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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

NATAL 2013 - II

NATAL, E NÃO DEZEMBRO...

Entremos, apressados, friorentos,
Numa gruta, no bojo de um navio,
Num presépio, num prédio, num presídio,
No prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
Porque esta noite chama-se Dezembro,
Porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
Duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
A cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
Talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.


David Mourão-Ferreira, in Cancioneiro do Natal

NATAL 2013 - I

NATAL DE QUEM?...
Mulheres atarefadas
Tratam do bacalhau,
Do peru, das rabanadas.
- Não esqueças o colorau,
O azeite e o bolo-rei!
- Está bem, eu sei!
- E as garrafas de vinho?
- Já vão a caminho!
- Oh mãe, estou pr'a ver
Que prendas vou ter.
Que prendas terei?
- Não sei, não sei...
Num qualquer lado,
Esquecido, abandonado,
O Deus-Menino
Murmura baixinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Senta-se a família
À volta da mesa.
Não há sinal da cruz,
Nem oração ou reza.
Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
Em eufórico ambiente.
Lá fora tão frio,
Cá dentro tão quente!
Algures esquecido,
Ouve-se Jesus dorido:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Rasgam-se embrulhos,
Admiram-se as prendas,
Aumentam os barulhos
Com mais oferendas.
Amontoam-se sacos e papéis
Sem regras nem leis.
E Cristo Menino
A fazer beicinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
O sono está a chegar.
Tantos restos pela mesa e chão!
Cada um vai transportar
Bem-estar no coração.
A noite vai terminar
E o Menino, quase a chorar:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
E, do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Não tive tecto nem afecto!
Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:
- Foi este o Natal de Jesus?!?
***********

João Coelho dos Santos, in Lágrima do Mar – 1996 (adaptado)

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Padre António Vieira - Sermão do bom ladrão



Não são ladrões apenas os que cortam as bolsas. Os ladrões que mais merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e as legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais, pela manha ou pela força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam correndo risco, estes furtam sem temor nem perigo. Os outros, se furtam, são enforcados; mas estes furtam e enforcam.”

Sermão do Bom Ladrão , Padre António Vieira (1608 - 1697)

domingo, 14 de outubro de 2012

Miguel torga

Outono!... Estação perfeita
Outono
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.


Miguel Torga, Diário X (1966)


quinta-feira, 17 de maio de 2012

Dia da espiga - 5ª fª de Ascensão

O ramo de espiga, com toda esta simbologia, reflecte as características dos povos do sul da Europa, com os sabores da dieta mediterrânica e onde a alegria de viver é um bálsamo.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Língua portuguesa

