domingo, 31 de outubro de 2010

Carta aberta a todos os Alcoutenejos

Pequena nota

Do Sr. Mário Nunes recebemos com pedido de publicação, a seguinte carta dirigida aos “alcoutenejos”.
Como sempre tem sido dito, o ALCOUTIM LIVRE é um espaço aberto a todos os que desejem expor as suas ideias, nomeadamente em relação a Alcoutim e o seu Concelho e é com esta base que acedemos gostosamente à sua publicação com o desejo que as ideias manifestadas possam ter e repercussão que o seu autor deseja.

JV




Caros Conterrâneos, «É preciso acreditar num futuro melhor»

Venho por este meio apelar a todos os que, como eu, gostariam de ver o concelho de Alcoutim melhorar as condições de vida dos que cá vivem e dos que, um dia, queiram regressar, os quais tiveram que emigrar para o estrangeiro ou outra parte do País e fazermos com que, todos eles, possam sentir que o seu concelho está na senda do progresso e congregarmos esforços, num projecto colectivo, em torno d’uma grande empresa S.A.

É com esse objectivo que me dirijo a todos vós e digo: Este é o momento certo para criarmos essa Empresa S.A e tirarmos o nosso concelho de um processo acentuado de desertificação e com o estatuto de «um dos concelhos mais pobres do País». Este é o timming certo para criar essa Empresa, porque os Fundos Estruturais e de Coesão estão a chegar ao fim.

Objectivos a atingir no imediato e a muito curto prazo:
Dinamizar a Agricultura e o tecido empresarial do concelho de Alcoutim;
Fomentar o desenvolvimento do Turismo;
Criar as melhores condições para fixar os jovens;
Implementar «Casas de Repouso» em todas as Freguesias.

Todas essas iniciativas e a sua concretização estariam ao alcance da referida Empresa, S.A., com a envolvência da população do concelho que ao adquirirem Acções dessa Empresa S.A., estariam a contribuir para uma região próspera e criar assim as melhores condições de vida para os seus filhos e netos e também para que a velhice de cada um seja menos dolorosa, dando uma Atenção Especial aos idosos que tiveram toda uma vida difícil.

Como Dinamizar a Agricultura e o tecido empresarial do concelho de Alcoutim?
Criando a «Marca Alcoutim», a qual teria a responsabilidade de dinamizar, valorizar e comercializar os artigos produzidos no concelho, colocando-os nos diversos mercados ou através da «Marca Alcoutim» que seria uma marca « franchizada » e direccionada a um nicho do mercado, apostando na qualidade, inovação e com novos conceitos de Marketing.(Uma região só pode conhecer desenvolvimento económico e social se produzir riqueza e é por isso que temos que aproveitar as nossas potencialidades Hortícolas, Frutícolas, Cinegéticas, Turísticas, Apícolas, Ovino, Caprino e Suíno culturas, Padarias, Charcutarias, Queijarias, Doçarias, etc. etc.)
Esta Empresa teria de garantir o escoamento da produção realizada no concelho, criando uma rede de distribuição, assim como pontos de venda (franchising) numa parte do Algarve (no início), procurando atingir, a curto/médio prazo, todo o litoral Algarvio.

Criando um «banco de parcelas de terreno» divulgando as suas aptidões agrícolas através do site da empresa, S.A. junto de potenciais interessados.(existem no concelho aprox. 150 ha. de regadio a explorar, com aptidões para agricultura biológica a qual tem um maior valor acrescentado, ou em agricultura tradicional com qualidade e aproveitando os meios tecnológicos existentes, para uma melhor rentabilização).

Como Fomentar o desenvolvimento do Turismo?

Criando roteiros turísticos, os quais, devidamente explorados, poderiam melhorar a exploração da Restauração e outras unidades hoteleiras existentes no concelho;
Recuperar «Montes» abandonados, explorando esses Montes como «Turismo Rural», através de um acordo com os proprietários dessas habitações e que seja traduzido em vantagens económicas para ambas as partes.

Como Criar as condições para fixar os jovens?

Essa empresa, S.A. iria certamente criar alguns empregos, mas através da dinamização do Turismo; dos Roteiros Turísticos; através de uma Agricultura rentável; apoiando o empreendorismo dos jovens que, por sua vez, criariam micro Empresas; através da implementação das Casas de Repouso para os idosos, seriam certamente criados muitas dezenas de postos de trabalho.

«O desenvolvimento duma região faz-se faseadamente e com sustentabilidade».
Como Implementar «Casas de Repouso» em todas as Freguesias?

Através da compra e recuperação de alguns espaços existentes em ruínas e que reúnam as necessárias dimensões e Outras Construídas de raiz, com um plano de sustentabilidade e faseado no curto prazo.

Este investimento social seria um dos mais importantes a concretizar, recorrendo a parte do capital social da empresa, concorrendo aos apoios financeiros disponíveis e fazendo uma gestão eficiente, rigorosa e sem quaisquer desperdícios.
Estou convicto que essas «Casa de Repouso» serão, certamente, auto sustentáveis se tiverem uma boa gestão.

Não disponho do número aprox. de Alcoutenejos, mas julgo serem entre 5.000 a 6.000. Se uma parte deles, comprasse cada um, pelo menos, 50 acções a um valor nominal de 5 €, conseguiríamos criar uma empresa com um capital social de 400.000 a 500.000 €uros, o que permitiria avançar com alguma margem de segurança para este projecto e com alguma confiança em atingir os objectivos atrás referidos.

Se considerarmos que teríamos, necessariamente, de concorrer aos apoios financeiros de coesão e de desenvolvimento regional, o valor de 5 € por acção investido, passado algum tempo, já poderia valer 6 ou 7 € .

Como qualquer empresa S.A., também esta teria o lucro como grande objectivo, o qual seria distribuído, no final de cada ano, pelos seus accionistas.

Caros Conterrâneos:

Se tiver da vossa parte, um «feedback» à ideia deste projecto da Empresa S.A., irei contactar um conjunto de pessoas (já sinalizadas) e que têm capacidades para concretizarem este projecto e se aceitarem este desafio, com total disponibilidade, sem bairrismos, com total isenção partidária, sem vaidades, com toda a humildade e sensibilidade social, então teremos, sem dúvida, motivos para acreditar num futuro melhor.

Temos Alcoutenejos com todas as qualidades atrás exigidas e que, julgo, queiram ficar na história do concelho, como fundadores desta grande Empresa e contribuir assim, para o desenvolvimento social e económico de Alcoutim.

Desde já informo que, por uma questão de ética e para que não suscite a ideia de que apresento este projecto para criar o meu próprio emprego, não irei fazer parte da direcção dessa futura Empresa S.A. irei sim acompanhar a sua instalação, ser um investidor/accionista e se assim o entendessem os pequenos accionistas, poderia ser o seu representante (sem remuneração) com total isenção e defendendo os seus interesses com total entrega e sempre em defesa dos mais altos valores de seriedade e transparência.

A Direcção desta Empresa S.A., teria uma vigência de ( x tempo ) a definir pelos estatutos e, se não apresentasse resultados satisfatórios de acordo com os objectivos traçados, seria naturalmente votada em Assembleia Geral.

Aproximam-se tempos muito, muito difíceis em que será preciso uma forte união entre todos os Alcoutenejos e, se estiverem unidos podem reivindicar os seus direitos e ganharem os desafios que, cada vez mais, a vida lhes impõe diariamente.
Caro Conterrâneo, aceite este desafio em nome do seu futuro e do futuro daqueles que mais quer e ama.

Até breve e seja um sócio fundador desta Empresa S.A. com apenas 50 euros de investimento, em prol do desenvolvimento de Alcoutim.

Contacte-me e faça a sua pré-inscrição (sem qualquer compromisso e em sigilo absoluto) mencionando o número de acções que gostaria de subscrever.

Mário Nunes

Telm. 91 911 14 52 ou 93 583 74 32 (através de sms)
e-mail:
nunes_mario@sapo.pt

Com as melhores saudações.

PS:
Não pretendo que este seja o modelo ideal para o desenvolvimento de Alcoutim, ele poderá, naturalmente, ser aperfeiçoado.
Mas tenho a certeza que, se nada fizermos e continuarmos «a trilhar o caminho actual», iremos ter cada vez mais os campos desertificados, os «Montes» em ruínas e os jovens à procura de um futuro melhor, em outra parte do País.

sábado, 30 de outubro de 2010

Algures, num pequeno e quase desabitado monte



A Câmara Escura de hoje é representada por uma foto que tirámos em Agosto último num monte que pensávamos completamente desabitado e onde afinal ainda fomos encontrar alguém.

Esta interessante habitação característica da primeira metade do século passado mantem exteriormente, pelo menos, as suas principais caraterísticas.

De algumas dezenas que terão existido e espalhadas por todo o concelho, já poucas restam e na sua maioria encontram-se obliteradas por novos materiais de construção e completamente desajustados deste tipo de construção que reune características do litoral algarvio sem descurar a parte serrana, nomeadamente as suas largas paredes de xisto argamassadas com barro e areia dos barrancos, mais grossa mas mais consistente e com absoluta ausência do sal.

Lá está o típico pátio ao longo da fachada principal, ladrilhado com peças hoje difíceis de encontrar.

São notórios os motivos geométricos, nomeadamente os losângos e o verde e em alternativa o azul escuro, sem nunca deixar de ser básico o branco da cal.

Se já são poucos os exemplares que servirão para uma fotografia representativa de uma época, possivelmente os peseudo interessados só se lembarão quando já não existirem exemplares minimamente decentes para fotografar.

Que eu saiba, nunca existiu um estímulo autárquico que ajudasse a perservar este tipo de construção.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Uma estrada marginal ligando Alcoutim a Castro Marim oferecia extensa zona venatória ao turismo do Algarve

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 7 DE ABRIL DE 1973)




Escreve


Luís Cunha




O moderno cais de Alcoutim, onde podem acostar barcos de mais de duas mil toneladas, veio como “sopas depois de almoço”.

