As sanguessugas identificadas
(...)
Esta falta de respeito pelo trabalho dos outros - e na blogoesfera não faltam reparos ao modo como, por exemplo, a imprensa escrita omite as fontes, nomeadamente blogs, onde encontra a informação ou sugestão dos temas que depois desenvolve e publica - não será o outro lado daqueles que só falam, só escrevem, só se exprimem a coberto do anonimato? Dito de outro modo, quando tanta gente não se respeita o suficiente para ter a dignidade de dar a cara por aquilo que pensa, como esperar que possa respeitar o que pertence aos outros?
(...)(Ana Pires)
in AbruptoDe vez em quando, lá aparece uma alma caridosa que se enternece com este assunto. De facto, o plágio, o copianço, a canibalização do trabalho alheio, chame-se-lhe o que se quiser, é uma coisa extremamente irritante... e desesperantemente comum, vulgar, corriqueira, sistemática. Não apenas em Portugal, é claro, mas principalmente.
O que tem de inovador a cartinha que a Srª D. Ana Pires escreveu a nosso
Pacheco é, no entanto, intrigantemente, um outro assunto igualmente em voga: o anonimato. Parece-me, no entanto, ainda que depois de reler cuidadosamente, debruçado sobre o ecrã, quase nele afocinhando, que a teoria está redigida pela ordem inversa e pelos motivos contrários: quem plagia os blogs não se "exprime a coberto do anonimato", não, ao invés, o plagiador assina por baixo aquilo que plagia; e o objecto do plágio, o texto copiado, a ideia transcrita, isso sim, são geralmente coisas de
blog e de
blogger anónimos.
Qualquer "jornalista" (com ou sem aspas) busca na "blogosfera" (sempre com aspas) material para copiar e prefere, evidentemente, as "fontes" (com ou sem aspas) mais recônditas, desconhecidas e anónimas. E isto porquê? Ora, está-se mesmo a ver: se os autores são anónimos, é pouco provável que venham a reivindicar a autoria de determinado conteúdo, sob pena de perderem o dito anonimato - que alguns, como é o meu caso, prezam, veneram e cultivam até ao absurdo. O mesmo se passa na tal "blogosfera": quem plagia assina por baixo material de outrem, sendo este - por regra - de proveniência não "fulanizável", ou seja, de autor que não se identifica de forma "legal", o que não assina com o próprio nome.
Já aqui mesmo, neste deserto, preguei sobre o ridículo do "não-anonimato", e não é exactamente esse, neste momento, o assunto central. Retenhamos ainda assim, e no mínimo, um conceito básico: em suporte virtual, como é o caso, "assinar" é um verbo sempre com aspas, é um acto sempre dúbio; "assinar" como Joaquim Malaquias, Zé das Iscas, Pacheco Pereira ou Dodo Bird é rigorosamente a mesma coisa e tem absolutamente o mesmo valor. Quem me garante a mim que é o próprio JPP quem escreve o
Abrupto? O homem não dorme? E, de resto, para que é que isso interessa? O que tenho eu ou seja quem for a ver com a autoria de determinada peça? Se, em vez de FJV, o próprio Francisco José Viegas, por exemplo, "assinasse" (como estou em crer que "assina", algures) com o "nome artístico" de Ricardo Leão - também por exemplo - o que estaria em causa seria a qualidade daquilo que este escreve, não o "valor" intrínseco da sua identificação legal ou da "qualidade" daquele jornalista e "entertainer" (ou lá o que raio é a profissão de FJV, ao certo).
O que os "inimigos" do anonimato pretendem, com as insinuações canalhas a respeito da valentia, da masculinidade ou, simplesmente, das progenitoras dos anónimos em geral, não tem nada a ver com idoneidade, probidade, virilidade ou coragem; é tudo uma questão de valor - tu vales o que vale o teu nome, por isso, diz lá, quem és tu? Ah, és Fulano de Tal? Então vai bardamerda. Nisto se resume a argumentação dos palermitas que assinam por baixo, que subscrevem com nome próprio e apelido de família qualquer merdosíssima verborreia que sejam capazes de espremer das respectivas meninges. São estes apóstolos da identificação através de B.I. os mesmos que sugam tudo o que lhes cheira a coisa "com pinta". Sanguessugas que, por mais identificadas que se digam, por mais que assinem o material que roubam, por mais que verberem o anonimato das suas fontes, não passam nem passarão nunca daquilo que são: vermes anelídeos sugadores de sangue, trabalho e ideias dos vertebrados.
