sábado, março 31, 2007

Na terra dos meus antepassados

Já fazia tempo que eu queria conhecer a Coréia. Da primeira vez que vim ao Japão gostaria de ter ido pra lá, mas um problema de burocracia com vistos e permissões de reentrada me impediu. Finalmente, agora em Março, consegui conhecer Seoul (서울) e a zona desmilitarizada da fronteira com a Coréia do Norte. Foram apenas 3 dias, mas o suficiente para ter uma primeira impressão do país.

Por que a Coréia? Muitas razões. Primeiro, nós ocidentais até conseguimos pensar em algo quando ouvimos falar do Japão ou da China, mas quando o assunto é Coréia vem aquele branco, e as poucas coisas que sabemos é que lá aconteceram as Olimpíadas de 1988 - a primeira vez que muita gente ouviu falar do país - e que no norte um maluco mantém um regime autoritário e comunista, com planos de construír uma bomba atômica pra barganhar internacionalmente.

Além disso, queria ver quais das coisas “diferentes” daqui do Japão fazem realmente parte da identidade japonesa e quais são características mais gerais da Ásia. Claro, ainda tenho muito o que conhecer do continente, e não é por um país apenas que vou poder chegar a estas conclusões. Mas a Coréia é um local fácil e civilizado de começar essa exploração. Finalmente, e um motivo mais de brincadeira, é que meu sobrenome, “Jung” (jovem, em alemão), também é um dos sobrenomes mais comuns na Coréia, e já me confundiram com coreano pelo nome mais de uma vez. Queria, então, conhecer a terra dos “meus antepassados”. Hehe.

Não vou escrever aqui dados históricos e/ou políticos da Coréia. Isso pode ser encontradas nos (capítulos de introdução dos) melhores guias turísticos. Vou aqui apenas listar algumas das observações que fiz em 3 dias por lá. Não dou nenhuma garantia de que elas estejam corretas. :)

  • Vi muita coisa em construção. Tanto prédios enormes quanto obras de infra-estrutura. Pontes, ferrovias, viadutos. O superavit comercial do país é aparente e parece estar sendo posto em bom uso.
  • Seoul também é uma cidade populosa, mas com mais sensação de espaço que Tóquio. As ruas tem calçadas, e não vimos as casinhas e prédios grudados que vemos tanto aqui no Japão. Também, os espaços públicos são mais sujos que no Japão, mas ainda mais limpos que em muitas partes do Brasil.
  • A cidade tem um sistema de metrô bastante abrangente, com muitas linhas como o de Tóquio. Os vagões parecem mais simples, mas são mais espaçosos. Acho que eles utilizam a bitola padrão (não utilizada no Japão exceto no Shinkansen), o que deixa os corredores mais largos. O custo do bilhete é mais barato, e as catracas mais “primitivas”, embora estejam sendo substituidas por catracas mais modernas. O sistema também aceita cartões sem contato, mas pareceu um pouco menos movimentado que os trens em Tóquio.
  • Falando em preços, os do dia-a-dia são um pouco mais baratos que no Japão. Em geral as coisas baratas são um pouco mais baratas (uns 10-20%) e as mais caras são mais caras. Ingressos de museus, parques etc são bem mais baratos que no Japão.
  • As pessoas se vestem mais “normalmente” do que no Japão, mais discretas. Muitos passariam por brasileiros. Também, aparece uma diferença entre as gerações. Os jovens, por crescerem em um país mais desenvolvido, com mais educação, parecem ser de uma classe diferente dos mais idosos, de uma época em que a Coréia era mais pobre e simples.
  • Menos influencia americana do que esperava. Muito menos que aqui no Japão. Talvez porque na Coréia os americanos não terem sido o inimigo que venceu a guerra e ocupou o território, como aqui. Mas isso é só palpite. Existem as cadeias internacionais de fast food, mas não em toda quadra como aqui. O que mais surpreendeu foi a quantidade de marcas de produtos e serviços japoneses. Em muitas situações nos sentíamos “em casa”.
  • Relacionado aos dois pontos acima, tive mais uma impressão geral: a Coréia ainda não assimilou o “turbo capitalismo”, a sociedade do consumo exagerado, como o Japão e EUA. É um país ainda de caráter produtor. Não se vêem carros importados nas ruas, ou tantas grifes internacionais. Não se desperdiça tanto, em embalagens, combustíveis. Espero que mantenham essa mentalidade.
  • A Coréia é um dos paraísos de eletrônicos, mas estes não parecem tão incorporados à vida das pessoas como no Japão. Não vi pessoas usando notebooks nos trens, por exemplo. Celulares, claro, são muito utilizados, e bastante menores que no Japão. Vi muitas pessoas assistindo TV nos celulares, mesmo no metrô, o que não é possível no Japão (somente em trens de superfície). Também, muitas pessoas ouvindo players de MP3, mas menos iPods que no Japão. Acho que mais uma vez era a força das empresas locais.
  • Encontrei muitas coisas “comuns” da Ásia. As formas “estranhas” de especificar endereços (não por números nas ruas, mas por quadras nas regiões), as divisões geográficas, a alimentação. As comidas na Coréia são diferentes das japonesas, mas existe muita coisa parecida que mostra ter uma origem comum. Lendo sobre os costumes, vi que muitos são iguais aos do Japão. Quanto à escrita, é diferente. A Coréia utiliza um alfabeto fonético muito interessante chamado Hangul, mas seu uso é recente e antes dele se utilizavam caracteres chineses (ideogramas). Muitos nomes próprios ainda são representados dessa forma, com pronúncia vindo do chinês e que lembra o japonês. Alias, as placas nas ruas e atrações turísticas, além de representação em alfabeto romando/inglês estão descritas em ideogramas, o que facilita para os turistas da região. Mesmo para nós, em algumas situações, identificar alguns ideogramas era um comforto.
  • E quanto a cultura e história? Visualmente parece uma mistura de Chinês com Mongol, o que não é surpresa já que a Coréia é uma península ligada ao continente pela região da antiga Manchúria. Se imaginarmos vestimentas, hábitos, feições etc, desses dois povos e os juntarmos em uma só cultura, teremos algo muito próximo do que se vê nos museus da Coréia. Em termos de arquitetura e prédios históricos, muito foi destruído pelas sucessivas guerras e ocupações da região, mas felizmente hoje se vê um esforço grande de recuperação e manutenção desses espaços.