O seu período de actividade, breve como as rosas de Malherb, reduziu-se, quando muito, a uma década.

Cerca de cinquenta metros a montante, o outro cais, velhinho, desempenhara com garbo as suas funções desde tempos imemoriais, e se na sua tardia aposentação, muito depois da idade aconselhável, algumas culpas houve, tal se deve aos “médicos” da Junta que só, ao entardecer acordaram, e nanja a ele.

A estrada que de Alcoutim leva à aldeia do Pereiro, Martinlongo, Cachopo e por aí além, começa no velho cais. Nas portas da vila, ditas de Mértola, uma placa de mármore assinalava a sua inauguração, no reinado de D. Luís. Diz-se que obedeceu à necessidade de o príncipe D. Carlos ir caçar às “chadas” (planuras) de Pereiro e Martinlongo. Fosse como fosse, observado do rio, o cais é emoldurado por um muralhão de 15 ou 20 metros de alto onde outra placa com os dizeres em romano, comemora a visita de D. João VI.

O cais defendia a terra, do lado do rio e a estrada que até ao cais atravessa a vila, drena as chuvas da parte alta por meio de uma valeta encostada à muralha. Ao chegar ao cais, existia – e ainda hoje lá está – uma enorme placa de xisto fazendo de ponte sobre essa valeta. Era o ponto de apoio das pranchas que a nossa mocidade utilizava, brincando ao baloiço. Enquanto os pesos se equilibravam, a subir e descer, tudo eram encantos, mas o trambolhão estava mais que certo quando, numa das extremidades, se sentava algum mais volumoso.



Visando a nossa segurança, uma ou outra vez a sentinela da Guarda Fiscal punha o bando em alvoroçada correria. Do alto da muralha para onde nos escapulíamos, crivávamo-lo de insultos, quando não de pedradas; e no entanto o homem agira protegendo-nos paternalmente.

Era o começa da contestação, da necessidade de correr o risco de conta própria; muito mais idoso que aquela, representava o tempo do analfabetismo, em que à noite, à lareira, a idade pontificava como portadora e fiel intérprete da tradição. Sem que disso nos apercebêssemos, tinham passado os tempos em que o homem só o era portas a dentro, limitando-se, de fora, à surda ameaça entre dentes: “quando passares à minha porta tu verás como é”.

Os tempos, porém estão mudados, ninguém carece de convite para entrar em casa alheia – noção que deixou de ter significado – onde não existem portas ou, se as há, não têm fechadura ou tranca; tudo é de todos e nada é em particular de alguém: todos somos “santos” da auréola, e para em qualquer parte tomar um café ou bebida, dispensamos convites do dono da casa (outra noção inexistente).

Com estes considerandos quase perdemos o fio à meada. Historiávamos o baloiço quando se verificava desequilíbrio entre os participantes. Ao tocar o chão com violência, a parte pesada cuspia o desgraçado que ocupava o outro extremo.



O movimento, a vida, geram-se assim da coordenação de heterogéneos ; o equilíbrio perfeito é lapso momentâneo, pois se durável, é água podre, é morte. Porém, se o desequilíbrio ou desnível não for o apropriado aos fins da acção, ter-se-á tudo , quiçá uma explosão, menos o resultado pretendido.

Queríamos aventar com isto, que, no nosso caso, o grande desnível cultural e económico dos contactos turísticos levará á subordinação do mais fraco – com perdão dos que não admitem sublinhados, porque, dizem, em cultura não há altos nem baixos, sendo cada um simplesmente o que é – levará à subordinação, dizíamos, se perdendo o carácter de movimento se torner em barreiras permanentes e fixas de isolamento. É um ponto de vista que não exclui nenhum dos numerosos pontos que à volta do mesmo facto se podem considerar.

Acreditando que os erros, todo o erro, se deve ir diariamente emendando é sempre tempo de dar remédio a alguns se os há, e de, com tal experiência, obviar a que se instalem nas regiões virgens.

O progresso – quem tal diria! – tornando desnecessário o Guadiana, lançou Alcoutim na maior miséria e esquecimento que possa imaginar-se. Não é cruzamento de vias de comunicação nem término de nenhuma, não é região mineira, agrícola ou industrial; não é porto, nem possui qualquer predicado que a torne apetecida. A estes desencorajantes factores de ordem natural acrescem os de ordem humana, pois a população não oferece a menor garantia de sobrevivência.

Por tudo isto e sem qualquer outra saída, pretende-se a exploração turística. Podendo em boas condições, fornecer ao turismo balnear algo que lhe falta, queria-se fosse um dos seus complementos.

Só complemento e nada mais que isso; que se torne fonte de energias e vida segura e duradoira para que os ao longo dos tempos lhe sofreram as agruras. Há, assim, que afastar da região o espírito de desenfreada ganância. Problema enorme que envolve técnicas de várias especialidades, requere-se-lhe equipa competente, porque há por aí erros que fizeram história e que se devem ao facto de um abalizado técnico no seu ramo ser desde logo o perito indispensável em todos os outros.



A voz do povo, que não será neste caso a mais autorizada, aponta a necessidade de muitas ou de todas as infra-estruturas: pousadas marginais e interiores aqui e além, onde o0 caçador descansará; uma ponte sobre a ribeira de Cadavais para retirar à vila o carácter de beco e dar-lhe saída para o ar livre; a abertura da fronteira com a irmã “siamesa” S. Lucar, o que o tratado luso-espanhol de 1960 previa mas nunca foi feito; a florestação maciça (problema dos problemas, em nosso modesto entender) uma vez que os terrenos, pelo menos até hoje se mostram totalmente inaptos à agricultura, e os matos de estevas, tojos e xaraguaços não permitem a criação de qualquer espécie de gados, e, por último, a abertura de uma estrada marginal ligando a Castro Marim.

Este que colocámos em último lugar, resolveria (opinião geral) todas as dificuldades, dispensando outras propagandas e reclamos. Estamos de acordo quanto a esses resultados mas, da nossa conta, acrescentamos todos os perigos que temos vindo a apontar.

Pesem embora as guias que nos fornecem as experiências já feitas, o problema em nada perde a sua transcendência.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Um pouco de história, de actualidade e de estórias...O renascer da esperança entre os exilados espanhóis!





Escreve


Amílcar Felício


Dediquei a minha última crónica de 14 de Setembro à heróica luta do povo espanhol, que de 1936-1939 tinha ousado corajosamente agarrar em mãos o seu próprio destino, com todas as consequências trágicas que Alcoutim em parte testemunhou horrorizado. Referia nessa crónica que “mal sabia eu que quase três décadas depois do fim da Guerra Civil pelas fábricas de Bruxelas, ainda iria ajudar a enxugar as lágrimas de revolta de antigos combatentes e perseguidos do franquismo, sentir as dores e o ódio dos filhos dos fuzilados e partilhar com eles, os sonhos de um mundo novo com que muitos ainda sonhavam.”

[Bruxelas]

Estávamos no final da década de sessenta. Na realidade, depois da hecatombe de 1936-1939 e do marasmo do pós-guerra de 1939-1945 que se lhe seguiu, renascia a esperança entre os exilados espanhóis bem como entre aqueles que queriam um mundo melhor, com o surto dos grandes movimentos sociais dos anos sessenta do séc. XX.

De facto, o Maio de 68 em França e o seu reflexo na Europa, as vitórias do povo vietnamita no Sudeste Asiático que ameaçavam ajoelhar o gigante americano, o Guevarismo em Cuba e um pouco por toda a América Latina assim como a generalização dos Movimentos de Libertação em África contra o colonialismo desde os anos cinquenta, com a proclamação de diversas independências, constituíam cada um ao seu nível uma lufada de ar fresco que parecia fazer estremecer as banhas de um capitalismo e de um imperialismo cada vez mais gordo e anafado. No conjunto pareciam convergir numa única corrente, que ameaçava transformar-se num furacão de proporções gigantescas que punha em causa inclusivamente, o equilíbrio paralisante das duas superpotências da altura: EUA e URSS.

Mas era principalmente a Revolução Cultural Chinesa de 1966 que emergia como que uma ferramenta estratégica e que parecia garantir no futuro, o êxito continuado dos movimentos sociais. Na realidade, era a primeira vez que se abanava pela raiz toda uma estrutura dirigente, instalada há mais de 15 anos em “nome dos trabalhadores” – mas que com o tempo se iria naturalmente “degradando e enferrujando” – libertando todas as energias populares contra os interesses quer de “apparatchiks”, quer das castas de burocratas e de tecnocratas que tenderão sempre a moldar o poder em seu benefício. Retiravam-se assim, todas as lições das experiências fracassadas da primeira metade do séc. XX.
Historicamente, era também a primeira vez que se tentava organizar uma nova sociedade a partir de baixo. Fazia-se história!

Tratava-se de facto de uma luz ao fundo do túnel, que voltava a acender a esperança de antigos combatentes e de milhões de jovens estudantes e operários de todo o mundo, desiludidos com o enquistamento de outras experiências, algumas das quais com mais de meio século de existência como na URSS e aonde já era visível que tenderiam todas, mais tarde ou mais cedo, a repor a ordem contra a qual se tinham levantado, reproduzindo um “capitalismo de estado” à sua medida. O futuro haveria de lhes dar razão. Mas havia muita esperança no ar naqueles tempos caramba! Tudo parecia possível! Possivelmente, passe o pleonasmo, pela juventude dos nossos olhares românticos também.

