Tu, Carolina
A minha namorada, que se chama Carolina, está sempre a embirrar comigo, por tudo e por nada. Ao princípio eram só qualidades e agora só vê defeitos. Isto é normal? Para que diabo passa ela o tempo todo a chatear-me com merdinhas da treta? Será que ela já não gosta de mim?
José C. S., Leiria
Será, filho. Infelizmente, ou felizmente, quem sabe, será. Essa tal Carolina, desculpe lá a franqueza, ó José, acaba de lhe oferecer um belo de um par de patins. Nada mais natural. O mais provável é que já ande "metida" com outro gajo e agora, das duas uma, ou não sabe como o há-de empontar a si com souplesse ou o outro ainda não lhe dá garantias de cobrir a parada. Deve ser este o caso, moço, já que é o trivial do trivial; raramente uma mulher se preocupa com subtilezas, quando chega a hora de dar o pontapé da ordem; se calhar, é também o mais provável, a nova aquisição está comprometida, por assim dizer, isto é, ou é casado, ou tem namorada, ou não se decide a "assumir" a coisa com a Carolina, ou o caralho mais velho; há-de ser seguramente uma destas. É capaz de ser prudente deixar sempre uma hipótese em aberto para qualquer imponderável, ou, como se costuma dizer, vá lá a gente entender as mulheres, e daí aquela expressão lapidar, a do caralho mais velho, verdadeira porta aberta para qualquer outra possibilidade que não lembraria nem ao careca.
É que, diz-me a experiência de algumas décadas, aquelas que referi são as motivações mais costumeiras para casos semelhantes, mas existem algumas outras, espere aí, não nos precipitemos em juízos falaciosos. Há, de facto, mais umas quantas hipóteses a considerar. Convém não esquecer aquilo que o mulherio designa genericamente por "medo" ou, em alternativa, por "receio": em suma, quer isso dizer que não apenas mulher alguma larga um homem sem estar já devidamente equipada com outro, como, ainda por cima, só largará de vez o primeiro se o segundo for coisa "segura"; quando não, arrisca-se a foder-se em toda a linha e a ficar, supremo terror feminino, a chuchar no dedo por ambos os lados, salvo seja, isto é, a ficar sem um e sem o outro.
Quando uma mulher se "apaixona" e, por conseguinte, necessita de despachar o actual penduricalho, mais a pessoa anexa, existe um terror primordial que tudo condiciona: a primeira cambalhota e outros números circenses, com o novo partenaire, ou candidato a tal parceria. É que muitas coisas podem correr mal como o caralho, chefe, as possibilidades são imensas e a probabilidade é tão elevada que até chateia.
Vamos supor, e isso é muito mais comum do que geralmente se imagina, que o novo objecto da tal "paixão", em chegando a hora da verdade, aquilo por que a chavala tanto ansiava, acaba por se revelar um verdadeiro desastre: apaga-se-lhe o maçarico ou, pior ainda, apresenta um, aceso, sim, mas do tamanho de qualquer isqueiro Bic. Danou-se, pois. É certinho. Quando, por ocasiões da primeira pinocada, uma moçoila desprevenida e inocente depara com uma gaita que se não levanta nem por nada, de imediato valores mais altos se alevantam, é um Deus nos acuda, e pruridos morais e recriminações e cabeçadas na parede e "que estúpida que eu sou" e coisas assim. As situações em que acaba por não haver foda são, por definição, realmente fodidas. Se, porventura, aquilo levanta mas mais valia que estivesse quietinho, de tão mirrado que parece (e é), aí a coisa pode ficar feia, ou seja, não apenas a gaja fica fodidíssima por ver que já o não vai ser, como provavelmente desatará a rir, o que também é natural - são os nervos a dar de si, a tensão acumulada a desacumular-se rapidamente, enfim, uma merda. Poderá ser ainda que, não havendo reclamações no capítulo da rigidez, e também não no do tamanho, o problema resida no factor temporal, chamemos-lhe assim, isto é, se o gajo se vem em menos de um fósforo; tudo que seja inferior a cinco minutos, como já aqui antes foi devidamente esclarecido, é tecnicamente designado como ejaculação precoce, um engulho nada despiciendo para quem dele sofre: o portador da deficiência e, principalmente, a infeliz contemplada. E depois, ainda há um outro terror, um outro "medo" tipicamente feminino, que pode por vezes ser confundido com alguma espécie de rebate de consciência, consistindo este na possibilidade de afinal o caramelo se revelar um pouco rabeta; exacto; bicha, panasca, paneleiro, como se queira designar ou der mais jeito. Em sucedendo tal chatice, no caso muito provável de a moça não apreciar grandemente os maneirismos em geral e as paneleirices em particular, temos o caldo entornado de vez; como todos sabemos perfeitamente, o que mais há por aí é gente com sexualidades alternativas ou, de forma geral, não resolvidas, o que dá origem amiúde a confusões tremendas, para já não falar das consequências psicológicas (e outras) que podem resultar nas extremamente condicionadas cabecinhas das mulheres, das mais balzaquianas às mais escaganifobéticas.