NOVA LÍNGUA PORTUGUESA
Desde que os americanos se lembraram de começar a chamar aos pretos 'afro-americanos', com vista a acabar com as raças por via gramatical, isto tem sido um fartote pegado! As criadas dos anos 70 passaram a 'empregadas domésticas' e preparam-se agora para receber a menção de 'auxiliares de apoio doméstico'. De igual modo, extinguiram-se nas escolas os 'contínuos' que passaram todos a 'auxiliares da acção educativa' e agora são 'assistentes operacionais'. Os vendedores de medicamentos, com alguma prosápia, tratam-se por 'delegados de informação médica'. E pelo mesmo processo transmudaram-se os caixeiros-viajantes em 'técnicos de vendas'. O aborto eufemizou-se em 'interrupção voluntária da gravidez'. Os gangs étnicos são 'grupos de jovens', os operários fizeram-se de repente 'colaboradores'; as fábricas, essas, vistas de dentro são 'unidades produtivas' e vistas da estranja são 'centros de decisão nacionais'. O analfabetismo desapareceu da crosta portuguesa, cedendo o passo à 'iliteracia' galopante. 
Desapareceram dos comboios as 1.ª e 2.ª classes, para não ferir a susceptibilidade social das massas hierarquizadas, mas por imperscrutáveis necessidades de tesouraria continuam a cobrar-se preços distintos nas classes 'Conforto' e 'Turística'.
A Ágata, rainha do pimba, cantava chorosa: «Sou mãe solteira…»; agora, se quiser acompanhar os novos tempos, deve alterar a letra da pungente melodia: «Tenho uma família monoparental...» - eis o novo verso da cançoneta, se quiser fazer jus à modernidade impante.
Aquietadas pela televisão, já se não vêem por aí aos pinotes crianças irrequietas e «terroristas»; diz-se modernamente que têm um 'comportamento disfuncional hiperactivo'. Do mesmo modo, e para felicidade dos 'encarregados de educação', os brilhantes programas escolares extinguiram os alunos cábulas; tais estudantes serão, quando muito, 'crianças de desenvolvimento instável'.
Ainda há cegos, infelizmente, mas como a palavra fosse considerada desagradável e até aviltante, quem não vê é considerado 'invisual'. (O termo é gramaticalmente impróprio, como impróprio seria chamar inauditivos aos surdos - mas o 'politicamente correcto' marimba-se para as regras gramaticais...)
As p…. passaram a ser 'senhoras de alterne'.
Para compor o ramalhete e se darem ares, as gentes cultas da praça desbocam-se em 'implementações', 'posturas pró-activas', 'políticas fracturantes' e outros barbarismos da linguagem.
E assim linguajamos o Português, vagueando perdidos entre a «correcção política» e o novo-riquismo linguístico.
Estamos "tramados" com este 'novo português'; não admira que o pessoal tenha cada vez mais esgotamentos e stress. Já não se diz o que se pensa, tem de se pensar o que se diz de forma 'politicamente
correcta'.
Helena Sacadura Cabral

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Os homens e a gripe...

Sátira aos homens quando estão com gripe
Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.
Poema de António Lobo Antunes
E somos o sexo forte, como seria se fossemos o sexo fraco!!!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Romeu e Julieta

Companhia Nacional de Bailado
ROMEU e JULEITA - William Shakespeare
Teatro Nacional de S. Carlos - Dezº. 2011
I ACTO
Cena 1 - Mercado
É madrugada em Verona. Romeu, filho de Lord Montéquio, declara o seu amor a Rosalinda. Com o nascer do dia, a praça do mercado enche-se de gente. Subitamente inicia-se uma rixa entre membros das famílias rivais - Capuletos e Montéquios. Entra o Duque de Verona que os adverte para o facto de que, se o conflito continuar, ele deverá puni-los em último caso, com a morte. Relutantes, os contrincantes fazem as pazes.
Cena 2 - Jardim de Julieta
Julieta recebe o primeiro vestido de baile. Irá conhecer o Duque Páris, de quem deverá ficar noiva.
Cena 3 - Casa dos Capuletos
Os Capuletos organizam um grande baile. Chegam os convidados, entre os quais Rosalinda. Romeu, Benvólio e Mercúcio, mascarados, seguem-na e entram.
Cena 4 - Baile
Julieta dança com Páris, mas assim que o seu olhar se encontra com o de Romeu, o amor nasce à primeira vista. Tibaldo, primo de Julieta, suspeitando da verdadeira identidade de Romeu, tenta separá-los, mas o pai de Julieta impede-o, obedecendo às leis da hospitalidade.
Cena 5 - Varanda do quarto de Julieta
Na varanda do seu quarto Julieta sonha com Romeu. Este aparece no jardim, encoberto pela noite, e juntos declaram amor eterno.

II ACTO
Cena 1 - Mercado
Na praça do mercado assiste-se a uma grande festa de carnaval. Romeu mostra pouca vontade de se juntar aos festejos. A ama de Julieta encontra-o e dá-lhe uma carta, onde Julieta lhe pede que vá ao seu encontro, no jardim de Frei Lourenço.
Cena 2 - Jardim de Frei Lourenço
Os dois amantes encontram-se e, prerante a sua insistência, Frei Lourenço casa-os em segredo.
Cena 3 - Mercado
No auge dos festejos de carnaval, Romeu regressa à praça do mercado. Tibaldo desafia-o, mas Romeu recusa-se a lutar. Mercúcio, irado, inicia um duelo com Tibaldo e ferido por este, morre. Em desespero, Romeu vinga a morte do seu amigo, matando Tibaldo.