Contudo, seria sol de pouca dura. A casta de burocratas e de tecnocratas chineses na década de setenta mais uma vez levaria a melhor, reconquistando o poder e fazendo pagar “aquela afronta” com elevadíssimos juros. Na realidade, transformariam a China nestas três últimas décadas, num monstro poderoso de economia selvagem (*) em vias de se tornar no motor da economia mundial a qualquer preço, ultrapassando os próprios Estados Unidos que já lhe vão comer à mão. Refira-se que a China já é neste momento o maior detentor de Títulos de Tesouro dos Estados Unidos, tornando-se assim no seu maior credor actual e o Presidente do Banco Central Chinês pasme-se, teria sugerido recentemente a compra da totalidade da dívida pública portuguesa. Demonstrando dominar perfeitamente a “arte” do mais vulgar especulador financeiro, atente-se à terrível arma política a que estes chineses pretendem deitar mão para se tornarem nos novos senhores do mundo... ao que aquilo chegou!

Estas mudanças brutais reduziriam dramaticamente os direitos dos criadores de riqueza, os trabalhadores chineses, a um único “direito”: o “direito” a trabalhar 12, 16 ou até 24 horas por dia a troco de uma “tigela de arroz”, sendo reprimida qualquer tentativa de formação de organizações independentes. A isto se reduz o tão badalado “milagre económico chinês” e que os governantes chineses vão paulatinamente exportando pelo mundo e por essa Europa fora, deitando assim gasolina para o fogo da crise financeira actual e contribuindo desta forma para transformá-la numa crise económica cada vez mais aguda, com o beneplácito dos “crânios dirigentes democratas” europeus. Estes por sua vez, com esta política do “deixa andar” não só se tornam cúmplices na manutenção da actual situação ditatorial na China (refira-se a atitude recente dos governantes chineses perante o galardoado Nobel da Paz, o chinês Liu Xiaobo), como contribuem decididamente para o aprofundar da crise económica e do desemprego crescente a que assistimos na Europa, com a falência de fábricas e mais fábricas incapazes de competir em condições tão desiguais.

[Guernica, de Picasso]

Mas voltemos aos “nuestros hermanos” para recordar uma pequena estória passada com eles em Bruxelas, numa média fábrica de produção de “chaufagens” com cerca de 300 operários e em que a maioria dos emigrantes eram espanhóis, que incluía naturalmente alguns antigos combatentes. Mas aonde havia também húngaros fugidos de 1956, checos de 1968 que tinham vindo à procura de “um socialismo de rosto humano” mas que depressa se desiludiam, jovens romenos incrivelmente despolitizados, jugoslavos na busca de um capitalismo que pagasse melhor do que Tito ou pequenos camponeses albaneses descontentes com os exageros de políticas sectárias e dogmáticas que lhes tinham confiscado as terras, apesar de se tratar de economias familiares. Decidimos certo dia parar a fábrica, com o objectivo de conseguir uma melhoria significativa nas condições de trabalho que eram péssimas.

Era obra, numa sociedade de grande consumo saída do grande “boom” capitalista do pós-guerra e com tanto contra-vapor, aonde os delegados sindicais e os próprios sindicatos estavam domesticados (foi o começo das chamadas “greves selvagens” porque fugiam ao controle dos sindicatos; as grandes fábricas na altura só aceitavam operários sindicalizados, imagine-se!) e a ideologia das classes trabalhadoras belgas passava mais pelo “tá-se bem” entre duas cervejinhas do que por qualquer tipo de reivindicação, apesar do seu forte e vivo sentimento anti-nazi, honra lhes seja feita, principalmente na parte francesa (Valónia) já que os flamengos (Flandres) tinham o estigma de “colabos”, pois tinham constituído uma base significativa de apoio a Hitler.

Quando se decidia quem iria chefiar a delegação para negociar com a administração e passando por cima do delegado sindical em quem já não acreditavam, gritam quase em uníssono `”nuestros hermanos: vay el português”. Eu que com os meus pouco mais de 20 anos os reverenciava como verdadeiros heróis e ao pé dos quais me sentia um aprendiz de feiticeiro, devo confessar que me senti tremendamente honrado com aquele gesto de confiança por representar tão distinta assembleia.

Mas ainda estava muito verdinho. Depois de quase uma hora de espera à porta do gabinete da Administração para ver se nos desmobilizavam, lá apareceu o Director e a sua equipa. Lá lhe expus os nossos argumentos até ele confirmar que sim senhor, que tínhamos razão e que iam mudar e melhorar tudo. Já dava eu a situação como vitoriosa, quando sai detrás de mim um colega dos seus 40 e tal anos, filho de um antigo Capitão fuzilado da República e que de dedo em riste junto ao nariz do Director lhe pergunta: “pero vays a cambiar cuando: hoy, mañana, el fin del més, el año que vienne, cuando?” Faltava este “pequeno” pormenor! Só saímos de lá depois dele se ter comprometido com uma data.

(*) Viagem ao outro lado da barricada: Há sempre um português em qualquer parte do mundo para contar a história, caramba! Esta, faz-me lembrar aquele dito algarvio que diz que “quando o Vasco da Gama chegou à Índia já lá estava um algarvio!” e permite, entre outras análises possíveis, reflectir no que existe de aventureiro na massa de que é feito um português!
Encontrava-me por razões profissionais na segunda metade dos anos 90 em Barcelona, quando um amigo espanhol me diz: “anda cá comigo que te quero apresentar um compatriota teu, que tem 10.000 operários na China”. Claro que pensei para os meus botões: mais um portuguesito a arrotar postas de pescada! Cumprimentámo-nos cordialmente, como sempre acontece quando os portugueses se encontram no estrangeiro. Só no estrangeiro nos apercebemos quanto gostamos de Portugal! Quando cá estamos, os outros é que são bons... lá fora, orgulhamo-nos “disto” e achamos que afinal não há nada melhor!
Marcámos um encontro para alguns meses depois em Nuremberga na Alemanha, aonde tinha que me deslocar a uma feira. Já na Alemanha convidou-me para jantar no seu Hotel de 5 Estrelas.
Aparentava ser um português médio sem grandes rasgos. Pura ilusão! Tinha uma sensibilidade e uma lucidez impressionantes quer na análise das relações estratégicas no mundo, quer sobre o deslocamento no tempo, do centro de gravidade da indústria tradicional. Dizia-me ele há mais de 10 anos: “a Europa industrialmente já foi e agora quer acordar mas já é tarde. Agora vai ser a China o centro de gravidade e depois virá a Índia a um nível ainda superior”. Parecia uma profecia: sabemos hoje de que não existe uma grande empresa europeia ou americana, que não esteja sedeada na China, assim como conhecemos também a liderança das novas tecnologias pela Índia, que está à beira de acordar.
Naturalmente, também dava palmadinhas no rabo das empregadas durante o jantar à boa maneira portuguesa, ao que elas correspondiam com um sorriso nos lábios. Era uma questão de “status” no hotel aonde se hospedava normalmente! Parece que também dava gorjetas de 100.00€ (naquele tempo em marcos), como quem come tremoços. Portanto tudo lhe era permitido.
Contou-me a sua estória. Esta será certamente um exemplo prático, de como se terá processado o princípio do fim da China Popular. Parece incrível mas foi assim: foi para a China no rescaldo da Revolução Cultural. Acho impressionante alguém aventurar-se num país com uma cultura tão diferente e numa altura daquelas: é como pensar ir montar um negócio em Marte nos nossos dias, na minha opinião!
Alugou terrenos com todas as facilidades e mais algumas ao preço da “uva mijona” e com o agradecimento efusivo do governo chinês: blah... blah... blah..., blah... blah... blah..., blah... blah... blah... Fez contractos de aluguer de terrenos por períodos de 100 anos e nos quais deveria construir fábricas – propriedade sua, privada – enquanto os terrenos seriam sempre públicos, com a única obrigação de empregar no mínimo 300 operários por fábrica. Assim começou de fábrica em fábrica até se tornar num magnata.
À despedida ainda se disponibilizou: “se precisar de alguma coisa para aquelas bandas incluindo o Vietname, telefone-me para o meu escritório de Nova York, Macau ou Hong Kong que eu vou lá consigo, pois tenho bons amigos por aqueles governos todos...” Ok “amigo”, acho que não vai ser preciso, respondi-lhe “agradecido”!
O mundo dá tantas voltas caramba, ou cambalhotas eu sei lá... mas para aonde é que ele nos leva? Responda quem souber!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

D. Manuel de Meneses, 4º Conde de Alcoutim e a sua descendência

(PUBLICADO NO JORNAL DO BAIXO GUADIANA Nº 81 DE NOVEMBRO DE 2006, P.17)

O 4º Conde de Alcoutim, D. Manuel de Meneses, antes de receber o título usava o nome de Manuel de Noronha porque a linha varonil de que provinha, era essa.

Herdou a Casa de seu irmão, D. Miguel de Meneses que foi o 3º Conde, filho do 2º que morreu sem deixar geração.

Recebeu o título em 1 de Abril de 1564.

Casou com D. Maria (ou Mariana) da Silva que foi dama da rainha D. Catarina, mulher de D. João III.

Foi o 7º Capitão de Ceuta, cargo que exerceu durante dez anos, tendo guerreado activamente os mouros.

Estava em Ceuta quando da primeira visita a África de D. Sebastião, em 1574, que recebeu ostentosamente.

Em 1577 levou de Pinhão de Belas para aquela cidade do norte de África, Mulei Môamede, xerife deposto de Fez, cumprindo assim as instruções de D. Sebastião, interessado que estava em interferir na política marroquina. (1)

Na crise da independência que se seguiu à morte do rei, tomou partido por Filipe II que por intermédio de Cristóvão de Moura acabou por aliciá-lo, tal como a marquesa, uma vez que este explorou a vaidade da mesma, sendo por sua acção que o marido se deixou levar.

Para mostrar a sua importância, assinava somente “marquês” e ela, extremamente vaidosa, “marquesa”.