Por fim ou, como se diz em Inglês, láste bat nóte de liste, há ainda a hipótese das hipóteses, o mesmo é dizer o terror dos terrores para as mulheres: que ao gajo ela não agrade. Isso é que é a foda da foda, caralhosmafodam se minto. Não deve haver no mundo uma única chavaleca tão segura de si que nunca tenha sido possuída por tão premente dúvida existencial, antes de ser propriamente possuída: "será que ele vai gostar?" Eis aquilo que supremamente as atormenta: a bem dizer, nós cá o que pretendemos é a pinocada em si, o resto que se foda; se a gaja é podre de boa, e gira, e tal, isso pois com certeza que ajuda, e muito, mas na hora de espetar a farpa - se a hora chega - o pessoal caga positivamente em detalhes; claro que pode suceder não agradar uma qualquer coisinha, um chulézito ou o hálito que fede, excessivo pivete a bacalhau ou odor corporal demasiadamente intenso, mas isso é cheiros; só chateiam depois, durante nem por isso. Mas, para uma mulher, não apenas a primeira pinocada terá de ser por força perfeita, fosse tal coisa possível, como o comensal eleito deverá não manifestar nunca seja que espécie for de desagrado; por exemplo, pode ser que certo chavalo (como é o meu caso, por acaso) não aprecie pêlos, pernas masculinas e sovacos farfalhudos; caso tal aborrecimento suceda, ou por esquecimento ou por falta de vaga na depilação, o mais normal será que o dito cujo se enoje a tal ponto que não consiga sequer - ó desgraça das desgraças, lá voltamos ao princípio - sequer pô-lo em pé. Enfim, há muita merda que pode desagradar, até o nariz (diziam os romanos, esses tontinhos, displiquit nasus tuus), e é isso mesmo que deixa permanente e obsessivamente as mulheres de pé atrás.
E é assim, por conseguinte, recapitulando: se ela hesita ainda, se ainda só vai na fase do implicanço, pode ser que o gajo seja casado, ou tenha namorada, ou seja paneleiro e não sabia, ou seja e sabia, ou seja ligeiramente impotente, ou tenha sido mal dotado pela natureza, ou que seja excessivamente apressadito; em qualquer destes casos, a coisa morre ali mesmo e não há azar; depois, mesmo se ultrapassadas a contento de ambas as partes todas estas barreiras, ainda sobram umas quantas, na perspectiva inversa, ou seja, é a gaja que tem mau hálito, ou cheira mal dos pés, ou é peluda com'ó caralho, ou sofre de flatulência (excessiva), ou tem o hábito de limpar o salão e meter os restos na boca, ou o caralho que o foda que seja e que possa chatear gravemente o moço; seja como for, também do outro lado as possibilidades para que a coisa dê o berro à nascença são enormes.
Mas não nos dispersemos excessivamente, caro J. Claro que tudo isto é possível, é mesmo muito provável, mas não custa nada o amigo - ou qualquer pessoa - armar-se em camelo e fingir que não percebe porra nenhuma daquilo que se está a passar. Vai ver que, dentro de uma semanita ou duas, o mais tardar, tem a "sua" Carolina de volta (esperemos que não recambiada ou devolvida na volta do correio), chorando baba e ranho no ombro do "seu querido Zé". Você até vai ficar comovido com tanta dedicação, afianço-lhe. Às tantas, dará por si a dizer, sem acreditar que é a sua própria boca a proferir tais coisas, que a compreende, que o tal fulano era um grandessíssimo malandro, um vigarista que só a queria comer e...
E aí ela interrompe-o, muito ofendida, e desata a defender o tal fulano, mas com jeitinho, que não é bem assim, que ele até não é vigarista, e que tem se ele a quisesse comer ("fazer amor comigo", dirá ela, em feminês), ora, isso não é natural?
