Escrevi o texto sobre Oeiras há 10 anos, mas não resisto à tentação de o transcrever para aqui......
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Oeiras, 3 de Setembro de 1996
Hoje de manhã quando vinha a caminho do trabalho, cruzei-me na rua com o Ti’ Luís a quem dedico um capítulo das minhas estórias.
Foi ele quem me fez lembrar que era engraçado recordar as pequenas coisas da minha infância, de quando, em 1961, ainda não tinha três anos, para cá vim viver.
Nessa altura, lembro-me de ter dificuldade em dizer o nome da “terra” para onde eu vinha (de Lisboa). Era província, Oeiras, e díficil de pronunciar. Eu dizia sempre “orelhas”.
1. A CARROÇA DA PRAIA
Estava parada à saída da estação de Oeiras e levava as pessoas à praia da Torre.
Tinha umas cores bonitas e lembro-me muito bem de ter uma manivela à direita do condutor, mas não sei para o que servia.
Por especial favor, e como nós morávamos mesmo à frente do quartel e eramos muitos miúdos, o condutor lá parava a carroça à nossa porta para nos levar para a praia.
Era sempre uma grande confusão, 4 miúdos, mais as tralhas todas, brinquedos, comida, toalhas, mas era muito divertido.
Com o aparecimento dos automóveis e as “carreiras” para outros lados, a carroça da praia desapareceu.
2. O QUARTEL
Sou da altura em que começou a guerra em África e nunca mais me esqueci dos soldados todos que saíam do quartel para manobras nos campos ao pé da minha casa.
Faziam fileiras e marchavam, marchavam, marchavam.
A minha irmã e eu, com 5 e 3 anos, sentávamo-nos no muro do quintal de nossa casa e saboreávamos aqueles soldadinhos todos a marchar, com armas e tudo!
Perguntei à minha mãe a razão daquilo tudo e de ela disse-me que havia uma guerra em África, que os portugueses tinham que ir para lá, mas foi coisa que eu nunca percebi - porque tinham que ir os portugueses para lá? Só percebi muito mais tarde.
Era muito triste, quando eles partiam - vinham as famílias todas da província, e choravam muito nas despedidas.
Ainda bem que acabou.
3. A ESTAÇÃO DO COMBOIO
A estação era o centro do movimento e mais importante que tudo, o caminho para Lisboa.
Os meus avós vinham-nos visitar sempre de comboio e era uma festa ir à estação vê-los passar (aos comboios, é claro). Hoje, quem me dera não ter que ir à estação.
Nessa altura não havia passagem subterrânea e muita gente morreu apanhada pelos “rápidos”, quando ia apanhar um ou outro combio para Lisboa. Por isso se fez rapidamente a passagem subterrânea, que depois da do Estoril é a mais antiga da linha.
Lembro-me de se falar que iam instalar um café lá em baixo e um sapateiro, o sapateiro nunca apareceu mas o café ainda lá está, e, pelos vistos para durar.
Ainda hoje a estação é um centro de grande movimento diário em Oeiras.
4. O TI’ LUÍS
Acho que qualquer pessoa que viva em Oeiras há mais de 20 ou 30 anos se lembra dele.
Sempre o conheci velho, por isso não faço ideia que idade terá hoje.
Passava, na sua carroça e com o seu burro, e era o leiteiro dali.
O leite, às vezes não prestava, não sei porquê, e a minha mãe perguntava sempre ao Ti’Luís se ele “mijava” lá dentro, e ele ficava sempre muito ofendido com ela.
E eu imaginava o Ti’Luís com uma “pilinha” pequenina como a dos meus irmãos a fazer chichi para dentro do leite e achava muita piada.
Não sei até quando é que o Ti’Luís distribuiu o leite, mas ainda há bem pouco tempo o fazia, depois o burro morreu e o Ti’Luís deixou de levar o leite às gentes de Oeiras.
Mas nós não o esquecemos.
5. A IGREJA
Local de culto, centro dominical de “corte e costura”, os meus pais obrigavam-me, a mim e aos meus irmãos a ir todos os domingos à Igreja.
O que era uma estopada, primeiro porque era longe como burro e depois porque não percebiamos nada do que o Sr. Prior dizia. Ainda para mais eu ficava sempre mal disposta de estar muito tempo de joelhos (e o meu pai não acreditava em mim).
Então resolvemos fazer assim:
A missa era ao meio-dia, saíamos de casa pelas onze e meia e íamos pelo parque, em passeio, brincávamos aí até às 12,20 mais ou menos, chegávamos à Igreja um bocadinho antes da comunhão, e “pirávamo-nos” logo a seguir a esta porque a missa acabava logo a seguir e não valia a pena ficar até ao fim, porque depois era uma grande confusão à saída.