É essa massa viscosa de invertebrados, são esses parasitas, a tal "gente que não se respeita o suficiente para ter a dignidade de dar a cara por aquilo que pensa"; como poderiam dar a cara, por tão nobre motivo, se não pensam coisa alguma? O que as sanguessugas identificadas "pensam" já antes havia sido articulado por outros, precisamente os anónimos, ou mesmo aqueles que o são... não parecendo (ou vice-versa). "Como esperar", realmente, que essa corja "possa respeitar o que pertence a outros?" Pois se mal sabem, na sua esmagadora maioria, sequer ler ou escrever! Como poderiam, de facto, respeitar o trabalho alheio se nem sequer respeitam, se nem sequer admitem o direito à identidade, ou à diferença, ou à falta de identidade, ou à criação de uma nova?
Entendamo-nos. Um heterónimo só é válido, admissível, válido, coerente, se for um dos de Fernando Pessoa
himself? Porque diabo não pode um pobre diabo como eu (re)construir uma identidade, uma personalidade, uma vida inteiramente novas? E quem diz uma de cada, diz duas, ou três, as que me der na cachola. Como é? Não posso? Não deixais, ó autoridadezinhas da treta? Se me apetecer, de repente, criar um
blog com a singela designação (e endereço) de
Macaco Adriano e depois "assinar" como Adriano, o Símio, serei por isso crucificado, esmigalhado, trucidado? Condenais-me ao quinto dos infernos, se eu quiser assumir a personalidade de verdadeiro troglodita e desatar a escrever loas a Ceausescu, a Pol Pot e a Estaline? Deduzis, por conseguinte e brilhantemente, que não pode existir um verdadeiro macaco a escrever
blogs - portanto, é falso, é anónimo, liquide-se. Bem podeis meter a dedução na peidola, de onde nunca deveria ter saído; qualquer imbecil sabe perfeitamente que o que mais há por aí a escrever nos
blogs é macacos, incluindo os macaquinhos de imitação.
Aquilo que se escreve nos chamados "
blogs de referência", no Abrupto, no
Aviz, no
Causa-nossa, no
Blasfémias, vale e fala por si ou vale apenas em função e na medida dos nomes de quem ali escreve? Se JPP não fosse JPP, ou até se "assinasse" como PPJ, teria a "audiência" e o interesse pressuroso da basbacaria nacional? O FJV receberia as mesmas lambidelas se não fosse apresentador de TV (ou lá o que raio é a profissão de FJV, ao certo)? A "causa" deles interessa assim tanto a alguém mais sem ser a eles mesmos? E os tipos do Blasfémias, se fossem uns palermitas anónimos, em vez de identificados, será que escreveriam o que realmente pensam em vez daquilo que pensam que os outros esperam deles?
Sem anonimato, a indústria plagiadora tornar-se-ia rapidamente inviável. Sem anonimato, a blogália seria uma chatice das antigas, uma pepineira execrável. Como não gostaria que alguém caçasse o diário que escrevi quase até aos trinta anos, não me agradaria nada que agora, depois de velho (mais de quatro séculos), fosse escarrapachada em praça pública a minha fotografia actual(*); sou demasiadamente feio e, além disso, não tenho quase nada a ver comigo próprio.
Adenda: neste blog, todas as referências, transcrições, transposições ou colagens estão devidamente identificadas em relação a autor, proveniência e quaisquer outros dados de identificação de obra alheia, caso existam.
(*) A foto do topo da página não é uma foto mas pintura a óleo sobre tela; original de finais do séc. XVII, de autor desconhecido (nem de propósito) Camões dirige-se aos seus contemporâneos
Jorge de Sena
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.