Um showman majestoso. Ícone da moda. Inovador artístico. Afável humanitário. Minhas reflexões sobre a morte de Michael Jackson, o gênio musical e pioneiro teatral. Sem dúvida, este será o texto mais pessoal e seu conteúdo pode surpreender aqueles que acham que esse blog considera Mozart como o meu único homem na música.
Michael, de fato, representa o meu advento musical. Ele foi uma parte significativa da minha vida artística desde cedo, incutindo na minha bússola infantil o casamento justo de música, drama e ideia. Ele redefiniu o gênero da música popular com a libertação do sentimento autobiográfico, e da arte inteligente e sofisticada, acrescentando novas dimensões de profundidade e criatividade. Seu vocabulário de dança era ilimitado. Ele revolucionou os clipes de música e fez deles uma forma de arte. Seus conceitos de coreografia e encenação dramática combinados com tecnologias de ponta mudaram a cultura dos shows e a arte da performance para sempre. Sua artística e elegante avidez nunca deve ser conhecida pelo talento e fervor de qualquer outro indivíduo.
Na verdade, existem duas silhuetas significativas na minha vida musical, e a palavra “silhueta” descreve cada figura perfeitamente. Michael e Mozart. Vidas em perfil. Divindade em movimento. Eles deram tudo de si para garantir que o mundo desfrutasse sempre de uma existência na música, a música deles. De um prodígio angelical para outro, meu amor pela música nasceu. De um dramaturgo para outro, o meu entendimento e paixão pelo drama musical evoluiu, e ainda está evoluindo. O carisma e a exuberância que irradiam da música desses dois homens me dão esperança, força e um objetivo. Seus personagens são ricos e cheios, suas semelhanças, impressionantes. (Referência ao meu texto Michael e Mozart: Um virtuosismo correspondente).
A musicologia se concentra muito na morte prematura de Mozart aos 35 anos e nas composições não escritas que estão para sempre perdidas. Com a ida precoce de Michael, enfrentamos essa perda agora, no nosso próprio tempo, não apenas nas páginas da História. Eu adoro esses dois espirais de engenho musical e essa recorrência história é muito difícil de suportar, mas como outros admiradores, devo comemorar e tocar esses legados pra frente com amor e honra.
Michael me faz lembrar de mim mesma de diversas maneiras; extrovertido artisticamente e introvertido socialmente, com uma certa timidez às vezes e, ainda assim, incorporando uma incrível sensação de independência e missão. Michael foi a minha primeira paixão e, consequentemente, o meu primeiro “namorado”. Eu ignorava o fato de que ele estava cortejando a imaginação de milhões de outras meninas no mundo inteiro! Minha irmã gêmea, Sheryl, e eu tínhamos álbuns, bonecos, camisas, jaquetas e até uma fotografia com a linda imagem de Michael vestindo seu colete amarelo e uma gravata borboleta. Me lembro de ter recebido esses presentes em muitos aniversários e Natais da década de 80, um período maravilhoso da minha vida. Nós conhecíamos os movimentos clássicos dele e tentávamos imitá-los em nossas apresentações improvisadas na sala de estar da casa. Eu era uma criança quando “Heal the World” foi lançada e me recordo de como me sentia especial, já que Michael amava as crianças e cantou com elas nesta canção.
Nós visitamos o Rock and Roll Hall of Fame e, inevitavelmente, babamos o traje que Michael usou no clipe de “Bad”, um dos nossos preferidos, dirigido por Martin Scorsese. Eu adoro a forma como ele vence um iminente confronto violento com o uso de um balé agressivo e arrogante e de letras inteligentes (“You’re throwing stones to hide your hands” – “Você está jogando pedras pra esconder suas mãos”) com sua roupa cheia de cintos e fivelas (Sheryl adora me provocar com isso!). Ele tinha apenas 30 anos de idade quando Bad o entregou às estrelas. Lançaram um comercial da Pepsi nesse período que foi especialmente mágico para os olhos da minha infância. Eu queria vê-lo em cada comercial dos programas de TV; estava certa de que havia um pedaço de divindade em sua imagem quando ele perguntava: “Olha pra mim?” com o sorriso mais lindo que já vi.
Compartilhar a música de Michael com a minha irmã ao longo desses anos tem sido um presente muito especial e extraordinário. Não me lembro exatamente de quando nos tornamos fãs, mas as nossas recordações remontam à cerca dos 4 ou 5 anos de idade. Nosso pai nasceu em Rensselaer, Indiana, então é claro que calculamos a distância para a casa que Michael morou quando era pequeno. Para ser exata? Apenas 52 milhas. E nossa mãe nasceu em Jacksonville, Ohio, por isso, nossa família brinca que estávamos destinadas a ser fãs de Michael Jackson!
