terça-feira, 9 de junho de 2015

uma loba no cio

Um quadro opressivo da infelicidade conjugal: Olímpia desgostava do marido e desgostava-se; mas o desejo por vezes era mais forte. Ela era forte, e como uma loba no cio, chama-o para si. ("Loba" lhe chama o narrador.) Quanto a ele... 

«Simplício levantou-se, rápido, um sorriso a bailar-lhe nos lábios, os olhos acesos de alegria. Postou-se em frente da mulher, hesitante, taranta. Todo ele era tremuras. Ela, sentada, afagou-lhe as pernas, puxando-lhe, ao de leve, as calças de cotim para cima. O homem vai beijá-la, cheio de glória, como no dia do casamento... Senta-se-lhe no colo, acaricia-lhe os longos cabelos sedosos. A casa está toda enfeitada de silêncio. A noite, lá fora, é um abismo de negrura, não há lua no céu, não se ouve o farfalhar das poucas árvores, na planície. Olímpia, de olhos fechados, parece estar longe dali e morde-lhe suavemente a polpa  de uma orelha e ouve-se a sua respiração opressa, os lábios roçando-lhe a nuca, com o seu bafo moreno e apetecido. De súbito, o braço que tenta enlaçar-lhe o busto, nervoso e precipitado, bate no candeeiro a petróleo que se encontra em cima da mesa. O candeeiro cai em estilhas. O estrondo dos bocados de vidro, a chama bravia da torcida no meio do chão da casa, fazem levantar a mulher da cadeira de palha, assustada e repentinamente rancorosa:
--Estúpido! Desajeitado!...»

Antunes da Silva, Suão (1960):


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