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24 de jul. de 2011

Meteorologia

Ela entra, irritada, e fala
da tempestade repentina,
da previsão do tempo,
da maldita sombrinha
largada num canto da sala.
Pouco escuto, mais atento
aos bicos dos seios
aguçados pelo vento;
às curvas que o tecido da camisa,
molhado de chuva,
em vez de ocultar, enfatiza.

6 de jun. de 2011

Dois

Quem tem saco pra essa lida,
essa coisa dividida?
Metade romaria, metade violenta,
um pouco mosh pit,
um pouco dança lenta
que se hoje é calmaria,
amanhã será tormenta
(quem tanto a gente ama,
tem horas que mal aguenta).

3 de jun. de 2011

Semântica

“Saudade” é uma palavra bonita
se a gente sabe o que significa
(mas, no fundo, não diz nada).
Melhor diziam os gregos antigos:
“nostalgia”,
que é a dor de sentir falta.

22 de mai. de 2011

Santuário

Quando talvez não me encontre,
não me procure
no escuro onde me escondo:
não é seguro (aqui há monstros).
Aqui, apenas vento frio,
água parada, rocha dura.
E nós, os monstros.

28 de abr. de 2011

Haikai tem kigo
e tem sempre 17
5-7-5

5 de abr. de 2011

Servil

Se quiser, conte comigo
para nunca estar sozinha.
Deixe aos meus cuidados
a faxina e a cozinha,
levar as crianças pra escola
e fazer supermercado
(se quiser vir junto, obrigado,
mas nem pense em levar as sacolas).
Pra pregar botão, trocar pneu,
pagar conta no banco, varrer a calçada,
saiba a quem recorrer: eu.
Posso até lavar sua roupa,
passar as peças mais delicadas.
E pras horas em que isso não baste,
deixo ao seu serviço e vontade
meu pau de dez polegadas.

16 de mar. de 2011

Global Alfa

Há um pouco do agreste
aqui no Sudeste;
ecos da caatinga
no concreto de Piratininga.
Há algo dos pampas
no asfalto de Sampa
e o ar paulistano
traz consigo um quê do minuano.

Nas alamedas dos Jardins,
pedaços de Roma, Chicago e Berlim
e a Terra da Garoa
vai ser sempre um pouco Lisboa.

E ainda que revelem-se aqui
(que não se negue e nem sejamos omissos),
nas favelas e cortiços,
reflexos de Somália e de Haiti,
esta terra-mãe adotiva
que é um pouco Inglaterra, Japão e Bolívia
é o que é porque é tudo isso.

13 de mar. de 2011

Culto

Adora-me, genuflexa,
sê hetaera e ninfa,
venera em mim Príapo e Pã.
Recebe entre as mãos
o ícone e signo da tua devoção.
Acolhe sobre a língua
o sacramento, a eucaristia
que te dá teu deus pagão.

10 de mar. de 2011

Já Deu, Né?

Ai, musa, liberta-nos do jugo
de marginais de boutique
e malditos de araque.
De beats requentados
que soam como tradução do Google
de Ginsberg e Kerouac.

Conclusão

Lida a crítica de cabo a rabo,
devassada a teoria literária,
constato o inconteste fato:
um poema só é bom quando agrada
tanto a quem conhece o riscado
quanto a quem não manja nada.

8 de mar. de 2011

Post-It

Lembrete aos poetas,
citando João Cabral:
um poema é um dejeto,
é apenas um excreta,
um detrito, afinal,
que o cérebro expele
como o corpo expele merda.

4 de mar. de 2011

Aqui

Aqui, onde espreitam, escondidas,
as vozes eternas que recitam
as cartas que deixam os suicidas;
onde nascem as dores sem cura
dos membros fantasmas dos amputados;
aqui, onde escondes teus segredos
e ocultas teus medos e vergonhas,
te aguardam os pesadelos que sonhas.

3 de mar. de 2011

Alheio

Ausente do mundo que o desabriga,
um menino sem nome inspira o fogo
que arranca à força de dentro da pedra.
No torpor induzido a que se entrega,
inspira trevas pra tapar o oco,
o vazio que lhe preenche a barriga.
É um dia, mais um dia da refrega
de seu corpo esquálido, parco e pouco
com um mundo que o quer morto. Quem liga?