A intensa afinidade de Michael com a música clássica me aproximou de sua arte. Eu podia sentir a influência em seu trabalho. Ele também tinha uma tangibilidade, uma palpabilidade. Quem conseguiria esquecer a incorporação de um trecho da 9ª Sinfonia de Beethoven no começo de “Will You Be There”? Não foi somente um gesto artístico refletindo seu amor pela música, mas também um gesto humanitário. O original em alemão [da 9ª Sinfornia de Beethoven. N.T.] “Ihr stuerzt nieder, Millionen? Ahnest Du den Schoepfer, Welt? Tal ihn ueberm Sternenzelt, Ueber Sternen muss er wohnen” é traduzido como “Vocês se curvam, milhões? Você sente a presença do Criador, mundo? Busque-O acima do firmamento estrelado, acima das estrelas Ele certamente habita”.
Em entrevistas, Michael constantemente mencionava seu amor pela música clássica, citando compositores como Mozart, Debussy e Tchaikovsky.
Na foto abaixo, com seu piano Bösendorfer, ele lembra cada pedacinho de um mestre isolado, uma característica típica da superdotação musical. Ele era muito parecido com Mozart no que diz respeito aos dois níveis de sua arte: o reconhecimento popular e uma pequena capacidade perspicaz conhecida.
Em junho, quando Michael faleceu, foi revelado que ele estava trabalhando num álbum de música clássica. Isso surpreendeu a maioria das pessoas, mas fez sentido. Este era o Michael. Ele dividiu o palco com Luciano Pavarotti e Os Três Tenores num show beneficente em Modena, em 1999. Eu não tive a oportunidade de conhecer Michael Jackson pessoalmente, mas vi Os Três Tenores se apresentando e também conheci Plácido Domingo durante o meu estudo com o Washington Nacional Opera, em 2008; então, esta é a minha ligação da ópera ao Michael, por assim dizer!
No que diz respeito à ópera, a original fama e voz de Michael foi comparada aos famosos castrati (sopranos masculinos) de uma época passada. O Maestro Riccardo Muti falou sobre essa ligação recentemente. “Ele é sem dúvida um dos maiores cantores lendários, controversos (e amados) de todos os tempos… Sua controversa história, suas fraquezas, a inquietação extrema e seus exaustivos últimos dias de vida me lembram a vida de grandes castrati, como Caffarelli ou Farinelli, que se tornaram objetos de adoração e idolatria. E muitas vezes, se tornavam vítimas dessa adoração”.
Com essa relação em mente, eu estava me mordendo para ouvir Michael interpretar sua própria versão da ária “Lascia ch’io pianga”, da ópera de Händel, Rinaldo. Imaginem! A consciência melódica crescente e a intenção dramática dessa ária se adaptam incrivelmente bem à caluniada vida de Michael, concentrando-se na libertação do indivíduo. “Deixe-me chorar meu destino cruel e suspirar pela minha liberdade perdida. Que a dor quebre as correntes do meu tormento com misericórdia!”.
Andrew Lloyd Webber recentemente revelou que Michael havia se aproximado dele na década de 80, após a estreia de O Fantasma da Ópera, para questionar sobre a possibilidade de assumir o papel-título numa possível versão cinematográfica. Isso não é surpreendente, dado o seu amor pelo teatro musical, o gênero usado para mostrar seu talento pela primeira vez aos 5 anos de idade, na interpretação de “Climb Every Mountain”, do filme A Noviça Rebelde, num show de talentos da escola. No seu artigo no Telegraph de Londres, em 27 de junho, Webber traz à tona o gênio de Michael de uma perspectiva teatral, o que eu acho incrivelmente fascinante, pois revela o núcleo de seu ser artístico. “A história [do musical] o tocou. Eu acho que ele tinha uma conexão com o músico solitário, torturado. Ele achou muito intrigante a ideia de alguém que trabalha através da música e que tem uma moça como musa – e amou a ilusão criada no show. Claro, ele era um grande showman, mas achava toda a encenação dos musicais extraordinárias”.