Merdas destas, garanto-lhe, já ouvi eu próprio e assim, ó, à molhada. E de igual calibre e outras semelhantes já me foram contadas por diversas vezes e por diversos gajos tão idiotas, tão crédulos e tão patós como eu fui em tempos. É claro, não espere o amigo que alguma coisa do que a rapariga lhe contar, em tais transes, corresponda minimamente à verdade; mulher alguma admitirá jamais que se enganou de alguma forma; não, não se enganou, foi enganada, o que é bem diferente; e mesmo isso, não é bem, foi tudo mas é um sacana de um equívoco, um mal-entendidozito, porque, bem vistas as coisas, o homem dela é e sempre será aquele que está ali, naquele momento com ela, como em todas as horas, boas e más mas principalmente nas más. Após esta parte da rapsódia, o amigo não se surpreenda quando ela desatar a chorar convulsivamente; tente compreender, já que é tão companheiro, que as carolinas deste mundo choram (ou riem) por dá cá aquela palha, faz parte da encenação que sempre acompanha a mulher fatal, e também as não tão fatais como isso. Ora, desatando-se ela num pranto de partir o coração, e sendo o Zezinho bom rapaz, amigo dedicado e alminha sensível, certamente a tentará consolar, reconfortar, acarinhar, e tal, e tal, e tal; dir-lhe-á umas palavrinhas animadoras e revigorantes, passar-lhe-á romanticamente as mãos pelo cabelo, limpar-lhe-á talvez as lágrimas com o seu próprio lenço; e acabará fatalmente a oferecer-lhe aquilo que a si parecerá ser a maior, a mais fabulosa, a mais homérica pinocada da História. Reconciliados, amansada a fera do ciúme em si e aplacada a do tesão nela, vai ver como as coisas correm no melhor dos mundos.
Enfim, a ser este o caso, cumprindo-se em rigor o cálculo de probabilidades mais optimista, conte com uma seca prévia, coisa para longas e penosas horas, talvez uma noite inteira; mas depois virá a recompensa, que diabo, sempre é uma "vingancinha" nada desprezível, e sempre terá a "sua" namorada de volta, ao menos até ver, ou até à próxima "paixão" que a ela atacar as partes baixas ou que a si mesmo faça já não a poder ver.
Se, pelo contrário, nada disto suceder durante as próximas semanas, e se bem que este tipo de aborrecimentos tenha um prazo de validade bastante dilatado, se ela pura e simplesmente desaparecer da circulação e nunca mais lhe passar cartão, bem, então diga-lhe adeus e parta para outra, como dizem os brasileiros. Se isso realmente suceder, esperemos que não se ponha você com merdas. Gaja que se "apaixona", que se mete debaixo de outro gajo e este corresponde à "paixão", meu amigo, fodeu: você já era ou, melhor dizendo, nunca existiu. Quando muito, na sua qualidade de "ex" - o conjunto de letras mais fodido do mundo - e se porventura a miúda falar de si a alguém, será você o "erro", o "equívoco"; muita sorte se ela não lhe passar a si publicamente um atestado de incompetência, ou se, vá lá, não lhe der roda de paneleiro, cabrão, filho-da-puta, gatuno, chulo, etc. A imaginação da mulher que descarta é infinita... e muitíssimo criativa. Para esse tipo de merdas, diz-se, está-se a gente bem cagando, mas sempre lhe digo que se pode tornar extremamente desagradável o ambiente para o descartado; alguns amiguinhos seus vão deixar de o ser, sem você fazer a mais pequena ideia do motivo ou, pior ainda, fazendo essa pequena ideia e não podendo sequer reagir. Porque, desengane-se o J. se julga outra coisa, gajo que levou c'os pés leva também em cima, imediatamente, com tudo o que há de pior na natureza masculina: não apenas fica a falar sozinho, em sentido literal, como será altamente gozado pelas costas (ou em plenas trombas, por vezes), excluído das noitadas, das cartadas e dos copos, rapidamente se transformando numa espécie de pária lá do bairro, passando a carregar a cruz dos "tristes" - equivalente à condição de alienígena em qualquer grupo de primatas.
Caso se confirme realmente o pior dos cenários - o qual, na minha modesta opinião, é o melhor para si, mas já lá iremos - então não valerá sequer a pena ficar o amigo magicando no assunto. Que se foda, chefinho. Você não quer, de certeza absoluta, saber o que estarão nesse caso aqueles dois a fazer. Bom, não quer o amigo saber mas, como eu também sou muito seu amigo, quanto mais não seja por solidariedade existencial, vou dizer-lhe: tudo o que essa Carolina lhe disse a si, aquelas coisas maravilhosas e únicas, vai dizer ao outro exactamente da mesma forma; todas as meiguices e segredos que lhe soprava ao ouvido, durante aqueles momentos maravilhosos e inesquecíveis que passaram, vão passar para a orelhinha do outro, igualmente, sensualmente sussurradas, e será com ele que ela passará momentos não menos maravilhosos e inesquecíveis, depois de arquivar meticulosamente tudo o que fez consigo; uma história de meses ou anos de momentos sublimes, com aquela pessoa, resultarão fatalmente em sublimes momentos dessa mesma pessoa com outra pessoa; o ninho de amor, que ambos criaram com mimo e dedicação, será transladado para outro local, quem sabe com as mesmíssimas almofadas e os mesmos bibelots; ou então, esse ninho edílico não mudará de local mas simplesmente de inquilino; você, que era o máximo (e todos os outros umas bestas), passará a ser uma das bestas (e o outro o máximo dos máximos). Muito provavelmente, e não vale a pena abusar, a "sua" Carolina experimentará com o novo chavalo de cobrição tudo aquilo que dizia antes serem "porcarias". Enfim. O chamado Amor é, ao contrário do mais manhoso cartão-de-crédito, algo de impessoal e de absolutamente transmissível. Portanto, há que tirar os cavalinhos da chuva quanto antes, não vão eles apanhar alguma constipação, isto é, a gente (neste caso, você mesmo) ensandecer.
