crisóstomo. "Era bom ter sido feita ao mesmo tempo que as obras do metro; permitiria poupar muito dinheiro. Agora o buraco para o metro já está fechado". Sobre o excesso de automóveis que um novo túnel poderá trazer, responde que essa questão só se resolve com menos estacionamentos.
O cruzamento com o metropolitano pode ser um problema. As obras do túnel do Marquês estiveram paradas durante sete meses devido à providência cautelar interposta por Sá Fernandes - por ausência de um estudo de impacte ambiental e porque poderia prejudicar estruturas do metro e do Aqueduto das Águas Livres. Agora, o túnel do Saldanha que Santana projecta poderá ter "problemas grandes por causa das estruturas do metro. Ainda por cima, agora com a extensão da linha. Santana vai bater outra vez com a cabeça no metro", defende Manuel João Ramos.
"O tráfego na Fontes Pereira de Melo e na avenida da Liberdade nunca esteve tão mal. Se o túnel do Marquês tivesse vindo resolver o problema do trânsito não era preciso outro"
. Para o presidente da ACA-M, a construção de um túnel tem um "efeito bola-de-neve" porque há uma
"duplicação de via, logo uma duplicação de oferta. É o que se chama tráfego induzido - a oferta traz procura." E quanto mais procura, mais trânsito, mais túneis. Manuel João Ramos afirma que ao túnel do Saldanha seguir-se-ão outros e que a hipótese já é falada no Técnico: "Fala-se de outro túnel no Campo Grande, com a alameda das Linhas de Torres." O tal efeito bola- de-neve, segundo Manuel João Ramos, resultaria noutra passagem subterrânea no Campo Grande e com a saída da António Augusto Aguiar ainda outro que desembocaria no El Corte Inglés.
In I
(Os negritos são meus)