Há poucos dias escrevi sobre como as pessoas, por falta de preparo e preconceito, não lidam de maneira adequada com os deficientes, ou seja, da mesma forma que lidamos com os outros, de modo natural, simples. Evitam uma abordagem direta, muitas vezes por medo, ou adotam uma postura paternalista, infantilizando a linguagem. Ao assim procederem, em geral erram, e feio.
Na ocasião, citei alguns fatos ocorridos comigo. Dentre tantos outros que poderia registrar, concentrei-me em casos envolvendo profissionais da área de saúde, pois é nesse setor onde esperamos encontrar pessoas habituadas e mais bem preparadas para tratar com os portadores das mais diversas deficiências.
Hoje, ainda sobre a forma de lidar com o deficiente, quero contar sobre um depoimento que assisti da Dorina Nowill, num programa espetacular sobre deficiência visual, apresentado, se não me engano, na TV Cultura.
Antes de prosseguir, desculpo-me pela falta de melhores referências e por eventuais erros, pois comecei a ver o programa após o seu início, há tempos, e escrevo de memória. De todo modo, se há erros em detalhes do caso, não há na essência.
A Dorina contou que viajava de avião para receber uma homenagem, acho que na Suécia, e precisou sentar-se numa poltrona distante de sua filha. Lá pelas tantas, iniciaram o serviço de bordo e a aeromoça, ao lado de Dorina para poder servi-la, gritava para a filha, perguntando se deveria oferecer coca-cola ou guaraná. A Dorina interveio, recusou a oferta e pediu um uísque, porque alguns deficientes visuais, pasmem os desavisados, também tomam bebidas alcoólicas.
Depois, quando passou a tratar diretamente com Dorina, a aeromoça falava com voz alta e pausada – A - SE – NHO – RA - DE – SE – JA - MA-IS - AL-GU-MA - COI-SA? - como se Dorina fosse surda, ao invés de cega, ou como se, por causa da cegueira, tivesse alguma dificuldade de compreensão.
A história é esta. Mais um flagrante exemplo de preconceito e falta de preparo no lidar com portadores de deficiência, que ocorre no dia-a-dia, até mesmo em relação à Dorina Nowill, pessoa cujas realizações dão prova de suas muitas e extraordinárias capacidades.
O programa, é lógico, tem muito mais. Mostra as tapeçarias feitas por Dorina, fala sobre seu trabalho para os cegos, o relacionamento com os filhos, etc. Outros cegos, inclusive um advogado, dão depoimentos interessantes. Enfim, se tiver oportunidade, vale muito à pena.