Quando chegávamos a casa, pela uma hora, o meu pai perguntava sempre sobre o que é que se tinha falado na missa, para confirmar a nossa presença lá e nós como lá tínhamos estado um “bocadinho” contávamos-lhe e ele ficava todo satisfeito.
Durante alguns anos a coisa resultou e não sei ainda hoje se ele sabe o que nós fazíamos nessa altura.
De qualquer modo, agora fica a saber.
6. A TORRE
A MINHA praia.
Sempre o foi e sempre o será.
Naquela altura como ficava muito longe de qualquer estação de comboio só os moradores de Oeiras para lá iam, ou aqueles que podiam pagar a carroça, ou mais, aqueles que já tinham carro nessa altura, que eram muito poucos mas que normalmente preferiam ir para o Tamariz ou para a Costa que era mais fino.
O Sr. António era o banheiro e ainda hoje por lá anda.
Foi na Torre que aprendi a nadar e foi na Torre que conheci o meu marido.
Como fica protegida pelo Forte de S. Julião da Barra, torna-se uma praia muito agradável sem a nortada que Oeiras tão bem conhece no Verão.
Hoje, com as camionetas a chegar ao Alto da Barra, já se torna mais fácil lá ir, mesmo sem carro. Por isso a Torre perdeu parte do seu encanto selvagem.
7. A ESCOLA
A minha escola não foi a oficial nº 1 (a mais conhecida pela dos correios), e única na altura em Oeiras, onde parece que batiam mais nos miúdos do que ensinavam, mas sim a Princesa Isabel, que devido à sua localização (ao pé da estação) ainda hoje lá está.
Estou convencida que mais de 50% dos miúdos de Oeiras andaram nessa escola, principalmente por a outra estar muito decentralizada e não haver camionetas para lá. Ou se tinha de ir a pé (e era muito longe para as crianças de certas zonas) ou de comboio e ficava muito caro.
Os meus irmãos e eu andámos sempre lá, tinha a Miss Otero e o Sr. Dr. (nunca soube o nome dele), que eram os directores e as Misses que eram as professoras - nunca percebi porque é que as chamavam assim, qualquer “finesse”?!
8. A FUNDIÇÃO
Qunado tocava o apito, o pessoal vinha todo almoçar para a rua, traziam as marmitas, os fogareiros, o pão, o vinho e sentavam-se na berma da estrada do meio-dia à uma para almoçar.
Cantinas, refeitórios não havia nessa data, foi coisa que veio muito mais tarde.
A minha irmã comia mal em casa, mas áquela hora aparecia sempre com uma fatia enorme de “casqueiro” com uma sardinha em cima, que ela nunca comia mas que adorava pedir aos “homens da fundição”.
A Fundição acabou um dia, deixou muita gente no desemprego, mas a guerra também acabou e era o sustento de muita gente. Restam as instalações agora divididas e subdivididas em muitas empresas.
9. O CEMITÉRIO
Sobre ele não há muito a dizer.
Só uma pequena lembrança de quando era miúda a minha mãe me dizer que tinha um amigo que dizia que quando morresse era para lá que queria ir “porque era o cemitério que tinha a mais bonita vista”.
Hoje já não tem.
10. OEIRAS HOJE
Oeiras de hoje não tem a fundição, os soldados já não vão para a “nossa” guerra, não tem carroças nem leite ao domicílio, mas continua a minha Oeiras e a de muita gente.
Gostava que os meus filhos, que cá nasceram e vivem gostassem sempre dela e a estimassem como eu a estimo.
1 comentário:
Olá Elizabeth!
Não sei se te lembras de mim, mas talvez... :)
Sou o Zétó Baptista do Bairro Novo (1971 ±), irmão do Júlio e da Hortense, e frequentávamos a Torre.
Dava-me com o Mané, o Bill, o Sousa e irmãs, os gémeos, a filharada do ti António (banheiro) e por aí fora. A malta da praia.
Administro um blog da Espaço e Memória - Associação Cultural de Oeiras que está aqui: http://espacoememoria.blogspot.com/
Gostei muito de ler o teu texto. Fez-me recordar e reviver muita coisa que já não lembrava (vim para Oeiras em 1970±).
Vou pôr uma referência para este texto lá no blog para as pessoas o virem ler. Julgo que não te importes.
p.s.: Cheguei aqui a partir do grupo Bairro da Medrosa (Facebook).
bjs,
Zétó
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