Convite

A quem possa interessar
foi criado aqui no bar
um puxadinho, um anexo
pra falar de prosa e verso.
Ficam, assim, convidados
os membros do BDE
e quem mais também quiser
pra saleta aqui ao lado.
Mas avisamos: cuidado!
Lá dizemos a verdade
(que, sabe-se, às vezes arde)
sem reservas, nem frescura:
não se dá apoio e alento
à mera mediocridade
nem à falta de talento.
E se as críticas são duras
não há nisso má vontade:
trata-se apenas, de fato
de não mais deixar barato
atentados contra a língua;
de não mais alçar o tosco
o comum, ou o mau gosto
às alturas de obra-prima
e deixar a arte à mingua.

Feito, assim, o alerta,
fica desde já aberta
esta nova filial
à vossa visitação.

Sem mais para o presente,
Firma, respeitosamente
(p.p. Allan Vidigal),
O Clube de Gamão.


(Este nasceu de uma brincadeira na comunidade orkutiana Bar do Escritor)

22 de fev. de 2011

Cautela

Atentai ao que vos digo,
escutai, varões, o conto,
triste sina de um amigo
que, de um golpe, viu-se roto.
Não faz mais xixi de pé:
do seu membro outrora altivo
não sobrou senão um toco.
Dai-vos conta deste aviso,
não façais ouvidos moucos –
não useis o fecho éclair
se criais o bicho solto.

16 de fev. de 2011

Objetiva

Nas quitandas e esquinas,
com retinas mecânicas;
nos bancos e elevadores,
através de pupilas estreitas,
a Cidade é um animal,
um predador que me espreita
em preto-e-branco ou em cores
com mil olhos de cristal.

14 de fev. de 2011

.GIF Animado

“Agora vai, já tá quase:
falta só por uns anjinhos,
umas letras coloridas,
dois ou três erros de crase.
Métrica? Ritmo? Pra quê?
E daí que é só chavão?
O que importa é que tá lindo
e escrevi de coração”

(nunca sai nada que preste.
Sou mais injeção na testa
que essa poesia canhestra
que grassa pela Internet.
Ah, poesia burra e pobre,
arremedo de literatura:
não vale os bytes que ocupa
nos servidores dos blogs).

12 de fev. de 2011

PB

Caiada de branco a igrejinha da matriz.
Pedra sim, pedra não, caiado o meio-fio.
E os tijolos que demarcam os limites dos canteiros
e os separam dos passeios.
E os troncos das árvores e os postes caiados
(até a altura de um metro e meio).
Caiados os bancos e as colunas do coreto.

Com todo esse branco, com tanto contraste,
como explicar a invisibilidade
do menino que dome com fome e com medo?

3 de fev. de 2011

A Faca

I - Do que É
Resume-se a faca, essencialmente,
a dois principais componentes:
a “Lâmina” e o “Cabo”.
Pelo Cabo seguramo-la,
jamais pela Lâmina,
de tal maneira e tal sorte
que descanse o “Fio”, ou “Corte",
sobre o que se pretende cortar.

II - Do que não É
Jamais confundir ferramentas.
Uma Faca é uma Faca,
não é uma chave de fenda,
nem é tampouco um martelo
No reino dos instrumentos
a Faca é o mais belo;
a Faca é o mais nobre.
Reservam-se-lhe outros usos
que lhe façam jus ao Corte.
Com uma Faca não se quebra gelo,
nem se aperta um parafuso.

1 de fev. de 2011

Enxaqueca

No escuro do quarto,
depois da partida,
tardia e bem-vinda,
do demônio incandescente
que me rasga ao meio a mente,
me oculto e resguardo.
Na casa vazia,
as cortinas me defendem
do sol que queima as retinas.
A bile agre-amarga:
legado da overdose de aspirina,
desse sacramento químico
– exorcismo, salvação –
em que busco alento, alívio,
em vão.