"."Antigamente, a felicidade era uma missão a ser
cumprida, a conquista de algo maior que nos coroasse de louros; a felicidade
demandava "sacrifício". Olhando os retratos antigos, vemos que a
felicidade masculina estava ligada à ideia de "dignidade", vitória de
um projeto de poder. Vemos os barbudos do século 19 de nariz empinado, perfis
de medalha, tirânicos sobre a mulher e os filhos, ocupados em realizar a
"felicidade" da família. Mas, quando eu era criança, via em meus
parentes, em minha casa, que a tal felicidade era cortada por uma certa
tristeza, quase desejada. Já tinha começado o desgaste das famílias nucleares
pelo ritmo da modernidade.
Hoje, a felicidade é uma obrigação de mercado. Ser deprimido
não é mais "comercial". A infelicidade de hoje é dissimulada pela
alegria obrigatória. É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é
impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja. Esta "felicidade"
infantil da mídia se dá num mundo cheio de tragédias sem solução, como uma
"disneylândia" cercada de homens-bomba.
A felicidade hoje é "não" ver. Felicidade é uma
lista de negações. Não ter câncer, não ler jornal, não sofrer pelas desgraças,
não olhar os meninos malabaristas no sinal, não ter coração. O mundo está tão
sujo e terrível que a proposta que se esconde sob a ideia de felicidade é ser
um clone de si mesmo, um androide sem sentimentos.
O mercado demanda uma felicidade dinâmica e incessante, cada
vez mais confundida com consumo, como uma "fast-food" da alma. O
mundo veloz da internet, do celular, do mercado financeiro nos obriga a uma
gincana contra a morte ou velhice, melhor dizendo, contra a obsolescência do
produto ou a corrosão dos materiais.A ideia de felicidade é ser desejado.
Felicidade é ser consumido, é entrar num circuito comercial de sorrisos e
festas e virar um objeto de consumo. Não consigo me enquadrar nos rituais de
prazer que vejo nas revistas. Posso ter uma crise de depressão em meio a uma
orgia, não tenho o dom da gargalhada infinita, posso broxar no auge de uma
bacanal. Fui educado por jesuítas, para quem o sorriso era quase um pecado, a
gargalhada um insulto.
Bem - dirão vocês -, resta-nos o amor... Mas, onde anda hoje
em dia, esta pulsão chamada "amor"?
O amor não tem mais porto, não tem onde ancorar, não tem
mais a família nuclear para se abrigar. O amor ficou pelas ruas, em busca de
objeto, esfarrapado, sem rumo. Não temos mais músicas românticas, nem o lento
perder-se dentro de "olhos de ressaca", nem o formicida com guaraná.
Mas, mesmo assim, continuamos ansiando por uma felicidade impalpável.
Uma das marcas do século 21 é o fim da crença na plenitude,
seja no sexo, no amor e na política.
Se isso é um bem ou um mal, não sei. Mas é inevitável. Temos
de parar de sofrer romanticamente porque definhou o antigo amor... No entanto,
continuamos - amantes ou filósofos - a sonhar como uma volta ao passado que
julgávamos que seria harmônico. Temos a nostalgia lírica por alguma coisa que
pode voltar atrás. Não volta. Nada volta atrás.
Sem a promessa de eternidade, tudo vira uma aventura. Em vez
da felicidade, temos o gozo rápido do sexo ou o longo sofrimento gozoso do
amor; só restaram as fortes emoções, a deliciosa dor, as lágrimas, motéis,
perdas, retornos, desertos, luzes brilhantes ou mortiças, a chuva, o sol, o
nada. O amor hoje é o cultivo da "intensidade" contra a
"eternidade". O amor, para ser eterno hoje em dia, paga o preço de
ficar irrealizado. A droga não pode parar de fazer efeito e, para isso, a
"prise" não pode passar. Aí, a dor vem como prazer, a saudade como
excitação, a parte como o todo, o instante como eterno. E, atenção, não falo de
"masoquismo"; falo do espírito do tempo.
Há que perder esperanças antigas e talvez celebrar um sonho
mais efêmero. É o fim do "happy end", pois na verdade tudo acaba mal
na vida. Estamos diante do fim da insuportável felicidade obrigatória. Em tudo.
Não adianta lamentar a impossibilidade do amor. Cada vez
mais o parcial, o fortuito é gozoso. Só o parcial nos excita. Temos de parar de
sofrer por uma plenitude que nunca alcançamos.
Hoje, há que assumir a incompletude como única possibilidade
humana. E achar isso bom. E gozar com isso.
Não há mais "todo"; só partes. O verdadeiro amor
total está ficando impossível, como as narrativas romanescas. Não se chega a
lugar nenhum porque não há onde chegar. A felicidade não é sair do mundo, como
privilegiados seres, como estrelas de cinema, mas é entrar em contato com a
trágica substância de tudo, com o não sentido, das galáxias até o orgasmo.
Usamos uma máscara sorridente, um disfarce para nos proteger desse abismo. Mas
esse abismo é também nossa salvação. A aceitação do incompleto é um chamado à
vida.
Temos de ser felizes sem esperança.
Arnaldo Jabor
Edna
Campos.
Lindo texto! temos que ter a capacidade de não nos deixar levar pelos tipos de felicidade mostrados na mídia... Ter o nosso, com simplicidade, sabendo tudo curtir, por menos que seja! beijos,chica
ResponderExcluirQuerida parabéns pela escolha deste texto.Eu sempre digo " Que máscaras são estas que vestimos agora toda hora".Mesmo assim não devemos e não podemos desistir da esperança.
ResponderExcluirDias ensolarados e felizes.BjsEloah
Ser feliz pressupõe viver a vida em plenitude,cuidando de si e daqueles que o amam.Em paz consigo e com o universo que o circunda.Não somos perfeitos,mas podemos escolher mudar e mudar para melhor para aquilo que nos faz bem e pode fazer bem também a quem queremos bem.
ResponderExcluirGrande abraço,
Querida amiga
ResponderExcluirHá que ponto chegamos.
Buscamos alegrias
nas coisas sem sentido,
e muitas vezes perdemos
o seu real sentido...
Vamos semear esperanças
com os nossos sonhos.
Amiga Fraterna Queridíssima Nossa:
ResponderExcluirBom receber comentário tuo,recheado de energia e paz!
Bela transcriçaõ de Jabor
Edna,bem reflexivo esse texto!E Jabor sempre coloca o dedo na ferida!Na verdade,o que existe são momentos de felicidade e tem razão quando ele diz que há uma obrigação de mercado em ser feliz...basta abrir o Facebook!...rss...bjs e meu carinho,
ResponderExcluirO mercado criou rótulos que precisamos deixar de lado....felicidade vem de dentro!
ResponderExcluirBeijo Lisette.