III ACTO
Cena 1 - Quarto de Julieta
Os amantes acordam com o nascer do sol. Romeu deixa Julieta e abandona Verona sob sentença de exílio. Lord e Lady Capuleto entram com Páris, mas Julieta rejeita-o.
Cena 2 - Jardim de Frei Lourenço
Em desespero Julieta procura Frei Lourenço e este dá-lhe uma poção que a deixará num estado de morte aparente. Frei Lourenço diz-lhe também, que Romeu irá ao seu encontro no túmulo de família e então poderão fugir juntos de Verona.
Cena 3 - Quarto de Julieta
Julieta aceita casar com Páris. Assim que se encontra de novo a sós, toma a poção e é mais tarde encontrada, supostamente morta, pela sua família e amigos.
Cena 4 - Jazigo da família Capuleto
Romeu, que nunca chegou a receber a mensagem de Frei Lourenço a explicar o plano, acredita que Julieta está morta. Dirige-se ao jazigo dos Capuletos, encontra Páris amargurado e mata-o. Após um último abraço à sua amada, Romeu crava o seu punhal no coração. Julieta acorda e vê o seu amado morto. Incapaz de suportar a vida sem ele, suicida-se.
Intérpretes:
Julieta - Filipa Castro
Romeu - Alen Bottaini
Mercúcio - Carlos Pinillos
Tibaldo - Tom Colin
Benvólio - Maxim Clefos
Paris - Freek Damen
Ama - Fátima Brito
Lord Capuleto - Armando Maciel
Lady Capuleto - Elsa Madeira
Lord Montéquio - José Carlos Oliveira
Lady Montéquio - Catarina Lourenço
Duque de Verona - Brent Williamson
Frei Lourenço - Brent Williamson


Ficha técnica:
Argumento: John Cranko, segundo William Shakespeare
Música: Serguei Prokofiev
Coreografia: John Cranko
Cenografia: João Mendes Ribeiro
Figurinos e adereços: António Largo
Imagens: Daniel Blaufuks
Desenho de luz: Cristina Piedade
Direcção musical: Joana Carneiro - Orquestra Sinfónica Portuguesa

Espectáculo magnífico a nível da interpretação, da coreografia, da cenografia e da direcção musical, onde os opostos  e os mal-entendidos se cruzam (amor / ódio; violência / inocência; alegria / tristeza). O ódio visceral entre as duas famílias - Capuletos e Montéquios, gera violência e leva ao desenlace final trágico, a morte dos dois amantes.

domingo, 27 de novembro de 2011

FADO - Património imaterial da humanidade

Decisão aprovada
O fado já é património mundial
Depois de uma espera de quase dois dias, a candidatura portuguesa foi finalmente aprovada


Depois de uma espera de quase dois dias, a candidatura portuguesa foi finalmente aprovada. A notícia chegou via SMS: “O Fado já é património imaterial da humanidade”. Sara Pereira, directora do Museu do Fado, estava sentada na sala onde o comité intergovernamental da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) esteve a votar as candidaturas a património cultural imaterial da humanidade, em Bali, na Indonésia, quando o resultado da votação foi anunciado e enviou a mensagem.
in, PÚBLICO, Lucinda Canelas (27/11/2011)

sábado, 26 de novembro de 2011

Poema matemático

POEMA MATEMÁTICO

Um Quociente apaixonou-se
Um dia,
Doidamente,
Por uma Incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base...
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.

Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela.
Até que se encontraram
No Infinito.

"Quem és tu?" indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode chamar-me Hipotenusa."