Estas foram impressões gerais da visita a Seoul, com grandes possibilidades de muita coisa equivocada. Observações sobre a zona desmilitarizada de fronteira com a Coréia do Norte ficam para o próximo post. Por enquanto, podem ficar com mais algumas fotos no Flickr.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Valentine's day

Aqui no Japão, Fevereiro não é epoca de samba, enredo, harmonia, evolução (com todo respeito, ainda bem!). Como bom país ex-ocupado pelos EUA, a principal celebração do mês é o Valentine's Day, aquela mistura de Dia dos Namorados com Dia do Amigo dos americanos que a gente conhece do desenho do Charlie Brown, em que ele fica ansioso esperando pelo cartão da garotinha ruiva.

Pois bem, como tudo aqui, eles dão uma adaptada. Valentine's Day no Japão é o dia em que só as mulheres dão presentes para os homens. E só tem uma opção de presente: chocolate. Como nos EUA, além de se presentear namorados, maridos, amantes, também se pode presentear amigos. E bem de acordo com a cultura milenar do Japão de hierarquia e obrigações, as mulheres também devem dar chocolates para seus chefes e superiores. Esse chocolate, porém, é chamado de giri choko (義理チョコ), sendo choko chocolate e giri um dever social ou obrigação, e o objetivo é manter um bom relacionamento de trabalho.

Mas antes que digam que isso é um paradoxo (já que mulher adora chocolate e homem em geral nem tanto), ou ainda que é o machismo ao extremo, saiba-se que exatamente um mês depois do Valentine's Day, em 14 de Março, os homens devem retribuir os chocolates recebidos, dando chocolates às namoradas, amigas, secretárias etc. Essa data foi criada exclusivamente por motivos comerciais e não tem nenhum significado religioso ou social. E apesar da origem comercial, acredito que as duas datas só “pegaram” por cairem no inverno, data ótima para se comer chocolates. No Brasil fazemos a Páscoa no Outono, e no Dia dos Namorados que é em Junho chocolates não são muito populares. Tá certo que o país praticamente não tem inverno, não faria muita diferença, mas mesmo assim deveriam explorar mais o chocolate como presente em Junho.