Mas não há-de ser nada, amigo Zé. Acredite no que lhe digo, que já cá ando há uns tempos valentes. Ela volta com o rabinho entre as pernas, esteja descansado. Ficou enrabichada lá pelo outro, pronto, e isso que tem? Você, como é, não se atira a tudo quanto é gaja, lá no seu serviço? E mesmo na rua, ou numa discoteca, ou assim, você é gajo para ficar indiferente a uma bela peidola, você resiste a um par de mamas espantoso, ou não fica cheio de entusiasmos com uma simples saia tipo colarinho? Ora, ora, deixe-se de merdas; claro que não fica indiferente, não resiste e entusiasma-se, respectiva e competentemente. Pois às mulheres outro tanto sucede, aí tem. Nada a assinalar. A diferença é que nós não precisamos nem de pretextos nem de explicações para dar uma fodinha numa gaja qualquer, mas elas acham que precisam; absolutamente; são milénios de informação genética, naquelas veias e em todos os interstícios dos seus delicados seres, compelindo-as a transformar qualquer corrimento no mais sublime sentimento, toda a atracção na mais pura, radical e definitiva paixão. É estúpido e irrelevante, bem sabemos, mas é assim e não há nada a fazer.
Repare que, mesmo correndo a coisa pelo melhor, ou aquilo que você neste momento pensará ser o melhor, é tudo uma questão de tempo até ao apodrecimento total. Porque o veneno da desconfiança já foi instilado, já está instalado, e isso é um processo irreversível. Mais tarde ou mais cedo, mesmo que haja uma reconciliação bacana, supimpa, mesmo que você lhe proporcione finalmente não sei quantos orgasmos por dia, e por mais apaixonada que ela então se revele, o facto é que nunca mais as coisas poderão voltar a ser como dantes. O veneno há-de insinuar-se fatalmente no seu espírito, espalhar-se por todas as suas veias, e músculos, por todas as células físicas do seu ser e por todas as partículas do seu espírito. E, um dia, qualquer dia, não restará nada senão matéria putrefacta, não apenas tecidos mas também memórias, ideias, sentimentos, tudo destruído, definitivamente inquinado, irremediavelmente destruído.
Por isto lhe dizia antes, meu amigo, que o melhor ainda seria deixá-la ir. Ela que se foda, amigo, e que lhe faça muito bom proveito. Bem sei que não me conhece de lado nenhum, a não ser daqui, mas deixe-me que lhe diga de coração aberto: puta que pariu a Carolina. Ouviu? Quem me avisa... e tal.
Olhe, faça o seguinte: faça um arrozinho. Vá para a cozinha e prepare um belo de um petisco. Eis a receita para os males de amor: uma receita de cozinha.
Arranje uma galinha do campo, bem gorda, e ponha-a a cozer numa panela de pressão, com sal marinho não tratado. Prepare um refogado bem puxado, em tacho de ferro fundido, com cebolas ácidas; acrescente alho cegado quando a cebola estiver acastanhada; meta-lhe pimento, tomate, salsa e coentros; quando estiver bem apurado, junte três ou quatro copos do melhor vinho branco que tiver; com a galinha bem cozida, trinche à mão e ponha no refogado, regando com a água da cozedura; tempere bem e forte, com flor de sal, pimenta branca e cominhos a gosto; deixe apurar em lume brando; por fim, junte duas mancheias de arroz, tape e espere que fique "al dente", com o cuidado de não deixar secar a arrozada; "malandrinho" sim, mas não muito. Sirva-se generosamente, acompanhando com Grandjó bem fresco, de preferência estupidamente gelado. Retire do congelador o Häagen-Dazs de chocolate belga, para sobremesa. E bom apetite.
Evidentemente, escusado será dizer, o arroz para esta receita apenas poderá ser carolino. Se não, fica uma tremenda bosta.