O marquês era dado como inacessível por ser considerado amigo de D. António, Prior do Crato. (2)

[Alcoutim, Casa dos Condes. Foto de JV, 1969]

Nas Cortes de Almeirim de 1580, reunidas para solucionar o problema da sucessão da Coroa, D. Manuel de Meneses, já do lado do monarca espanhol, foi eleito definidor da nobreza. Já tinha prometido entregar a Filipe II de Espanha, no momento oportuno, as terras fronteiriças que lhe pertenciam, (3) nas quais, como é óbvio, se incluía Alcoutim.

Tudo isto foi recompensado por Filipe II que lhe deu o título de Duque de Vila Real em 28 de Fevereiro de 1585, já desfrutando os títulos de 7º Conde e 5º Marquês e o de 4º Conde de Valença.

Morreu a 2 de Setembro de 1590. (3)

Do seu casamento com D. Maria da Silva, nasceram nove filhos, sendo três varões.

O primogénito, D. Miguel Luís de Meneses, veio a ser o 5º Conde de Alcoutim, 8º Conde e 6º Marquês de Vila Real e 1º Duque de Caminha. Casou duas vezes, sendo a segunda com sua sobrinha D. Maria Brites de Meneses, não havendo geração de qualquer dos consórcios.

Outro dos filhos foi D. Jorge de Lara que morreu criança.

Aparece depois D. Luís de Noronha e Meneses, que devido ao facto de seu irmão e genro não ter deixado geração, veio a herdar o título, tendo sido o 6º e último Conde de Alcoutim que veio a morrer degolado no Rossio, em Lisboa, no dia 29 de Agosto de 1641, por ter participado na conjura contra D. João IV.

Casou com D. Juliana de Meneses (Tarouca) de cujo casamento nasceu D. Miguel Luís de Meneses que foi segundo Duque de Caminha, igualmente justiçado no Rossio e D. Maria Brites de Meneses que havia casado com seu tio, D. Miguel de Meneses, 1º Duque de Caminha, do qual enviuvou vindo a casar com D. Pedro Portocarrero, 7º Conde de Medelim.

Das seis filhas de D. Manuel de Meneses e de D. Maria da Silva, três vieram a casar:- D. Brites de Lara e Meneses com D. Pedro de Médicis, filho do grão-duque de Florença, Conde de Médicis. Recolhendo-se ao Mosteiro de Jesus, em Aveiro, cedeu o seu solar na cidade para se instalar provisoriamente o Mosteiro de Nossa Senhora do Carmo, de Carmelitas descalças.

[Alcoutim, Casa dos Condes. Pátio interior. Foto JV, 2010]

Em 1620 operou-se a mudança para as novas instalações, tendo a nobre Senhora dado mil cruzados de renda, sendo quinhentos para obras e os restantes para missas por sua intenção. Na igreja ficou sepultada em túmulo de mármore, do lado do Evangelho.

Pretendeu fundar uma casa de religiosas, para o que pediu as licenças necessárias que depois de grande espera lhe foram indeferidas, falecendo em 4 de Junho de 1648, pouco tempo depois de receber a notícia da não autorização. Passou por isso pela morte do irmão, 6ºConde de Alcoutim e do sobrinho, 2º Duque de Caminha.

Era muito amada do povo que a conhecia por mãe dos pobres, amparo dos órfãos e viúvas, consolação de atribulados e remédio de afligidos. (4)

D. Juliana de Lara, foi outra das filhas de D. Manuel de Meneses e que veio a casar com D. Sancho de Noronha, 6º Conde de Odemira, filho póstumo do 5º Conde, D. Afonso de Noronha, que morreu na batalha de Alcácer-Quibir e de sua terceira mulher, D. Violante de Castro.

Depois da Restauração foi por D. João IV elevado a mordomo-mor da rainha D. Luísa de Gusmão, falecendo poucos dias depois da obtenção do cargo.

A outra filha que casou, foi D. Joana de Lara que o fez com João Álvares Pais de Meneses de Albuquerque. Sabemos que tiveram dois filhos:- Brás Álvares Pais de Meneses, capitão e D. Maria de Lara que casou com D. Duarte de Bragança, Senhor de Vila do Conde.

D. Filipa e D. Maria de Lara tomaram a clausura no Mosteiro de Santa Ana, de Leiria, de cujo castelo seu pai foi alcaide-mor. D. Inês de Meneses, que presumimos ser a mais nova, ingressou na Ordem de S. Bernardo, no Mosteiro de Almoster (Santarém).
A geração continuou com o segundo casamento de D. Maria Brites de Meneses e com D. Maria de Lara. (6)

___________________________________________

NOTAS
(1) – Dicionário Ilustrado da História de Portugal, Publicações – Alfa , 1982
(2) – O Cardeal D. Henrique , Mário Domingues , Ed. Romano Torres , 1964
(3) – Brasões da Sala de Sintra, Anselmo Braamcamp Freire, Imprensa Nacional -Casa da Moeda.
(4) - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
(5) - Nobreza de Portugal e do Brasil, Edições Zairol, Lda.
(6) - http:// genealogia. sapo . pt/hom

domingo, 24 de outubro de 2010

Francisco do Rosário





Escreve

Gaspar Santos







Quando por todo o país se comemora o Centenário da Implantação da República, não podia deixar de lembrar o Senhor Chico do Rosário. Um político republicano, alcoutenejo ilustre, com quem privei e que era amigo da nossa família. Há muito que tencionava recordá-lo.

Era um homem de aspecto físico robusto, maciço, de altura mediana. Corajoso, frontal, sem timidez. De palavra fácil, dizia só as indispensáveis, compensadas com uma boa eficácia. A sua escrita era igualmente eficaz.

Morou alguns anos num edifício que esteve muito tempo demolido e que deu lugar ao espaço ajardinado, com um repuxo, na envolvente ao Castelo. Foi inaugurado com o seu nome no dia do município em 14 de Setembro de 2007.

[Jardim Francisco do Rosário. Foto JV]

Morava ali, mas logo pela manhã, de verão ou de inverno, podíamos vê-lo em tronco nu, envolvido por um casaco, dirigir-se à casa em frente à Fábrica de Foices, a chamada “sacristia”, onde se ia lavar. Não sendo um manga-de-alpaca, trajava sempre de fato completo e gravata muito suja nos dias normais de trabalho. Mas impecavelmente vestido quando viajava.

Recordo-me da sua figura altiva, muito compenetrado a conduzir uma “charrette” puxada por um cavalo. Esta, com pneus, fora adaptada nas oficinas da família à custa da parte traseira de automóvel dos anos 20 em fim de vida. Recordo-o passeando na feira de S. Marcos no Pereiro pendurado num enorme charuto…ele que nem fumava. Ou, não sendo religioso, atento na primeira fila do espaço por ele cedido para um culto evangélico que as autoridades dos anos 50 não quiseram ceder. Isto para referir o seu aspecto cheio de si e de auto-estima.

Tinha um trato afável e simpático sob aquela altivez. Que ainda era mais cavalheiresco quando se tratava de sua mulher a quem tratava com muita ternura por Armindinha, ou, quando calorosamente atendia pessoa que ele muito estimasse.

Recorriam a ele para meterem empenhos (hoje diríamos cunhas) junto de influentes. Ia terminar a tropa na Marinha um jovem da freguesia do Pereiro de nome Guerreiro que se queria empregar. Fardado, visitou o Almirante Gago Coutinho, já muito velhinho, que lhe perguntou: ”o que queres meu marujo” ao que ele responde “sou de Alcoutim e quero empregar-me na Alfandega em Vila Real Santo António”. Diz o Almirante: “és protegido do Francisco do Rosário… está descansado…deixa aí a tua identificação”. O Guerreiro nem tinha ainda falado do Rosário, mas aproveitou. Depois de empregado, agradeceu ao Senhor Chico do Rosário, que nada sabia e se limitou a dizer, sem qualquer azedume: “foste então tu a aproveitar a cunha que eu meti para outro…”

Era uma pessoa generosa, de uma família também generosa. Disso, são exemplo as refeições de papas de milho que fornecia gratuitamente na sua moagem de cereais do Pereiro a muitos pais de família esfomeados que nos anos da II Guerra Mundial lá iam com uma senha do racionamento comprar 4 ou 5 kg de farinha de milho.

Tinha já preocupações com o ambiente nos anos 20 quando foi Presidente da Câmara, ao fazer sair um folheto alertando para o perigo do sulfato de cobre das Minas de S. Domingos que ao escorrer para o rio matava os peixes.

[Bancos da Capela. Des. JV]
Recordo-me das nossas conversas nos bancos da capela (designação dada à Igreja Matriz) quando líamos os jornais. Ele era assinante e grande leitor da República, mas não deixava de ler outros jornais como o Século. Por vezes eu estava na capela a ler O Século e ele aparecia. E dizia na sua forma assertiva, seca e de poucas palavras: “ dá cá o jornal” e lendo todos os títulos de uma ponta a outra ia pontuando no fim de cada título que não lhe interessava, “merda, merda!”.

Enquanto ele lia O Século emprestava-me para eu ler o República. Foi assim que acompanhei a evolução e o fim da Guerra Mundial 1939/45. As eleições inglesas a seguir à Guerra. As esperanças que ele alimentava de que os Aliados no rescaldo da Guerra, pusessem fim às duas ditaduras Ibéricas. O Lançamento das duas Bombas Atómicas. A Guerra da Coreia, a destituição do General Mac Arthur após quase lançar outra Bomba Atómica na Coreia. Nunca percebi, porém, qual o grau de simpatia que lhe merecia cada líder das três grandes potências Aliadas.