E de falarem descobriram que eram
O que, em aritmética, corresponde
A alma irmãs
Primos-entre-si.

E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz.
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Rectas, curvas, círculos e linhas sinusoidais.

Escandalizaram os ortodoxos
das fórmulas euclidianas
E os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas
e pitagóricas.
E, enfim, resolveram casar-se.
Constituir um lar.
Mais que um lar.
Uma Perpendicular.

Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissectriz.
E fizeram planos, equações e
diagramas para o futuro,
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.

E casaram-se e tiveram
uma secante e três cones,
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até àquele dia
Em que tudo, afinal,
se torna monotonia.

Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum...
Frequentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.

Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.

Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo.
Uma Unidade.
Era o Triângulo,
chamado amoroso.
E desse problema ela era a fracção
Mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade.
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como aliás, em qualquer
Sociedade.
Poema de autor desconhecido, a circular na "net".

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O triunfo dos porcos - George Orwell

Animal Farm (O triunfo dos porcos) 
George Orwell 


No seu livro, O triunfo dos porcos, Orwell critica a sociedade de sua época, e, por conseguinte também a actual. Ele narra a história de uma quinta que tem por dono o Sr. Jones, homem maldoso, que maltrata os animais. Na verdade trata-os como a maioria dos seres humanos trata os seus. Os animais liderados por um porco chamado Major, um porco campeão de exposições, que ainda não tinha morrido por causa desses prêmios ganhos. Major não concorda com a maneira como os animais são tratados e considera-os todos iguais, começa a falar com os outros animais sobre uma revolução que eles  deveriam organizar contra toda a opressão que sofriam. A princípio os animais não concordam, mas após a morte do idealizador a revolução acontece de uma forma inesperada. Após uma noite de bebedeira Jones deixou de alimentar os animais, já era tarde e os bichos famintos invadiram a casa e expulsaram-no a ele e a todos os outros seres humanos que nela habitavam ou trabalhavam. A partir daquele momento os animais começaram a coordenar a fazenda que se chamava Quinta do Solar e a partir de então passou a ser chamada Quinta dos Bichos. Os porcos (considerados mais inteligentes passaram a comandar toda a quinta e os bichos) foram instituídos os sete mandamentos que tinham como base que todos os bichos são iguais e que eles não se deviam se misturar com os humanos. Todos trabalhavam para o bem comum, porém Napoleão o porco que liderava os bichos - começou a relacionar-se com os homens e a sua ambição foi aumentando até que ele começou a achar-se o dono da quinta e os outros animais seus servos. Os animais, com excepção dos porcos, comiam pouco e trabalhavam o tempo todo. A mudança que era para ser uma melhoria tornou-se um tormento para os bichos. Contudo, eles não viam as coisas por esse lado, Napoleão tinha um porta-voz, Garganta, que convencia os outros bichos de que tudo de ruim que lhes acontecia era sonho deles, ou simplesmente distorcia os factos. O principal objectivo dos bichos era a construção de um moinho de vento, que seria como um monumento, uma mostra de que eles eram capazes de viver sozinhos. Depois de muitos erros e de muitas lutas, até mesmo com os humanos, enfim o moinho foi construído, mas que não foi utilizado pelos bichos, apenas pelos porcos, para seu benefício próprio. No final os porcos tornaram-se iguais aos seres humanos, até pior, pois eles como animais começaram a julgar-se melhores que os outros. Negociavam com os homens e até comiam na mesma mesa que eles. Enfim tudo o que os humanos faziam era feito pelos porcos.
"Os animais são todos iguais, mas há uns mais iguais que outros!"