A falta de uma boa época fez com que eu e minha irmã não conseguíssemos ir a um show dele. A turnê de Bad (1987 – 1989) foi a última que Michael fez nos Estados Unidos, e nós ainda éramos pequenas demais para que os nossos pais nos deixassem ir assistir à shows tumultuados na Europa na década de 90! E a gente sentiu falta dele em Nova York, em 2001. Nos dias 7 e 10 de setembro, Michael fez dois shows no Madison Square Garden para comemorar seu 30° aniversário de carreira solo. Ficamos tão agradecidas por terem sido televisionados pela CBS! Apenas algumas semanas depois dos shows, exatamente no dia 29 de setembro, nós estávamos na cidade com a banda do colégio para nos apresentarmos num jogo dos Giants de Nova York [time de futebol americano. N.T.]. Em 7 de novembro, Michael fez uma aparição na Virgin Megastore, na Times Square, para promover aquele que seria eu último álbum, “Invincible”.
No entanto, ao longo do ano passado, Sheryl e eu ficamos bastante esperançosas com os boatos de que o Jackson 5 se reuniria novamente. E em março, quando Michael deu uma coletiva de imprensa em Londres, para anunciar a turnê This Is It, nós alcançamos a lua! Essa era a nossa chance de finalmente ver o artista que admirávamos desde pequenininhas, mas o destino não quis que fosse assim. A tragédia aconteceu em junho. Uma parte da minha infância, minha própria história musical, morreu com ele. Negação, raiva, incontáveis lágrimas… Eu tinha voltado de Praga apenas uma semana antes e tinha me lembrado do Michael na capital da Boêmia ao ver os cartazes da turnê da Madonna em todos os lugares.
A realidade dessa perda foi penosamente sombria, especialmente quando assisti – várias e várias vezes – às assombrosas gravações dos ensaios que foram lançadas, e que exibiam a voz sempre poderosa e o incomparável comando de dança do Michael. A potência vocal de um cantor é aproximadamente entre os 35 e os 50 anos de idade; assim, Michael ainda tinha seu som lendário. Talvez o aspecto mais arrepiante revelado nesse filme foi o conteúdo lírico da canção em si, “They Don’t Care About Us”. Sheryl e eu entramos para o sorteio dos ingressos para o memorial no Staples Center, em Los Angeles, mas nossos nomes não foram escolhidos; por isso, assistimos à cobertura pela televisão o dia todo, usamos camisetas comemorativas e até fizemos um bolo para a ocasião.
Apesar de não termos participado desse significativo evento, Sheryl e eu ficamos contentes por termos conseguido ingressos para o tributo em Viena do dia 26 de setembro! A capital austríaca foi escolhida, pois Michael adorava essa cidade por causa de sua história musical e do imperialismo dos Habsburgos. Mozart passou seus melhores anos lá. O tributo será realizado na residência de verão dos Habsburgos, o Palácio de Schönbrunn, onde Mozart se apresentou maravilhosamente para a jovem Maria Antonieta. Eu fui ao palácio duas vezes durante passeios e concertos de música clássica, e à Viena geralmente para pesquisar sobre a história de Mozart, mas nunca imaginei estar visitando a cidade para celebrar o artista que eu conhecia desde minha infância, o artista que abriu o meu coração e minha mente para a música. Estima-se que a transmissão do tributo atingirá um publico de mais 1 bilhão de fãs.
Tenho aprendido muito sobre o talento artístico de Michael. Por onde eu começo? Levaria tempo demais escrever sobre este tema, por isso, vou tentar resumi-lo! Sua benevolência musical inspirou enormemente o meu amor de compartilhar música com outras pessoas e gastar meu tempo e meus recursos para atividades filantrópicas, especialmente aquelas relacionadas à música. Michael usou seus dons musicais pelos seus semelhantes, ajudando instituições de caridade com milhões de dólares, ele superou qualquer outra celebridade da história.
Incorporar a voz pungente de Michael numa idade tão precoce fez com que eu desenvolvesse certa preferência a vozes agudas masculinas de vários gêneros. Por exemplo, minha afeição pelas árias de tenor de Mozart é muito maior do que por aquelas pertencentes às personagens femininas de suas óperas. Eu amo o material escrito originalmente para os castrati (sopranos masculinos), agora cantado por contratenores e meio-sopranos. Associo o maior registro e virtuosismo físico de Michael ao melisma [técnica de transformar a nota (sensação de frequência de uma sílaba de um texto enquanto ela está sendo cantada. N.T.] e ao atletismo da voz barroca. Os conjuntos extravagantes de Michael, os trajes clássicos corroboram o ideal da ópera. Uma ária que reflete esse sentimento é “Doppo Notte”, da ópera de Händel, Ariodante. Outro exemplo desse tipo de associação é o moteto [gênero musical surgido no século XII, onde, inicialmente, usavam-se textos distintos para cada voz. N.T.] de Mozart, “Exsultate Jubilate”, que foi originalmente escrito para Venanzio Rauzzini, um soprano do sexo masculino que havia apresentado sua ópera “Lucio Silla” em 1772.