Uma vez interpelei-o: “que povo Inglês é aquele que depois da vitória de Churchill na guerra, logo a seguir dá a vitória a Atlee nas eleições”. Resposta: “É a democracia, rapaz! Churchill empolgou o povo na guerra. Na paz e para a sociedade inglesa agora é melhor Attlee. Não é ingratidão”.

O exemplo do Senhor Chico do Rosário esclareceu-me o dito Inglês “time is money”. O tempo parece ter-lhe sempre escasseado. A falta de tempo levou-o algumas vezes a atrasar a camioneta de carreira de manhã quando ia para Vila Real ou à tarde quando ia para o Pereiro. A falta de tempo, que mais parecia falta de dinheiro, fê-lo muitas vezes telefonar para a funcionária do correio, dizendo: “ Santinha aguarda pelo meu pagamento até amanhã pois não posso ir agora aí”; ou para o Senhor Leopoldo do Grémio da Lavoura (que fora empregado no seu comércio) com o mesmo pedido, o que às vezes deixava essas pessoas preocupadas. Mas, com mais ou menos diligências, pagou sempre.

Há anos, após nova legislação sobre as matrizes prediais obrigando à identificação das propriedades, vimos na Hortinha no caminho para o cemitério, na mesma oliveira, uma placa de madeira com “Proprietário Joaquim António do Rosário” e outra com “Propriedade de José Hermógenes Duarte Rosário. Indiciava e, dizia-se, haver confusão de partilhas que não teriam ficado claras entre o Senhor Chico do Rosário e o Irmão António que, pensamos, já estará hoje esclarecida.

[Moinho da Chada, Pereiro, onde funcionou primitivamente a moagem. Foto JV, 2006]

Conheci o Senhor Francisco Madeira do Rosário, já como gerente comercial da Fábrica de Foices de Alcoutim e da Fábrica de Moagem de Cereais do Pereiro, pertencentes à família. Nos anos 30 do Século passado possuíram também um estabelecimento em Alcoutim de vinhos e mercearias e tudo o que hoje se pode adquirir num supermercado. Aí nesse estabelecimento e nos montes compravam ovos para exportar para Espanha, tendo para isso um armazém em Sanlúcar.

Na fábrica de foices, enquanto o irmão António Madeira do Rosário dirigia as questões técnicas e procedia à última etapa do trabalho em série que era picar as foices, ele procedia à sua embalagem em caixas, e à sua colocação no mercado e às tarefas de promoção por todo o Alentejo e Algarve.

[Actual Rua S. Salvador onde funcionou a fábrica de foices. Foto JV, 2009]

Algumas pessoas no concelho, por atribuírem mais mérito ao trabalho manual e comparando os dois irmãos, consideravam que o António do Rosário era quem trabalhava. Quero aqui salientar, para ser justo, o trabalho de gestor do Francisco. Era ele que encomendava as toneladas de aço e carvão e outros combustíveis que a fábrica consumia. Tendo ainda alguma componente manual na embalagem das foices. O mesmo se passando com a moagem do Pereiro.

Era um político anti-fascista e anti-Salazarista, importante antigo militante do Partido Republicano Português (PRP) no concelho, tendo sido várias vezes preso pela PIDE. Aderiu ao PRP após uma conversa estabelecida casualmente com o Doutor Afonso Costa durante uma viagem no “Gasolina” da carreira Vila Real Santo António – Mértola. Essa longa conversa funcionou como uma lavagem a um cérebro que já tinha predisposição republicana e, foi assim, sem desfalecimentos até á sua morte.

Foi o último Presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, durante a República, entre 1920 e 1926. Mas, segundo consta, do seu mandato não se encontram actas, despachos ou qualquer documento assinado por si. Teriam sido destruídos durante o Estado Novo? Foi exonerado após o Movimento do 28 de Maio de 1926. Sendo substituído pelo Prof. Trindade e Lima, delegado escolar, colega da Prof. D. Arminda do Rosário, mulher do Senhor Chico do Rosário.

Alguns anos depois, já em 1940, a vida profissional da D. Arminda foi alterada ao ser transferida para Vila Real de Santo António, por haver poucas alunas a leccionar e a Escola Feminina de Alcoutim passou a ter uma Regente Escolar. Estas razões oficiais nunca convenceram nem a ela nem ao marido.

Quando da Revolta Monárquica do Porto em 1913 ele era militar em Tavira, onde atingiu o posto de sargento, tendo marchado para o Porto com o seu regimento.

Participou no Algarve na revolta de Fevereiro de 1927 contra a Ditadura Militar, encabeçada no Porto pelo General Sousa Dias. No Algarve a revolta rebentou no dia 4 de Fevereiro com bombardeamento de Faro a partir da canhoneira Bengo comandada pelo 1º Tenente Sebastião José da Costa. O Blog Almanaque Republicano descreve os acontecimentos no Algarve e faz uma lista (que reconhece não exaustiva) de participantes. Refere que foram 174 detidos e recolhidos no dia 20 de Fevereiro na Penitenciária de Lisboa. Constam dessa lista, além do Rosário, Almeida Carrapato, tenente Francisco Ribeiro … e mais alguns amigos dele que conheci em Alcoutim quando lá iam em serviço e o visitavam.

Colaborou ainda em mais golpes contra o Estado Novo, sendo preso e objecto de buscas várias vezes por motivos políticos, mas a sua disposição nunca quebrou e prestou ajuda a perseguidos políticos na passagem clandestina da fronteira.

[Praça da República onde funcionou o comércio da Família Rosário. Anos 60]

Ainda colaborou na mobilização dos seus simpatizantes nas Campanhas eleitorais de Norton de Matos, Humberto Delgado etc. Voltou a ser suspeito e preso, ele e seus filhos por altura da fuga do capitão Henrique Galvão do Hospital de Santa Maria.

O dia da queda da ditadura, 25 de Abril de 1974, já ele não festejou, pois tinha falecido em 1972. Os seus familiares festejaram por ele.

No início da Guerra Civil de Espanha estava em Madrid, deu colaboração aos republicanos e estava em Alicante no final. Consta que chegou a estar preso, com a vida por um fio, de que teria sido salvo por intervenção de um seu adversário das lutas eleitorais durante a Primeira República, de nome Ramires de Vila Real Santo António.

Durante a Guerra Civil de Espanha e no princípio da Guerra Mundial que se lhe seguiu, a correspondência para a família Rosário era lida em primeiro lugar pelo Quaresma um hitleriano e PIDE que era então Chefe da Secretaria da Câmara e Gerente da Delegação da Federação dos Trigos.

Casou com D. Arminda Duarte Rosário. O casamento deles rodeou-se de um aspecto curioso. Estava na hora da cerimónia no Registo Civil e ele ainda estava num dos bancos da Capela a ler o jornal. Foi lá o pai chamá-lo, admoestando-o “não tens vergonha, a noiva e os padrinhos já estão no Registo e tu ainda aqui”. Resposta: “tragam aqui o livro do Registo Civil que eu assino já” e assim foi, levaram-lhe o livro e ele assim ficou casado.


[Cidade de Vila real de Sto. António onde faleceu Francisco Madeira do Rosário]

Um casamento muito duradoiro em que ele foi sempre de muito carinho pela Senhora D. Arminda. Tiveram dois filhos, que se licenciaram em engenharia civil: José Hermógenes Duarte Rosário, falecido no ano passado e Francisco Rosário (de quem eu era muito amigo) falecido em acidente com gás durante o banho. Acompanhei o seu velório e verifiquei que o Pai sentiu um grande golpe com a sua morte. Quando lhe demos um abraço de pêsames ele disse-nos, “eu é que devia estar ali” – já tinha perto de 80 anos.

Morava, já viúvo, nos últimos tempos de vida, em casa do filho José na Praceta José Lins do Rego em Lisboa, e vi-o muitas vezes a ler o Jornal numa pastelaria ali perto no Campo Grande à esquina com a Avenida do Brasil.

No dia 5 de Outubro de 2010, nas comemorações do Centenário da Implantação da República foram descerradas placas toponímicas na vila, que perpetuam três nomes de alcoutenejos ligados à República, entre eles o de Francisco Madeira do Rosário.

Curiosamente, quando éramos membros da Assembleia Municipal de Alcoutim, e se construía o Bairro do Rossio, sugerimos à Câmara (pois a A.M. não propõe), o nome de Francisco Madeira do Rosário para uma rua nesse Bairro. Foi imediatamente recusada. Pareceu-me então, que toda a Assembleia o desconhecia! Fiquei satisfeito por lhe ser dado agora esse reconhecimento.

O que dizemos acima são observações pessoais enriquecidas e datadas por leitura do Blogue Almanaque Republicano, do Blogue + Algarve, da Revista Municipal nº 14 de Janeiro de 2008, da Galeria dos Presidentes de Alcoutim e do Livro QUEM FOI QUEM? 200 Algarvios do Século XX, Glória Maria Marreiros, Edições Colibri, Lisboa, págs 439 e 440.

Considero importante não deixar esquecer esta figura que em muitos aspectos admirámos e estimámos em vida, pelo que aqui fica o meu testemunho, dando a conhecê-la de uma forma mais ampla, mais realista e isenta,

sábado, 23 de outubro de 2010

A razão das nossas razões

Pequena nota

Como é do conhecimento dos nossos visitantes/leitores, existe um intercâmbio entre o JORNAL RAIZONLINE e o ALCOUTIM LIVRE atendendo o benefício que ambos podem obter.
O JORNAL, de grande expansão no MUNDO LUSÓFONO, nomeadamente no BRASIL onde conta com um leque alargado e conceituado de colaboradores tem sido um veículo importante para levar ALCOUTIM a essa e a outras partes do MUNDO como provam as visitas verificadas, nomeadamente do Brasil.
No seu último número o JORNAL que reproduz o nosso artigo sobre a Implantação da República, o nosso Amigo Daniel Teixeira, seu Director, na COLUNA UM faz um comentário, a outros comentários, apresentando aquilo que considera ser a sua razão.
Não deixou de ter uma palavra para os problemas alcoutenejos e é interessante constatar que lhe chama a sua terra (sua no sentir, no amar nas vivências que teve) , quando na realidade não o é, mas sim de alguns dos seus antepassados.
O farense Daniel Teixeira ficou marcado para todo o sempre por esta pobre região encravada na serra do Caldeirão.