sábado, 17 de setembro de 2011

ORTOGRAFIA

História da ortografia em Portugal e no Brasil
A história da ortografia da língua portuguesa pode dividir­se em três períodos:
fonético, até ao século XVI; pseudo­etimológico, desde o século XVI até 1911; moderno, desde 1911 até hoje.
Quando a língua portuguesa começou a ser escrita, quem escrevia procurava representar foneticamente os sons da fala. Esta representação, no entanto, nunca foi satisfatória. Por um lado, não havia norma e, assim, por exemplo, o som /i/ podia ser representado por i, por y, e até por h (1); a nasalidade por m, por n, ou por til, etc. Por outro lado, a ortografia conservou­se em certos casos antiquada em relação à evolução da pronúncia das palavras, como em leer (ler) e teer (ter). Nos documentos mais antigos, de qualquer modo, o que se observa é a procura de uma grafia fonética. Com o decorrer do tempo, esta simplicidade foi desaparecendo por causa da influência do Latim. Assim, começaram a aparecer grafias como fecto (feito), regno (reino), fructo (fruito), etc. Realmente, uma das características do Renascimento foi a admiração pelos tempos clássicos e, em particular, pelo Latim. Isso consolidou, por assim dizer, e levou ao extremo a influência daquela língua na escrita do Português. Daqui resultou o aparecimento de inúmeras consoantes duplas, o aparecimento dos grupos ph, ch, th, rh, que antes praticamente ninguém usava. Por outro lado, já nesse tempo, tal como hoje, a ignorância e o pretensiosismo se aliavam para produzir os maiores disparates, tais como, por exemplo, lythographia, typoia, lyrio, etc. (2)(3). É por esta razão que se chama pseudo­etimológico ao período em que esta tendência se impôs. Isto é, queria­se pretensiosamente fazer etimológica a ortografia, mas a ignorância não deixava ir além da pseudo­etimologia. Além disso, segundo J. J. Nunes (4), "por este processo [o da procura da grafia etimológica] recuavam­se bastantes séculos, fazendo ressurgir o que era remoto, e punha­se de lado a história do nosso idioma...".
Deve­se dizer que cedo começou a haver reacções simplificativas. Por exemplo, Duarte Nunes de Leão, um dos primeiros gramáticos portugueses, reprova a pseudo­etimologia nascente em "Ortographia da lingoa portuguesa", livro de 1576. Outro gramático que se opôs a esta ortografia complicada foi Álvaro Ferreira de Vera, no seu livro "Ortographia ou arte para escrever certo na lingua portuguesa" (1633) (5). Também D. Francisco Manuel de Melo (século XVII) usou, pelo menos na sua obra "Segundas três musas do Melodino", uma ortografia simplificada em que quase não havia consoantes dobradas, o ph era substituído por f, e o ch com som /k/ era substituído por qu (pharmacia ­> farmacia, Achilles ­> Aquiles) (3).
No século seguinte, o XVIII, o célebre Luís António Verney apresentou também a sua proposta de ortografia simplificada e, mais do que isso, publicou nessa ortografia a sua grande obra "O verdadeiro método de estudar".
O que é certo, porém, é que, na quase totalidade dos escritos, principalmente a partir da publicação em 1734 da "Ortographia ou arte de escrever e pronunciar com acerto a lingua portugueza" de João de Morais Madureyra Feyjó, se procurava a grafia mais complicada. Note­se, no entanto, que, apesar de tudo, o número de acentos era bastante restrito e empregue em casos e para fins algo diferentes dos actuais.No princípio do século XIX, também Garrett defendia a simplificação ortográfica e criticava a ausência de norma. Nesse mesmo século proliferaram os pretendentes a reformadores da ortografia. Além de Garrett, pode­se mencionar, por exemplo, Castilho, como um dos mais conhecidos.
No decorrer do século XIX, começou a compreender­se a falta de justificação de muitas das grafias complicadas que então se usavam, mas, por outro lado, caiu­se no extremo de, mesmo aqueles sem quaisquer habilitações para tal, desatarem a simplificar disparatadamente. O resultado foi que, no fim do século XIX, a desordem ortográfica era total. Cada um escrevia como lhe parecia melhor.
