Passei um bom tempo sem fazer quadrinhos, depois de anos produzindo e editando títulos para a
Beleléu, criando projetos coletivos e participando de inúmeros eventos da área (sem nunca ter sido convidado). Desde o lançamento de
Aparecida Blues — com roteiro de Biu, em 2011 —, não tinha tido nenhum estímulo significativo que me levasse a encarar essa jornada ingrata de produzir uma HQ de mais de 16 páginas, mas no último ano uma ideiazinha interessante andou martelando a minha cabeça. Não lembro exatamente quando esbarrei com o
ISO 7000, provavelmente procurando referências para outro trabalho, mas ver todos aqueles pictogramas reunidos de uma só vez imediatamente me pôs a criar associações e narrativas — algo que o nosso cérebro está programado para fazer — e iniciou a vontade de um dia fazer algo com isso. Comecei a apreciar e colecionar as figurinhas e, meses depois, ensaiei os primeiros testes em forma de "quadrinhos", com 6 imagens em uma página e 6 blocos de texto correspondentes na página ao lado. Ainda não era nada, mas achei melhor consultar os especialistas para averiguar melhor. André Valente e Maria Clara Carneiro me asseguraram de que sim, eram quadrinhos, mesmo que ruins, e o melhor mesmo era continuar fazendo, por que não? A chamada de publicações da
Desgráfica caiu como uma luva: eram quadrinhos experimentais, afinal, e a feira publicaria gloriosos 50 exemplares em capa dura sem que eu tivesse que gastar um tostão. Mais do que isso, agora havia um prazo para me obrigar a terminar a brincadeira. E foi mesmo uma espécie de jogo: para conseguir visualizar as mais de 200 imagens já devidamente extraviadas, acabei imprimindo tudo em formato pequeno, recortando e colando em folhas de chamequinho, com o desafio de inventar alguma narrativa para cada combinação, sem pensar demais e sem repetir quadros. Ao longo do processo, como geralmente acontece, o tema foi ficando claro. A formatação do texto passou de diálogos para regras e instruções de um manual imaginário, em referência direta
à frieza das imagens técnicas, e, à medida em que fui passando para a montagem do livro em si, as sequências e capítulos foram se formando. Para minha surpresa,
o projeto foi selecionado.
Desde o início, havia considerado o risco de enviar um material reapropriado para um concurso, mesmo que eu realmente ache o uso válido e não conflitante com os sagrados direitos patrimoniais dos detentores do copyright — e aí entraríamos em
uma outra discussão interminável —, e havia pensado até em desenhar por cima de tudo, mas isso descaracterizaria aquele material tão asséptico, além de fugir da proposta de restrição: todas as imagens deveriam vir dali, sem intervenções. Também por isso, fiz questão de explicar claramente a empreitada na última página, com o link para o acervo das imagens, e uma declaração sobre "fair use", com questionamentos certamente válidos mas de pouca serventia jurídica — ou ao menos
foi o que me informaram a uma semana do evento, um pouco antes de eu começar a divulgar o livro. Poderia mesmo pegar mal para os organizadores caso algum acionista suíço sem senso de humor por acaso esbarrasse com uma das suas 50 cópias e se sentisse ultrajado a ponto de processar a instituição, os patrocinadores e o autor. Eu entendo. Por isso mesmo, apesar de argumentar brevemente, achei prudente não criar caso e tirar meu cavalinho da chuva, levando-o para pastar em outra freguesia e imprimindo o famigerado livro por conta própria em alguma gráfica de fundo de quintal. Não tem nada de mais, é apenas um exercício narrativo
oubapiano de "colagem" em forma de história em quadrinhos, mas viva a pirataria, de qualquer forma.
Pois ei-lo:
ANTIMANUAL, em tiragem limitada de 100 cópias numeradas, como deve ser, e mais não digo sem a presença dos meus advogados.
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