Em termos de música popular do século XX, sou levada pelas expressivas vozes de tenores do Doo-wop [estilo de música vocal baseado no R&B. N.T.], do Rock e do Soul dos anos 50 e 60. Quando adolescente, eu era a orgulhosa proprietária da coleção Time Life, de Dixk Clark e, junto com minha irmã e alguns amigos, simulava apresentar o American Bandstand para o pessoal do clube de teatro da nossa escola. “Why Do Fools Fall in Love”, de Frankie Lymon, é certamente uma das minhas músicas preferidas! E, desse período, uma que nunca deve ser esquecida é “Who’s Lovin’ You”, do Michael, de 1969. Cada canção dos primeiros anos da carreira dele é marcante, mas sinto que essa música, em sua singularidade, mostra a genialidade de Michael de uma maneira mais radiante. Como Berry Gordy disse: “Ele a cantava com a tristeza e paixão de um homem que tinha vivido a dor e o desgosto de toda a sua vida”.
A voz de Darren Hayes, o vocalista do Savage Garden, me chamou a atenção na década de 90 com a canção I Knew I Loved You. Darren foi muito inspirado e influenciado pela arte do Michael. Em sua homenagem, Darren Hayes escreveu: “Quando eu tinha 13 anos, eu o vi ao vivo num show, e, na segunda vez que ele apareceu no palco, descobri o que ia fazer pelo resto da minha vida. Era setembro de 1987 e eu, até hoje, nunca vi nada mais extraordinário. Até agora, nunca mais vi uma reação de um público como a que ele recebia. Nunca vi tanta magia e brilho voar pelo ar e nunca mais testemunhei aquela eletricidade que aparecia no coração do jeito que senti naquela noite. E agora, estou certo de que o mundo nunca mais verá isso de novo. Obrigado, Michael Jackson. Em nome dos sonhadores de todo o mundo. O mundo é um lugar chato sem você. Me sinto tão privilegiado por ter vivido no seu tempo, por ter testemunhado pelo menos um momento da sua glória”.
A imagem do início desse post é do ensaio de Michael para a revista Ebony, de 2007, em comemoração ao 25º aniversário de seu álbum imortal, Thriller . Essa é uma das minhas imagens favoritas do Michael, e não simplesmente porque ele está impressionante e super elegante com esse chapéu legal, mas porque acredito que a foto o retrata da forma como ele queria ser entendido e aceito: como um artista sério com o sentimento clássico, apesar da sua assinatura única e de sua atitude com o estilo moderno e requintado. Certamente, é assim que vou me lembrar dele. Comecei a escrever esse texto no dia 6 de julho, mas não tive tempo nem energia para terminá-lo até agora. E não posso pensar numa maneira melhor de terminar esse artigo, de capturar o meu sentimento, do que divulgar um poema que escrevi em homenagem ao legado de Michael, trazendo à luz as minhas melhores lembranças. O título é: “Michael Jackson: Memória”. Essa foto-tributo acompanha minha poética melancolia enquanto reflito meu amor pela era Bad, o período em que eu realmente comecei a entender o homem e a música.
Michael Jackson: Memory
Silhueta em adorável estilo.
Amor.
Humildade.
Flash de contorno, flash de luz.
Ganhos de mil palavras.
Lentamente vêm distante, brilhando.
Prodígio angelical. Artesão cavalheiro.
Coberto em deslumbrante, amplificada bênção.
Negros olhos de benevolência e esplendor misterioso.
Consumação do amor expresso.
Precisão.
Paixão*.
Um abraço generoso.
Sentimento lírico, oh, lira suave.
Incansável gênio.
Existência verdadeira.
Imaginação virtuosa, fantasia e fogo.
Inovação dramática, conotação humanista.
Linha inquebrável.
Esplanada de reconhecimento, através de barreiras ressuscitadas.
Protagonista de música e ideias.
Divino.
Vibrato etéreo.
Força abrangente.
Memória e brincadeira infantil.
Inocência afetuosa, sorrisos e gargalhadas com alma permanete.
Deus seja louvado, fomos abençoados.
* Na poesia original, a autora usou a palavra grega Pathos, que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento.
http://falandodemichaeljackson.wordpress.com/2012/06/12/o-icone-m-minha-historia/
Fonte:
http://www.moderndaymozartian.com/2009/08/m-icon-my-story.html