Assim, em 1911, o Governo nomeou uma comissão para estabelecer a ortografia a usar nas publicações oficiais. Desta comissão fazia parte o insigne foneticista Gonçalves Viana, que já em 1907 apresentara um projecto de ortografia simplificada. O trabalho da comissão consistiu praticamente em adoptar o que propunha Gonçalves Viana e a nova ortografia foi oficializada por portaria de 1 de Setembro de 1911. Esta reforma da ortografia, a primeira oficial em Portugal, foi profunda e modificou completamente o aspecto da língua escrita, aproximando­o muito do actual. Foi, pode dizer­se, uma mudança verdadeiramente radical e feita sem qualquer acordo com o Brasil. Ao fazer desaparecer muitas consoantes dobradas, e os grupos ph, th, rh, etc., a reforma, afinal, fazia desaparecer os exageros do período pseudo­etimológico e promovia um "regresso" ao período fonético. Por isso, é que, a propósito das muitas reacções adversas que houve na altura, escrevia J.J. Nunes (6), em 1918: "Pena é que a ortografia nova, que, em rigor, é velha, não seja compreendida por todos, ou antes, que se não queira ver a sua justeza, acabando­se de vez com os desconchavos que ainda perduram, quase sempre resultantes da ignorância...". Como estas palavras continuam actuais !
O essencial da reforma ortográfica de 1911 foi acabar com o despotismo da etimologia, aproximando a ortografia oficial de uma escrita fonética. Aproximando, apenas, note­se, dado que, apesar de tudo, se fizeram vastas concessões a hábitos anteriores, como era o caso de manter inúmeras consoantes mudas, com um ou outro pretexto (homem, directo, sciência, etc.).
Um ponto em que a reforma foi incoerente e em que se afastou da tradição dos primeiros tempos do Português escrito foi a introdução profunda de acentos. Em particular, passaram a ser acentuadas todas as palavras esdrúxulas, o que não acontecia antes.
A seguir à reforma de 1911, houve vários ajustamentos efectuados por portarias de 19.11.1920, 23.09.1929, e 27.05.1931. A grande reforma seguinte foi a resultante do acordo ortográfico Portugal­ Brasil de 1945, a qual, ligeiramente alterada por um decreto de 1971, deu origem à ortografia oficial que até agora se usou em Portugal. Note­se, de passagem, que o acordo de 1945 anulou algumas modificações introduzidas em 1911 e 1931.
Vejamos o que entretanto se passava no Brasil. No século XIX, a ortografia no Brasil estava no mesmo estado que em Portugal. Pode­se dizer que havia unidade... no caos.
Em 1907, a Academia Brasileira de Letras tivera em estudo um projecto de reforma análogo ao de Gonçalves Viana, que, como vimos, levou à reforma portuguesa de 1911. Neste projecto, embora baseado no do foneticista português, colaboraram vários brasileiros ilustres, como Euclides da Cunha, Rui Barbosa e outros (7). Isto mostra que, em ambos os países, há muito se sentia a necessidade de modificar a ortografia. O mesmo, aliás, se passava noutros países e tinham sido e viriam a ser feitas reformas em vários deles, como se verá mais à frente.
O projecto da Academia Brasileira de Letras de 1907 acabou por não ir por diante e, por outro lado, Portugal cometeu o absurdo erro de avançar sozinho para a reforma. Assim, e apesar de a reforma portuguesa ser defendida sem alterações, para uso no Brasil, por filólogos brasileiros do calibre de
Antenor Nascentes e Mário Barreto, o certo é que, durante alguns anos, ficaram os dois países com ortografias completamente diferentes: Portugal com uma ortografia moderna, o Brasil com a velha ortografia pseudo­etimológica.