Obrigado pelas suas palavras e um abraço do


JV








COLUNA UM
Escreve
Daniel Teixeira




Há dias coloquei a correr no DJ (curso automático) da nossa Rádio Raizonline um spot descrevendo as ambições ou planos ou preferencialmente esquema natural do Jornal e da Rádio que no seu final diz quase textualmente o seguinte: «nós seguimos um bom caminho, os outros é que estão errados», e nesse mesmo final não consegui conter um perceptível sorriso quase riso porque me lembrei daquilo que dizem alguns doentes mentais.

Hoje calhou visitar um Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental e entre algumas afirmações que nem sempre recordo «apanhei» para esta colecção de palavras que aqui segue hoje, que é convicção entre alguns desses mesmos doentes mentais que o «doente mental perigoso - ou com perigo para os outros ou para a sociedade» é aquele que não está «ali» porque eles, de uma forma geral estão medicados, são cuidados, são seguidos por profissionais a quem se atribui competência.

Na verdade faltaria acrescentar que na perspectiva de alguns nem todos os que lá estão (no D. Psiquiatria e S. Mental) serão (doentes mentais a tanto ponto conotativo), que eles é que estão certos (e neste plano referido acima sobre o ser cuidado ou não ser cuidado a lógica é realmente imbatível e terá de se achar que sim) e voltemos ao meu texto afirmação que levou a esta pequena divagação dadas as palavras por mim utilizadas e a conotação geral que lhes é dada.

Temos afirmado desde sempre que o nosso mundo, o nosso ambiente de trabalho se quisermos é aquele que resulta naturalmente da chegada e da complementação dos nossos colaboradores. A nossa actividade enquanto corpo director e redactorial do jornal limita-se a fazer uma gerência quase nula dos conteúdos publicados, a uma organização esquemática para trazer alguma diversidade temática a cada número, a tentar manter que a dado volume de poemas corresponda um volume calculado de contos e a estes um dado volume de crónicas e trabalhos de cultura e etc.

Depois e desde sempre, as coisas têm acontecido naturalmente e se realço hoje este facto é porque realmente interessa re - frisar o mesmo e porque ele se torna bastante fácil de ser visto através da análise de uma «simples» secção - a cultural.
Se seguirmos a ordem de colocação no seu índice próprio, ela também resultante de uma ordem quase aleatória na sua composição, veremos que temos em primeiro lugar o escritor Santomense Francisco Costa Alegre que frisa bem dentro das linhas escritas a condição do escritor em São Tomé e Príncipe e faz mesmo uma comparação entre uma novela depois telenovela e filme de um autor português (Equador, se chama a dita na sua origem) lamentando que a mesma referindo S. Tomé nem sequer tenha lá posto os pés para ser rodada.

A seguir vem o nosso amigo e colaborador Manuel Fragata de Morais que nos conta uma história que mete em jogo também a relação entre o grande e o pequeno, entre o rico e o pobre, entre o europeu e o africano.

O nosso amigo Acas - António Carlos Affonso dos Santos, fala-nos de um cantador cego e da importância do cantador / contador de histórias como elemento relacionado com a população pobre e como elemento credibilizador do noticiado noutros meios de comunicação.

O José Varzeano, que é uma personagem que admiro muito, e não é por falar da minha terra mas sim porque desenvolve um trabalho quase inglório de antropologia - de tudo ao fim e ao cabo - baseando os seus relatos numa região serrenha algarvia que se encontra em vias de extinção depois de ter tido alguma importância no contexto económico e social geral.

A Arlete Deretti Fernandes fala-nos da leitura no Brasil, fazendo referências à necessidade de alfabetização ao mesmo tempo que relata noutro texto a triste sina dos professores sina essa que é quase universal. Na verdade toda a gente (todos os políticos) fazem questão de defender a educação verbalmente e normalmente fazem questão de realizar o contrário assemelhando-se muito à filosofia e história do «soba» esperto que não queria que ninguém soubesse mais que ele (pelo menos durante o tempo da sua vida).

Salto o meu texto que refere Florbela e a filosofia estóica e a análise bem interessante no plano psicológico de Montaigne para entrar da dualidade campo cidade do Afonso Santana.

Dentro de tudo o que aqui descrevo há um fio condutor que pode até considerar-se uma corda daquelas de amarração dos navios.

Seja em São Tomé e Príncipe, seja em Angola, seja em Alcoutim, seja na dualidade campo cidade, na escrita, nos relatos a situação é a mesma no seu plano geral, vistas que sejam as especificidades das preocupações resultantes das histórias locais.

Quem em termos de comunicação social não reconhece isto, não consegue ler de forma clara esta diversidade unificada (e não única) está verdadeiramente errado e nós estamos de facto certos. Só isso...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Rua da Misericórdia, à noite



A Câmara Escura de hoje é de recente feitura pois a máquina digital disparou em Agosto último.

Como o cabeçalho indica, representa a medieval Rua da Misericórdia, à noite.

Esta via, a que se segue com as mesmas característica a chamada Rua Portas de Mértola, com a actual Dr. João Dias e no seguimento a de D. Sancho II, constituíram, durante séculos os eixos fundamentais do velho burgo que desembocavam na praça ou largo onde se situavam o poder político, administrativo e de justiça (Câmara, Repartições Públicas, Pelourinho e Cadeia), a religiosidade, (Igreja Matriz, da Misericórdia e Capela de Sto. António) e as indispensáveis transacções comerciais, negócios de algum volume e a que se associavam as inerentes a qualquer meio urbano (comércio a retalho).

Nalguns casos esse espaço teve funções de rossio, o que aqui não aconteceu.

Era também nesta área que se situavam as habitações dos grandes senhores, como a apalaçada “Casa dos Condes”, a residência do “Capitão-Mor” e as “Casas Nobres” do Padre António, actuais Paços do Concelho.

Este espaço só era levemente interrompido pelas “Casas da Câmara” arruinadas pela grande Cheia de 1823 e em cujo local se vieram a construir muitíssimo mais tarde as antigas escolas, edifício ainda hoje existente e pelo templo mais novo da vila, a Capela de Sto. António.

Ainda que por veredas e caminhos aqui chegasse o povo do concelho, era o Guadiana que trazia o grande afluxo que beneficiava do velhíssimo cais, mesmo junto às Portas do Rio ou do Guadiana.

Embora esta ruela bem característica da idade média certamente tivesse sido conhecida por Rua da Misericórdia a partir do séc. XVI já que era e é ali que se encontram as suas instalações administrativas e religiosas, o nome oficial só teve lugar muito depois.

Era por esta rua que passavam as primeiras camionetas de transporte público que serviram a vila.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Lembrando o Dr. João Francisco Dias no 90º aniversário do seu nascimento

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 22 DE DEZEMBRO DE 1988)



Há quinze anos publicámos nas páginas deste semanário, um pequeno “escrito” sobre esta FIGURA que, como então referi, não cheguei a conhecer.

Era como que uma pequena “biografia” alicerçada em recortes de jornais e noutros dados que recolhi.

Lembrava-o na passagem do 18º aniversário do seu falecimento e o então escrito serviu-me mais tarde para o referir num trabalho publicado sobre Alcoutim e o seu concelho.

Para aqueles que nunca ouviram falar no Dr. João Francisco Dias, direi que nasceu em Corte Velha, freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim. Licenciou-se em medicina na Universidade de Coimbra, em 1927 e, depois de uma curtíssima passagem pela terra natal, fixou-se na vila de Alcoutim, que amou como poucos e onde veio a falecer com apenas 57 anos, quando muito ainda havia a esperar da sua inteligência, competência profissional, enorme capacidade de trabalho e amor ao próximo.

[Monte da Corte Velha, freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim. Foto JV, 1972]

Bom médico, excelente cirurgião, fundou o Hospital da Misericórdia, fazendo sozinho o trabalho de uma equipa médica. De tal maneira que o seu nome começou a ser conhecido nas zonas circunvizinhas mas rapidamente se alastrou a todo o Sul do país e zona confinante espanhola, aparecendo na vila, para o consultar, gente de terras bem distantes que quase sempre desenganados, encontravam aqui a sua última esperança, muitas vezes concretizada.

Alcoutim era nessa altura, uma vila hospital!

Mas não era só a competência profissional que trazia aqui os doentes. Além desse prestígio, gozava o Dr. Dias da fama de ter um bondoso coração e tanto tratava os que podiam pagar, como os que não tinham posses para isso, chegando mesmo, nos casos mais gritantes, a pagar do seu bolso os medicamentos.

Lá por não ter dinheiro não se deixa de tratar – era a frase que habitualmente pronunciava. E era assim.

“O Dr. João Francisco Dias! Um santo!

Não, um homem com as fraquezas inerentes à condição humana; mas um homem com excelsas qualidades”, foi assim que o definiu o Prof. Trindade e Lima, que bem o conheceu.

Não nos iremos alongar mais, mas era conveniente fazer este pequeno resumo para aqueles que o não conhecem.

Dois factos passados comigo, são elucidativos do nome que ganhou, ao qual o de Alcoutim andou sempre associado.

Quando em 1967 tivemos conhecimento de ter sido colocado na pequena vila raiana, a primeira informação que sobre ela tivemos, a trezentos e tal quilómetros de distância, foi-nos dada da seguinte maneira: “Olhe, teve um médico excepcional, depois do seu falecimento, aquilo morreu”.

