Após, aproximadamente, sete anos de existência, eis que os
Mob Of God decidiam lançar o seu primeiro registo, Zero Uno. O primeiro
registo da banda parte, quase todo ele, da génese lírica de, Maria João Oliveira (membro mais
recente do quinteto lisboeta, chegando ao, então, quarteto em 2008). Contendo
sete faixas, todas elas originais dos Mob Of God, o EP, que data de
Novembro de 2010, traz-nos, a cada nota tocada, a cada palavra cuspida, a
história de cada um dos elementos da banda.
Zero Uno é condimentado em duas línguas: língua portuguesa e língua
inglesa. Pautado por um lirismo que vai alternando entre a língua camoniana e a
língua de Shakespear, o registo, é
envolto por uma sonoridade única. Trespassando ao ouvinte a ideia de que a
música não deve ser limitada por quaisquer fronteiras, este EP conseguiu fazer
vincar o seu som como uma fonte de mensagens, sentimento, variedade, reflexão
e, acima de tudo, de talento.
Deambulando-se por inúmeras influências de géneros musicais,
torna-se quase impossível definir o estilo musical com que este registo é
arquitectado. Influências que desmoronam todas as fronteiras musicais,
demonstram o quão eclética consegue ser a banda e quão refinado é o seu
conhecimento musical. É, em meu ver, este aspecto que cimenta os Mob
Of God como uma banda digna de realce. Pintando-se paisagens musicais
que elevam o ouvinte a sentir-se longe de tudo o que tenham ouvido até àquele
momento, criam-se fusões entre fado e metal,
entre 60’s e 70’s e, sobretudo, cria-se uma atmosfera que nos invade com o pesar
dos 90’s (isto sem esquecer passagens pelo jazz,
pela soul, pelo grunge, pelo alternative e muito mais).
Maria João Oliveira, sempre com uma voz muito elegante e
sensual, canta com acérrimo cada vocativo, ao som, quase sempre, de uma bateria
que se destaca na génese instrumental. Com uma linha de baixo sempre a
agradável, a voz de Maria é
enfatizada na faixa inicial do registo, a calmíssima e bela Lust Condemns. Contando com pequenos
tesouros sónicos como Lion Of Judah,
que é, a par de El Sueño, uma das
faixas mais antigas da banda, tendo sido a sua composição ainda nos tempos
pré-Maria (isto embora posteriormente Maria tenha alterado alguns versos das
composições líricas), Zero Uno toma rumos mais obscuros e
mórbidos com a «pesada» El Sueño, uma música onde são evidenciadas, claramente,
as influências mais pesadas da banda, as influências metal.
Do ponto de vista lírico, o clímax do álbum é, na língua de
Shakespeare, He spoke from a tree.
Uma música que é condimentada com um lirismo absolutamente soberbo, com versos
como «And he spoke from a tree ; “shiver for me, shiver for me” ; The crowd
spoke from above ; “Shiver for what? Shiver for what?” ; Our guidance is
driving all us insane ; “We all got your back, we just can’t your name» a
servir de mote.
Contendo cinco faixas em inglês, o registo é (ainda mais)
embelezado por duas músicas na língua de Camões.
São, elas, Ao passar e Fuga em nós. Com um registo musical
intimamente aproximado ao fado, ambas retratam o lado mais calmo e
introspectivo dos Mob Of God. Talvez tenha sido por isso que tenham enveredado
por cantar na língua de Camões, pelo sentimento que banha as músicas. A música
não é uma coisa estática, varia consoante o estado de espírito dos artistas.
Acerbados por uma certa nostalgia, evidente nas composições líricas, decidiram
saudar, por isso, o blues português.
Composições líricas bastante elaboradas acabam por funcionar muito bem com uma
sonoridade, uma vez mais, bastante própria. Apesar de todo o sentimento e
características do fado estarem lá, o quinteto decidiu conferir uma paisagem em
parte inóspita às suas músicas, exemplo maior disso será a elegante Ao Passar.
Contudo, o registo acaba por não ser perfeito. Fuga em nós é, na minha modesta opinião,
uma música pouco conseguida quando avaliada em conjunto com este Zero
Uno. Aparecendo-nos com uma alguma inconsistência vocal e algumas
desafinações na vertente instrumental, Fuga
Em Nós acaba por esborratar parte deste precioso quadro que o quinteto
lisboeta pintou.
Nascendo num rio imerso de ruídos sentimentalistas, sob uma
paisagem suave e calma, Zero Uno acaba por desaguar num
oceano sonoro fustigado por ventos tempestuosos que desmedem a cada palavra que
é cuspida. A verdade é que o grupo lisboeta pretendia causar sensação e
demonstrar pitada do seu brio já com o lançamento deste seu primeiro EP, mas
acabou, em meu ver, por conseguir alcançar mais do que isso. Zero
Uno acaba por ser uma pérola (das grandes) no panorama musical
português, e quem o ouve sente inteiramente isso.
Pontos altos do
registo: He Spoke From a Tree, Lion Of Judah e
Ao Passar
Pontos menos bons do
registo: Fuga Em Nós
Emanuel Graça