Foi em 1924 que as duas Academias, a Brasileira de Letras e a das Ciências de Portugal, resolveram procurar uma ortografia comum. Claro que, para isso, o Brasil teria que se aproximar de Portugal, que, na altura, caminhava na frente. Houve em 1931 um acordo preliminar entre as duas Academias, em que se adoptava praticamente a ortografia portuguesa. Assim se iniciou o processo de convergência das ortografias dos dois países com um reconhecimento quase total, por parte do Brasil, da superioridade da ortografia portuguesa. Contudo, os vocabulários que se publicaram, em 1940 (Academia das Ciências de Portugal) e 1943 (Academia Brasileira de Letras), continham ainda algumas divergências. Por isso, houve, ainda em 1943, em Lisboa, uma Convenção Ortográfica, que deu origem ao Acordo Ortográfico de 1945. Este acordo tornou­se lei em Portugal pelo Decreto 35 228 de 08.12.45, mas no Brasil não foi ratificado pelo Congresso; e, por isso, os Brasileiros continuaram a regular­se pela ortografia do Vocabulário de 1943.
Em 1971, novo acordo entre Portugal e o Brasil aproximou um pouco mais a ortografia do Brasil da de Portugal. Tratou­se de cedência brasileira, mais uma vez. O acordo teve a sorte de ser oficializado sem burburinho. Note­se aqui que, do ponto de vista absoluto, ambas as grafias eram nesta altura perfeitamente razoáveis e sua única desvantagem era apresentarem ainda algumas diferenças. Não fosse isso, seria, de facto, inútil "mexer" mais.
Em 1973, recomeçaram as negociações e, em 1975, as duas Academias mais uma vez chegaram a acordo, o qual "não foi contudo transformado em lei, pois circunstâncias adversas de vária ordem não permitiram uma consideração pública da matéria" (8).
Em 1986, o Presidente José Sarney tentou resolver o assunto, que há longo tempo se arrastava, e promoveu o encontro dos sete países de língua portuguesa no Rio de Janeiro. Deste encontro, mais uma vez saíu um acordo ortográfico e mais uma vez o acordo não foi por diante, devido a um surpreendente alarido que se levantou em Portugal. Este alarido, longe de ser resultado de defeitos do acordo, deveu­se sobretudo a uma confrangedora ignorância do assunto por parte dos pouco ponderados adversários da união ortográfica. Mas a verdade é que o acordo foi suspenso.
O pior é que se concluiu este ano novo acordo, dito "mais moderado", mas na verdade mais incoerente, e exposto, este sim, a críticas com fundamento. Os responsáveis portugueses pelo Acordo de 1986, que garantia uma unificação quase total da ortografia da língua, cederam aos auto­proclamados donos da Cultura Nacional e, agora, em 1990, produziram um acordo imperfeito, que não unifica, cheio de grafias duplas, defeitos estes que são deslealmente aproveitados pelos detractores que os causaram. É o castigo da demagogia. Enfim, se encarado como transitório, como mais uma pequena dose de mudança sem dor para não assarapantar o profanum vulgum, este acordozito é um passo na direcção certa. Para mim, no entanto, o método correcto seria fazer a unificação total de uma só vez e liquidar definitivamente o problema.

REFERÊNCIAS
(1) ­ Nunes, José Joaquim ­ Compêndio de gramática histórica portuguesa, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1945, p. 193
(2) ­ idem, p. 196
(3) ­ Fonseca, Fernando ­ O Português entre as línguas do mundo, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, p. 326
(4) ­ Nunes, José Joaquim ­ Compêndio de gramática histórica portuguesa, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1945, p. 196
(5) ­ Cuesta, Pilar Vasquez ­ Gramática da língua portuguesa, Edições 70, Lisboa, 1980, p. 338
(6) ­ Nunes, José Joaquim ­ Compêndio de gramática histórica portuguesa, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1945, p. 198
(7) ­ Carmo Vaz, Álvaro ­ Código de escrita, Livros técnicos e científicos, Lisboa, 1983, p. 112
(8) ­ Protocolo de Acordo Ortográfico de 1986
ORTOGRAFIAS

por Manuel Mendes de Carvalho (1990, com algumas notas de actualização, 1996)