Anos depois (1980), as andanças profissionais trouxeram-nos para uma cidade piscatória no centro do país.

Conhecemos então um velho pescador oriundo de Quarteira que para aqui veio, em novo, à procura de melhores condições de trabalho, que obteve e por cá ficou, constituindo família.

Quando lhe falámos de Alcoutim, uma vila do Algarve, disse-nos que dela só sabia ter existido um médico que “fazia milagres” e onde ia muita gente dos seus sítios. Isto aconteceu vinte e cinco anos após o falecimento do ilustre médico!

São dois pequenos episodias que testemunhámos e penso, confirmam o que atrás escrevemos.


Ainda em sua vida, o povo do concelho homenageou-o na qualidade de fundador do Hospital da Misericórdia, ficando o facto atestado por lápide colocada na fachada daquele edifício (1942).

Também o povo da freguesia de Giões lhe presta homenagem (1954), encontrando-se colocada uma lápide na antiga sede da Junta de Freguesia.

O falecimento do Dr. João Francisco Dias, ocorreu a 8 de Março de 1955. A vila de Alcoutim ficou mergulhada em constrangimento e à deriva pois tinha perdido o seu timoneiro.

Organizou-se uma comissão para erigir um busto que perpetuasse a sua memória. De princípio, a ideia circunscrevia-se apenas ao concelho, mas em virtude das ofertas que chegavam de todos os pontos do País, resolveu-se torná-la extensiva a todos os que quisessem compartilhar do reconhecimento ao “médico dos pobres”, onde quer que se encontrassem.



Em 10 de Março de 1957, com a presença de numerosas individualidades e muito povo, foi descerrado o busto à memória do grande benemérito.

Entretanto é dado o seu nome à rua em que se situa a casa onde faleceu.

É possível que além destes dois testemunhos de agradecimento e homenagem, outros tivessem aparecido mas, se existiram não são do nosso conhecimento.

Mas afinal porque me dispus a escrever estas linhas?

Como o título indica, lembrá-lo, ainda que modestamente, na passagem do seu 90º aniversário natalício que ocorreu no dia 22 do corrente e, … não só.

O nome do Dr. Dias está a empalidecer, o que é natural com o rodar dos anos – o que já não é natural é o ritmo que está a tomar.

[Rua Dr. João Dias e casa onde faleceu.Foto JV, 1970] Quando chegámos à vila pequenina, e já lá vão vinte e um anos, chamou-nos a atenção o jardinzito situado junto à parede lateral da Igreja da Misericórdia, local em que se encontrava o busto do Dr. João Dias.

Pensamos mesmo que o jardim foi feito para o receber.

Era então um pequenino jardim com três bancos de suportes de pedra e travessas de madeira. Num canteiro alongado situava-se uma pequena palmeira e alguma relva. Umas tantas roseiras que “Ti” Chico Barão enxertava, já que não era mestre de nada, mas tudo sabia fazer.

Naqueles bancos passei algumas horas cismando, queimando o tempo que me sobrava.

Era um local limpo e acolhedor.

E agora? O que se passa agora?

De jardim, nada tem, bancos partidos, madeiras podres, espaço ocupado pelos veículos ligados ao Ministério da Saúde, estando mesmo, se a memória não nos falha, transformado o jardim em parque de estacionamento privativo.

Quando foi instalado o Centro de Saúde, em propriedade da Santa Casa da Misericórdia, transformou-se a igreja em capela com destruição do altar de pintura marmórea, do tempo de D. João VI. O chão foi escavado para poder fazer uma arrecadação, mais tarde transformada em garagem.

A situação vem de 1973, se a memória não nos atraiçoa.

Na última vez que visitámos o local, era confrangedor o seu aspecto. Pensamos que terá de ser tomada uma opção. Ou jardim, ou parque de estacionamento.

“Promover” o Ilustre Médico e Benemérito a figura que mais nome deu a Alcoutim, pelo menos no último século, a “guarda do parque”, isto sem qualquer desconsideração por tal profissão, como é evidente, não nos parece justo.

Verdade seja que presentemente não é fácil encontrar local para a mudança. Alvitrámos nestas páginas, na edição de 18 de Maio de 1984 um, que nos parecia ideal, mas parece-nos que ainda não estão reunidas as condições para o efeito.

Há que dar ao monumento a dignidade que ele merece.

É preciso “mostrar” às novas gerações, quem foi o Dr. João Francisco Dias e dá-lo como exemplo, quanto mais não seja, no tocante ao amor que dedicou a esta vila e seu concelho.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O rodo





O utensílio que hoje apresentamos constitui quase que uma recordação, já que são poucos os que ainda vão aparecendo pelo concelho.

Enquanto a primeira fotografia é a resultante de uma miniatura exposta em painel e já com um sentido didáctico, a segunda representa um exemplar ainda em actividade e que encontrámos num monte quase desabitado na freguesia de Vaqueiros.

RODO é um utensílio constituído por um cabo mais ou menos comprido, tendo em atenção a sua utilização e que na extremidade se liga a uma folha do tipo das enxadas rasas.

O material de que é feito é variável, igualmente dependente da sua utilização.

O rodo destina-se a recolher e juntar alguma coisa, como o sal nas marinhas, os cereais nas eiras, o dinheiro nas mesas de jogo, a água nos pavimentos encharcados (aqui a folha é provida de uma borracha) e lembramo-nos em criança de ver o limpa sarjetas fazer o seu trabalho com um pequeno rodo todo em ferro. Mas o rodo que queremos apresentar hoje é o utilizado para recolher e juntar a cinza proveniente dos fornos de cozer pão a lenha.

Até meados do século passado em todo o concelho de Alcoutim, o fabrico do pão constituía um encargo familiar tal como a confecção das refeições, ainda que este fosse feito de semana a semana, constituindo aquilo a que designavam a “amassadura”.

As transformações da vida com a construção de estradas de acesso às várias povoações, a existência de reformas ainda que pequenas, a saída dos braços capazes de trabalhar para outros locais procurando melhores meios de vida, deixaram nas pequenas povoações os idosos ou aqueles que estavam perto disso.

Enquanto os homens deixaram de semear o trigo por falta de forças e porque a farinha lhes saía mais cara do que se a comprassem, as mulheres já tinham dificuldade em amassar. Começou também a ser mais difícil o arrancar e o transporte das estevas para aquecimento dos fornos.

Os vendedores ambulantes começaram a aparecer e as reformas apesar de pequenas iam dando para comprar o indispensável “panito”.

Os pequenos fornos caíram por falta de manutenção e os rodos, quando não queimados no “fogo”, acabaram por apodrecer.

domingo, 17 de outubro de 2010

Lucindinha ou as propriedades de um "cortilho do Loureiro"

Pequena notaEsta pequena “estorieta” não se passou em Alcoutim mas podia ter-se passado em qualquer ponto do País onde as características são muito semelhantes.
José Temudo, com a habilidade da sua escrita, dá-lhe um toque de graciosidade.
JV





Escreve

José Temudo


Da boca de pessoa de família, ouvi, há dias, uma pequena e muito engraçada “estorieta”, aliás, verdadeira, que me fez lembrar uma outra, passada em Chaves, há muitos e muitos anos, era eu um jovem mal acabado de sair da adolescência.

Há tanto tempo foi que esqueci o nome da protagonista. Foi a Amélia que mo lembrou. Lucindinha, assim era chamada. O diminutivo era não só a expressão do carinho piedoso dos que a conheciam, como também estava relacionado com a sua muito baixa estatura que não iria muito além da de uma anã. Desconheço que idade elça teria então. Quarenta, cinquenta, sessenta anos? Vá-se lá saber a idade de uma anã ou de uma quase anã! Igualmente, esqueci a que família pertencia ou em que casa morava. Lembro-me, contudo, do “território” que habitava e onde eu, diariamente, a via: na Praça ou Largo de Camões e nas pequenas e estreitas ruelas que a poente lhe dão acesso.

[Chaves, Largo Camões]

Em que se ocupava e de que vivia esta pequena e inofensiva criatura, mas cujo rosto era tão feio que causava estranheza e medo à arraia-miúda? Tanto quanto me recordo, ela ocupava o seu tempo prestando pequenos serviços à vizinhança, como ir à mercearia, à padaria, à tasca, lavando a louça de um pequeno café, varrendo a rua à frente das portas das casas... coisas assim. E, em troca, as pessoas davam-lhe comida e protegiam-na dos gandulos que, sem dó nem piedade, lhe atazanavam o pouco juízo que ela tinha. Verdade se diga, a Lucindinha também gostavam de amedrontar a pequenada, que pegava de estaca à sua volta, rangendo os dentes e emitindo sons mais animalescos do que humanos.

Um dia, a Lucindinha adoeceu gravemente. E, alguém, da família ou da vizinhança, levou-a ao Hospital da Misericórdia, que ficava no Largo, ali mesmo à mão. Foi examinada pelo médico de serviço, profissional competente e pessoa séria e de poucas palavras que, dirigindo-se à enfermeira religiosa que o acompanhava, lhe sussurrou:
“Aqui, já nada há a fazer, restam-lhe poucas horas de vida.” E acrescentou: “Quanto à dieta, dêem-lhe o que ela quiser ... se ela ainda quiser alguma coisa.”

[Igreja da Misericórdia de Chaves]

A freira retrocedeu à cama onde estava a Lucindinha e vendo-a de olhos abertos, ainda que mortiços, perguntou-lhe carinhosamente:
“Então, Lucindinha, apetece-lhe alguma coisa, uma aletriazinha ou um cremezinho? Vá, diga lá: o que lhe apetece?”

Por um breve momento, os olhos da Lucindinha ganharam um pouco de luz e balbuciou custosamente estas palavras:
“Um cortilho do Loureiro.”

