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19 fevereiro 2012

Poesia

Arte Poética



“A Poesia não me pede propriamente uma especialização, pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que  a poesia me pede. Nem me pede uma ciência  nem uma estética, nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui como uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena,  pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.



Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de ma vida real, mas sim duma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncios, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume de tília e do orégão.

É esta relação com o universo que define o poema com o poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato.

É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética. Todo poeta, todo artista é artesão de uma linguagem. Mas o artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma matéria, como nas artes artesanais.

O artesanato das artes poética  nasce da própria poesia, à qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz: “obscuro”,  “amplo”, “ barco”, “pedra”, é porque estas palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o “obstinado rigor” do poema.

O verso é denso, tenso como um arco, exatamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos, exactamente vividos.

O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos entre si. E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.”



Sophia de Mello Brekner Andresen. (in: Geografia. Lisboa, Salamandra, 1990)
tela: Juracy Giovagnoli dos Santos
acrílico s/tela, 120cmx140cm

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