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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Stoppard devora Franzen

Se há expressão corrente que mais me fascina, pela sua pseudo-singeleza metafórica, é aquela que retrata um bibliómano como “um devorador de livros” – sintetizando, um bibliófago –, um vulgar verme que se alimenta de papel. Todavia, este meu indomável fascínio atinge o seu clímax quando, pela metonímia, se antropomorfiza o verme criando um leitor de homens que, embebido na metáfora, se transforma num antropófago.
Na selecção anual dos melhores livros de 2010 pela insuportável equipa de críticos do diário britânico The Guardian, foi pedida a contribuição de autores consagrados, de cineastas e até do público leitor (desconheço, neste último caso, de que forma se revestiu e qual o peso atribuído à participação). Na listagem final o inevitável afilhado de Oprah, o enfatuado, e assumidamente invejoso, Jonathan Franzen, lá conquistou o lugar cimeiro com o calhamaço Freedom – uma pretensa bofetada inglesa aos seus ex-colonos americanos que ousaram em não lhe atribuir o National Book Award – e, depois, verifiquei, alvoraçando-me as entranhas, que até Bret Easton Ellis consta da lista dos 29 melhores, com aquela coisa inenarrável entre a novela e o romance em forma de livro (o que eu já aqui espumei devido à mera existência dessa bagatela literária!) Se fizerem uma simples pesquisa googliana e introduzirem as expressões “snubbed” “freedom” e “franzen” chegam a um resultado próximo das 13.300 páginas. Mas, se substituírem as duas últimas expressões na barra de pesquisa por “solar” e “mcewan” obtém-se um resultado a rondar as 1980 páginas da internet (e na maioria delas o termo “ignorado, com alguma premeditação”, nem está associado aos restantes dois). É triste, e logo na obra mais alegre e desassombrada do, a par de Ishiguro, melhor escritor inglês vivo.
Continuando nas escolhas do Guardian, constatamos que o dramaturgo Tom Stoppard também participou nos jogos florais de fim de ano, e depois de no primeiro parágrafo se haver referido, com alguma ironia, à miríade de livros que leu, logo no dealbar do ano que agora termina, sobre a implosão de Wall Street, abordou a parte mais importante e séria no segundo:
«Também este ano, retirei um enorme prazer das últimas 518 páginas do livro de Jonathan Franzen The Corrections (Fourth Estate)*, que havia posto de parte em 2001 para o ler quando tivesse tempo. Encontro-me agora na página 14 de Freedom. Altamente recomendado.» [tradução livre: AMC; nota minha: *romance publicado em Portugal em 2003 pela Dom Quixote, sob o título Correcções, que na sua 1.ª edição continha 512 páginas; já a versão referida por Stoppard contém 526 páginas (1.ª edição britânica em 2001).]

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Push Oprah, Push

Good salesgirl! E nem com toda a sua massa (apelo à polissemia) Oprah conseguiu dar o empurrão necessário, e nem tão-pouco o privilégio de ser capa da Time Magazine (edição de 23 de Agosto de 2010, com recensão do razoável crítico e miserável escritor Lev Grossman) trabalhou como um meio de pressão adicional para a sua promoção.
Descodificando. Foram anteontem anunciados, por Pat Conroy a partir da casa onde Flannery O’Connor passou a sua infância em Savannah no Estado da Geórgia (hoje uma fundação), os autores e respectivas obras finalistas nas diversas categorias do National Book Award e, de forma heteróclita e até aberrante, não se fala de outra coisa na imprensa especializada que não seja o crime da não nomeação do escritor Jonathan Franzen (n. 1951), com o seu mais recente candidato a calhamaço Freedom. Em todo lado se lê um “snubbed” indignado à obra e/ou ao autor, que muitos consideram, e não fazem a coisa por menos e de forma infundamentada, como um sucessor de Bernhard (talvez pela proximidade dos títulos de uma das obras) ou de Pynchon. Franzen é abertamente contra os escritos, que designa como obscuros, de autores deste calibre, elegendo como epítome do obscurantismo literário William Gaddis, em nome do realismo pop tão defendido pelos polícias da cristalização literária e do decalque oitocentista como B.R. Meyers ou James Wood. Frazen afirma que esse género de escritores (Joyce, Beckett ou Gaddis, como os seus prosélitos pós-modernos) – os tais de escrita complexa e ininteligível – desrespeita o público e causa danos comerciais irreparáveis à indústria literária.
Num famoso ensaio de 2005 do destemido escritor e crítico norte-americano Ben Marcus, publicado na edição de Outubro desse ano da Harper’s, Marcus desanca com toda a virulência em críticos como o citado Meyers e principalmente em autores como Franzen. A despeito do conceito primordial de elite, estes defensores do comercial e da clareza da palavra escrita, tornaram-se em verdadeiros elitistas que reconhecem como genuínos «aqueles [escritores] que procuram assegurar que a cultura se afaste do progresso literário, aqueles que insistem que os sucessos narrativos do passado devem ser solidificados, polidos e praticados pelas gerações mais jovens. Neste ambiente, o sucesso artístico é um legado e os escritores são encorajados a comportarem-se como grupos que se dedicam a cantar versões musicais, adornando os clássicos, talvez, enquanto se asseguram de que a canção encerra uma velha e familiar melodia que nos faz sorrir pelo simples reconhecimento, para que possamos ler mais de memória do que pelo esforço de concentração.
»Os verdadeiros elitistas no mundo literário são aqueles que se enfastiam perante a ambição literária sob qualquer forma, aqueles que transfiguraram na sua totalidade o verdadeiro significado da palavra ambição, que agora se traduz como um mero acto de desprezo, de hostilidade perante o pobre leitor comum, que jamais deveria ser chamado a fazer algo que lhe possa provocar uma lesão muscular. (Que alívio ouvir isto, não há necessidade de nos preocuparmos com um livro que possa parecer agreste, ou abstracto, ou invulgar.) Os elitistas são aqueles que ficam zangados quando se lhes sugere que um livro pouco vendido possa merecer um prémio, como aconteceu, no ano passado, com o National Book Award na categoria de ficção*.»
Ben Marcus, “Why experimental fiction threatens to destroy publishing, Jonathan Franzen, and life as we know it: A correction”, Harper’s, October 2005, pp. 40 [tradução: AMC; *N.T. – Marcus refere-se ao NBA de 2004, atribuído a Lily Tuck pelo seu romance The News from Paraguay (obviamente não editado em Portugal)]
E tanta verborreia, para aqui deixar a listagem dos finalistas na categoria de ficção do National Book Award de 2010 (Carey entre mulheres, e é dele o único dos cinco romances, por agora, editado em Portugal):
  • Jaimy Gordon, Lord of Misrule
  • Karen Tei Yamashita, I Hotel
  • Lionel Shriver, So Much for That
  • Nicole Krauss, Great House
  • Peter Carey, Parrot e Olivier na América (ed. port. Gradiva; Parrot and Olivier in America)
Nota: A portentosa Patti Smith está nomeada na categoria de não-ficção com livro de memórias Just Kids, que relata o seu relacionamento com o fotógrafo Robert Mapplethorpe. Ao que dizem, e segundo as minhas leituras, trata-se de um assombroso e comovente retrato dessa relação turbulenta que ocorreu nas décadas de 60 e 70 do século passado – espera-se, porventura em vão, pela edição portuguesa.