Duas épocas distintas da minha vida, que em quase nada se podem assemelhar aparte do mesmo sujeito. Um Eu que, embora em constante mutação, traga sempre arreigados os fios condutores do seu passado.
Uma dessas épocas, Torquay 1985, quando descobri este poema de Yevgeny Yevtushenko.
A segunda, esta, quando pousei os olhos nestes traços de Gustave Doré.
Há entre elas uma ponte profundamente perturbadora.
Colours*
When your face
appeared over my crumpled life
at first I understood
only the poverty of what I have.
Then its particular light
on woods, on rivers, on the sea,
became my beginning in the coloured world
in which I had not yet had my beginning.
I am so frightened, I am so frightened,
of the unexpected sunrise finishing,
of revelations
and tears and the excitement finishing.
I don't fight it, my love this is fear,
I nourish it who can nourish nothing,
love's slipshod watchman.
Fear hems me in.
I am conscious that these minutes are short
and that the colours in my eyes will vanish
when your face sets.
White Rose
Dante and Beatrice and the Heavenly Host of Angels
* Translation from Russian © Robin Milner-Gulland and Peter Levi
sexta-feira, fevereiro 15, 2008
quinta-feira, dezembro 07, 2006
Com Scorpions como som de fundo
... e uma lebre a fugir diante dos faróis do carro, escuridão a envolvê-la, e duas pesadas galochas a tentar surripiá-la à natureza.
Aí pelos oitenta, meados de. Era o ano das viagens intermináveis a Espanha, apesar de já não ser o tempo da carne de vaca barata escondida debaixo do assento do carro, ou do azeite quase de borla, mas também mais oleado. Não. Não era esse tipo de ano. Isso tinha sido um pouco antes.
Era o ano do esconderijo lá para o cume de Manzaneda, a Cabeza esbranquiçada, local onde minha mãe pediu que nos calassemos pois queria ouvir o silêncio. Ano das vacas arremessadas para o monte de manhãzinha bem cedinho naquele Estio de espigar o cabelo durante o pico do dia e só voltarem pela noitinha, preguiçosas, calmeironas.
Merenda parca. Corpo mingado. Ano do trevo de quatro folhas.
Ano do ninho invadido por estas mãos descuidadas, e dos quatro passarinhos que passaram a comer minhocas apanhadas por estas mesmas com mais cuidado.
Em abono da verdade também digo: Nem sei se realmente foi um só ano, ou menos, ou mais, mas foi sim, recheado.
Até a minha vizinha aprendeu uma lição. De olhos esbugalhados, mãos entrelaçadas por sobre o regaço negro de viúva secular, espanta-se e nós de seguida o ficamos, Não percebo como é possível? Esta gente nunca me viu mas todos sabem o meu nome!.
O seu nome: (Zul)mira.
Ali devias ter ficado, Pai. Talvez com essa decisão não tomada ainda estivesses no meio de nós. As saudades de ti doem.