Novo pastel, que é o retrato de um velho amigo, antes, muito antes de ser um dos elementos da parte da família que é constituída pelos animais de companhia. A galeria ainda tem espaço para mais um e se for alargada ao galinheiro, pelo menos ainda dará lugar aos membros mais destacados, o galo Cristóvão e a galinha Sesaltina, fundadores da colónia.
Tintin
Pastel seco sobre papel negro
50x65cm - 2009
O cão Tintin é o companheiro e amigo cuja estória não cabe no espaço de um post. A sua história envolve-se na minha história dos últimos 14 anos. Olhando para trás, parece uma vida inteira, de várias décadas, comprimida num espaço mais curto.
O Tintin é um pequeno rafeiro que, segundo opinião veterinária, será o produto de cruzamento entre um “teckel”, vulgarmente conhecido por “salsicha” ou “baixote” e um podengo ou animal morfologicamente próximo. É a estória clássica do animal que foi recolhido da rua, após um período de abandono e infortúnio, em que o seu estado, no momento em que o encontrei, deixava adivinhar ter comido “o pão que o diabo amassou”, extraído de contentores de lixo e aí, eventualmente, disputado com outros cães, companheiros de estrada.
Nas viagens de montanha russa que tem sido o caminho percorrido desde esse ano de 1995, na partilha da existência, desenvolvemos um entendimento que ultrapassa as dificuldades colocadas pelos desajustes dos modos de expressão e das barreiras da espécie. 14 anos passados, turbulências diversas “surfadas” como se vagas alterosas fossem, enfrentadas sem recurso a qualquer prancha, encontramo-nos hoje com um olhar recíproco que, penso, se poder resumir dizendo que eu vejo o meu amigo Tintin, como um cão humanizado e que penso ter razões para crer que ele me vê como um cão grande, com algumas dificuldades de entendimento que me impedem de perceber, de forma capaz, os seus esforços de comunicar. Além disso, a seus olhos, terei um elevadíssimo défice no sentido do faro. No entanto, a amizade sempre fiel e o entendimento de mim como uma espécie de alter-ego demonstra-se pelo facto de se ter tornado numa sombra que sempre desliza junto com o meu andar. Também pelo vocabulário de silvos e gemidos com que tenta aproximar-se da linguagem humana, o que não resulta muito bem e, por vezes, não é muito fácil de suportar por períodos longos.
Há alguns anos, passou por um perigoso problema de saúde, que implicou uma cirurgia e resultou num diagnóstico que não deixava grande esperança de vida tão longa, mas o destino tem sido generoso, e presto-lhe homenagem e agradecimento por isso e, antecipadamente, pela continuação desta benção.
Como já teria perto de um ano quando o recolhi, terá agora 15 anos ou um pouco mais. Está velhote. Ficou grisalho e está consideravelmente surdo. Está mais sensível a todos os níveis, mas continua a fazer, alegremente, dois grandes passeios diários. Por outro lado, como nos integrámos há mais de três anos na família que agora somos, tem 3 companheiros humanos que o estimam, e dois gatos com que tem uma relação cordial com estáveis acordos de não agressão. Respeitando, aliás, alguns centímetros de distância, o convívio é harmonioso e sereno, por vezes até claramente desejado. A gata Mila gosta dele e respeita-o. O Amarelo trata-o melhor que aos outros gatos.
No inverno passado um velho rafeiro, também de pequeno porte, que vivia com vizinhos próximos, deixou-nos para encetar o seu caminho para a Natureza pura, para se integrar no pó das estrelas. Tinha, dizem, 21 anos. Espero que o Deus dele tenha a mesma medida para este companheiro.
“O som da água diz o que eu penso.”
Lao Tzu
“Se o viajante encontrar um companheiro virtuoso e sábio, deve segui-lo alegremente e vencer os perigos do caminho”
Buda