A freira ia negar-lhe terminantemente o pedido, mas lembrou-se da recomendação do médico e mandou um criado à tasca do Loureiro comprar-lhe um quartilho de vinho (meio litro). E deu-lhe um copo, na convicção de que a Lucindinha já não teria forças para o beber; mas bebeu-o, esse e um outro, e outro ainda, até mais não restar na garrafa. Depois, a Lucindinha fechou os olhos e adormeceu profundamente, levando a freira a pensar que ela não mais acordaria daquele sono.

Na ronda, a meio da noite, a freira acercou-se da cama onde estava a Lucindinha, receando o pior. Mas, o que viu, deixou-a perplexa. A Lucindinha não só estava viva, como dormia um sono tranquilo que transparecia do modo repousado e compassado como respirava. Horas depois, mal amanheceu, voltou à enfermaria e, de imediato, dirigiu-se à cama da Lucindinha, que encontrou acordada, de olhos bem abertos, mas sem uma ponta de alegria que iluminasse aquele pequeno rosto feio. Ainda assim, a freira cumprimentou jubilosamente:
“Bom dia Lucindinha, então, sente-se bem?”

A Lucindinha continuou a olhar para ela, mas da sua boca não saiu uma só palavra. A freira insistiu:
“Mas, não se sente bem, dói-lhe alguma coisa?”

A Lucindinha, moita-carrasco, continuou de boca fechada, mas fez que não com a cabeça. A freira não desistiu. Já sem a anterior brandura, mas ainda sem rudeza, disse-lhe em tom firme:
“Vamos, diga-me já onde lhe dói; eu tenho mais doentes para tratar.”

A Lucindinha não resistiu à ordem da freira. Custosamente, deixou sair estas poucas palavras, já com os olhos de lágrimas:

“Não dói nada... caguei-me toda... esta noite... foi sem querer!

A freira foi apanhada de surpresa, mas como era bondosa, sossegou-a:
“Não foi a primeira, nem será a última, não se apoquente por isso. Nós vamos já tratar de lavá-la e vesti-la de limpo. E Deus seja louvado, pois a mim me parece que já está curada!”

[Chaves. Um aspecto da cidade]

Horas depois, já lavada e vestida, a cama feita e fresco, foi novamente examinada pelo médico que no dia anterior lhe sentenciava a morte dentro de poucas horas. Não lhe tendo encontrado quaisquer sintomas de doença e sabendo já o que se tinha passado após o seu primeiro exame, deixou escapar estas palavras, com um breve sorriso irónico nos lábios:
“Pelo que vejo, Lucindinha, escapaste das garras da Maldita, com um simples “cortilho” do Loureiro. Estamos sempre a aprender!”

E deu-lhe alta, nesse mesmo dia.

Não sei quantos mais anos a Lucindinha viveu. Eu já tinha saído de Chaves quando ela devolveu a alma ao Criador.


Vila do Conde, 7 de Agosto de 2010.

sábado, 16 de outubro de 2010

Cerro da Vinha, dois montes de topónimo aparentemente desajustado

É hábito distinguirem-se duas povoações, de uma maneira geral próximas, por de Cima e de Baixo e quando são três, aparece a do Meio. Isto tem a ver com a posição geográfica que ocupam. Por vezes, na mesma povoação os habitantes designam o Monte de Cima e o Monte de Baixo, como acontece por exemplo em Santa Marta, mas não se trata efectivamente de uma separação “oficial” como aqui acontece, pois a distância a que ficam um do outro é considerável.

O “Novo” e o “Velho” também é usado para distinguir, mas aqui os contornos são diferentes e situando-se de uma maneira geral a distâncias consideráveis e que nalguns casos pode indicar transposição do topónimo.

Como já dissemos os dois montes são completamente distintos, sendo o Cerro da Vinha de Baixo uma povoação de dimensões normais para a região, enquanto o de Cima nunca teria ultrapassado a meia dúzia de fogos.

[Barrancada no Alcoutenejo, próximo do Cerro da Vinha de Cima, 2008. Foto JV]
Quem sair da aldeia do Pereiro, sede de freguesia a que pertencem, pela estrada nº 508, cuja construção deste troço é dos nossos dias, vai encontrar depois de deixar à sua direita o acesso à povoação dos Vicentes e de vencer através de pequena ponte o barranco do Alcoutenejo, á sua esquerda e em posição elevada, o Cerro da Vinha de Cima. Com três ou quatro fogos sendo um de recente construção. Consta-nos que ultimamente estrangeiros adquiriram e restauraram um dos fogos que estava em ruína.

[Aspecto do Cerro da Vinha de Cima, 2006. Foto JV]

Sabemos que em 1992 tinha dois moradores e em 1997 foram instaladas caixas para recepção do correio.

Continuando pela mesma estrada e logo a seguir vamos encontrar o outro Cerro da Vinha, o de Baixo uma povoação onde ainda se sente alguém.

A estrada passa-lhe ao meio, o que não é vulgar em todo o concelho. Duas ou três construções de tipo moderno.

O Censo de 1991 atribui-lhe 34 habitantes em 17 fogos, pensando que incluirá também o Cerro da Vinha de Cima.

Recuando no tempo, vamos encontrar nas Memórias Paroquiais (1758) o Cerro da Vinha com 22 vizinhos (fogos) e 66 pessoas (habitantes), ao nível das Fontes do Zambujo e do Coito.

Em 1839, Baptista Lopes, que lhes chama Serros do Vinho, atribui-lhe vinte e cinco fogos e igual número para Alcarias Covas e Vicentes. (1)

O último Censo (2001) dá-lhe 34 habitantes em 23 fogos pelo que e atendendo ao número de 1991, teria havido uma manutenção, o que fracamente não acreditamos.

Numa zona de pastorícia como é esta, não admira que o morador Manuel Teixeira faça na Câmara, no século XVIII, o manifesto do seu gado, constituído por vacas, ovelhas e cabras. (2)

Lourenço Dias, em 1839, era considerado o maior lavrador deste monte.

Em 1852, o lavrador António M. Estevens estava tributado como o maior contribuinte da freguesia, a uma distância considerável dos restantes e isto fazendo fé na relação organizada na Câmara Municipal dos quarenta maiores contribuintes do concelho para cumprimento do Artº 24º de decreto de 30 de Setembro de 1852.

Pela grande cheia do Guadiana de 1876, um António Estevens (será o mesmo?) manifestou um prejuízo de cinquenta mil réis, referente possivelmente a estragoscausados nas várzeas do rio. (3) Em 1874 tinha feito parte da Comissão encarregada de proceder à inspecção directa e avaliação dos prédios situados na freguesia para a feitura das novas matrizes prediais. (4)

[Vista parcial do Cerro da Vinha de Baixo, 2010. Foto JV]

Em 11 de Agosto de 1882, nas proximidades deste monte, os guardas da Alfândega de Alcoutim encontraram contrabandistas junto à horta de Manuel André, no barranco da Murtinheira e como não obedecessem à ordem de parar foram alvejados, acabando por ser encontrado morto um indivíduo do Azinhal (Castro Marim).

Na comarca de Tavira foi instaurado o competente processo e o filho de Ignácio Roiz, também deste monte, que encontrou o cadáver de Manuel Cotta, foi ouvido pelo Juiz Ordinário do Julgado de Alcoutim. (5)

Não havendo distinção na altura entre o monte de Cima e o de Baixo, indicamos alguns homens que exerceram funções de certa importância na freguesia e que eram considerados deste monte. Assim, Manuel Afonso Namorado em 1768/69 e em 1778/79, Manuel Pereira em 1769/70, Bartolomeu Dorta Cavaco em 1778/80, Manuel da Costa em 1781/82 e Francisco da Palma em 1798/99 exerceram as funções de “fabriqueiro” (tesoureiro) da Igreja do Pereiro.

Em 1802/03 José da Palma e em 1805/06 Domingos Lourenço, desempenharam as funções de mordomo da Confraria do Santo Nome de Jesus.

O Alferes de Ordenanças, Sebastião Teixeira, morre em 13 de Dezembro de 1847, já viúvo de Maria Pereira e é sepultado na igreja da paróquia do Pereiro.

Em 1883 frequentavam a escola do Pereiro duas crianças do sexo masculino.

[Cerro da Vinha de Baixo. Casa típica. Foto JV, 2010]

Em 1941 a Junta de Freguesia atribui um subsídio de quinhentos escudos para a abertura de um poço, de que o povo estava carenciado. (6)
A estação elevatória está num pequeno largo e abastece seis fontanários. Existiam na altura onze furos artesianos particulares.

Entretanto, a água foi levada aos domicílios e agora vinda da Barragem de Odeleite.

Os arruamentos foram pavimentados em 1993 (7) e em 1997 instaladas caixas de recepção do correio...

Nunca teve qualquer estabelecimento comercial e a população abastece-se no comércio ambulante e menos frequentemente na aldeia do Pereiro.

O topónimo parece ter origem e significado evidentes, por isso, ligado à topografia e à flora, contudo, que nós saibamos, nunca foi terra de vinha, sendo uma zona propícia para a pastorícia.

É topónimo único no país, aparecendo Cerro grafados com “C” e outros com “S”.


NOTAS
(1)–Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve, 1841.
(2)–Tomo de Manifeztos e Arolamto da Camera de Gadoz, folhas a partir de 1771, p. 105.
(3)–Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 17 de Março de 1877.
(4)–Acta da Sessão da Junta de Paróquia de 21 de Dezembro de 1874.
(5)–Ofícios nºs 64, 67, 68 e 71 do Administrador do Concelho a várias Entidades, datados de 11, 12, 13 e 17 de Agosto de 1882.
(6)–Acta da Sessão da Junta de Freguesia de 6 de Janeiro.
(7)–Boletim Municipal nº 12, de Abril de 1993, p. 6.