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Destaques

A Caixa de Vidro

O dia em que a caixa de vidro descobriu que não era tão frágil como imaginava e talvez fosse preciso algo maior para danificá-la. Passada de mão em mão, se viu tremer a cada movimento, temendo que alguém fosse deixá-la cair ou trincar por conta das frustrações. Não era tão sensível quanto imaginava. Não se deixaria levar pela ansiedade que sempre sussurrava coisas ruins ao seu ouvido. Não, no final da história, a caixa de vidro permaneceu inteira e quem sabe havia criado mais espaço para novas histórias. O medo de se deixar quebrar havia desaparecido lentamente. Não se sentia completamente seguro, mas agora sabia que não ia quebrar tão fácil e se mergulhara em uma onda de caos, capaz de tirá-lo temporariamente a sanidade e o jogado em um mundo onde nada parecia ser o que era. Pensou em quanto tempo havia ensaiado até o momento. O que para alguns parecia fácil, para ele parecia algo de outro mundo: fazer contato com alguém e se permitir baixar a guarda, revelando toda sua transparência

Eles eram como dois livros diferentes

Eles eram como dois livros diferentes, cujas passagens não se encaixam, escritos em idiomas diferentes, lidos de maneiras diferentes. O que ele buscava era alguém que estivesse na mesma página, mas o que havia encontrado era um universo de incompreensões e confusões, como se as palavras se embaralhavam diante dos seus olhos e seus significados se distorciam.

Estavam lendo o mesmo livro? Talvez de cabeça para baixo, de frente para trás, em letras miúdas que precisavam se esforçar para conseguirem ler. À primeira vista, era como mergulhar em um universo completamente desconhecido, no qual as palavras lidas e suas interpretações eram totalmente diferentes.

Em um universo de incompatibilidades, aceitar que as diferenças jamais seriam superadas era tudo o que restava. Não havia razão para continuar tentando encontrar pontos em comum quando havia uma série de muralhas criando distância.

Ele se lembra que costumava ler um livro até o final, mas, de repente, se dá conta de que a vida é muito curta para isso. Se o livro não conseguiu te fisgar nos primeiros capítulos, por que se dar ao trabalho de forçar algo que não está fluindo?

Então, estar numa biblioteca lendo um livro indesejado é algo que o causa certa ansiedade, sabendo que existem livros mais compatíveis com o seu gosto, livros que fluem desde o início e são como embarcar numa viagem só de ida – sem precisar se preocupar com os próximos capítulos, pois tudo está tão claro e natural que é como poder respirar com tranquilidade e simplesmente se deixar levar pela história.

Foi aí que ele compreendeu as pessoas que deixavam os livros pela metade, que simplesmente partiam para a próxima leitura, sem sentir remorso pela escolha que havia feito – um conceito que antes parecia tão estranho para ele, havia se tornado realidade.

Sabia que havia um preço a se pagar quando se evitava o meio e o fim, mas parte dele estava tranquilo por saber que havia tentado e não estava disposto a lidar com o desconforto e a frustração. O livro que ele buscava era o livro que precisava no momento, aqueles que parecem cair na mão na hora certa. 

Ele fecha um livro, inspira fundo e deixa todo ar sair, sabendo que não havia espaço para a culpa nem para se justificar em excesso. Não, o livro que ele precisava não abria margem para interpretações duvidosas, era claro do início ao fim. E admitia que talvez o problema não estivesse no livro, só havia caído nas mãos erradas, no tempo incerto, de um leitor que não estava disposto a reler a obra nem se perder nas entrelinhas desconhecidas.

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle..

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