E no meu Valentine's Day ganhei meu chocolatinho. Como não sou muito de doce, a forma e o tema pra mim é o mais importante. Não poderia ter ganho chocolate melhor: do Ultraman! Resta agora descobrir se foi giri choko ou não, enquanto procuro o chocolate certo para presentear em Março. :)

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Mais visitas

A semana passada foi bastante agitada por aqui. Primeiro, porque entreguei o último trabalho da única disciplina que faltava (conseqüentemente estou de férias agora, pelo menos das disciplinas) e segundo por mais algumas visitas inesperadas que passaram por Tokyo.

A primeira visita foi da minha querida orientadora do mestrado e família. Foi muito legal poder passar uns dias com eles aqui em Tokyo, mostrando os lugares legais da cidade e dando dicas de como se movimentar e “sobreviver” por aqui. Fomos nos principais bairros, visitamos museus que eu ainda não conhecia, lojas de eletrônicos, livrarias, parques etc. Acho que tão importante quanto visitar os lugares certos é visitá-los nos momentos certos. Por exemplo, aqui em Tokyo tem um templo famoso que qualquer guia sobre a cidade comenta. Mas o que eles não comentam é que se indo a este templo nos fins de semana, a chance de se ver um casamento tradicional japonês é muito alta. Tivemos a sorte de ir ao Meiji-jingu (明治神宮) num fim de semana e testemunhar uma dessas cerimônia. Passeamos também pela região de Harajuku (原宿) no dia em que os jovens vão para lá fazer cosplay (andar fantasiados). Detalhes como esse podem transformar uma viajem já boa numa ainda melhor. E o tempo também ajudou. Temperaturas agradáveis pra se andar na rua e sol todos os dias. Nem parecia Tokyo.

Antes de chegar, porém, por email, minha orientadora parecia bastante ansiosa com a viagem, ao que respondi com o seguinte comentário: “...é normal ficares um pouco nervosa, mas chegando aqui vai ver que apesar da língua, o Japão não é outro mundo, é tudo muito civilizado e seguro. Saindo do aeroporto já vão se sentir bem.” A impressão que tive deles nesses dias foi de que assim se sentiram, e que gostaram da viagem e do país.

Outra visita rápida foi a da Mariko (真理子), amiga que trabalhava comigo quando fiz o estágio em 2003 em Kyoto. Ela esteve em Tokyo no fim de semana e fomos almoçar, com uma amiga dela que mora aqui, onde ela estava ficando. Conversamos um pouco, ela me pareceu mais triste que da outra vez. Pelo que senti o problema é com o emprego dela, já que a empresa (e em especial o departamento onde trabalhávamos) tem passado por mudanças de administração que deixaram o ambiente de trabalho mais tenso. Sugeri que ela procurasse outras atividades de lazer, algum curso ou coisa assim. Ela parece se interessar bastante por arte e talvez seja um caminho. Mesmo assim, foi bom revê-la.

Finalmente, encontrei também um primo da minha mãe, parente que não tinha muito contato desde a infância, mas fiquei sabendo que gosta muito do Japão e já esteve aqui diversas vezes. Devido aos nossos horários apertados (ele com pouco tempo livre na viagem e eu terminando meus trabalhos das disciplinas) acabamos só jantando juntos um dia da semana, mas combinamos que numa próxima visita passearemos com mais tempo, e possivelmente comigo mais fluente em japonês para poder mostrar e explicar melhor as coisas da cidade para ele.

Semana intensa, mas de boas experiências.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Golpe mútuo

Não sei ao certo quando foi a primeira vez que tive contato com o sumô (相撲), mas sei que foi vendo algo na TV, e lembro da estranheza e graça que senti pela idéia de ver dois homens grandes, gordos e seminus tentando se empurrar pra fora de um círculo como duas crianças. Depois disso, não tive mais contato algum com o esporte, a não ser por uma tentativa falha de assistir alguma partida da outra vez que estive no Japão em 2003.

No início de janeiro tive a oportunidade de assistir, finalmente, a uma luta de sumô aqui em Tokyo. E o que posso dizer é que minha opinião não poderia estar mais errada: sumô é um esporte bonito, civilizado e emocionante.

Existem seis torneiros de sumô profissional, ou honbashos (本場所), por ano no Japão, três aqui em Tokyo (em Janeiro, Maio e Setembro) além de um em Osaka (em Março), um em Nagoya (em Julho) e um em Fukuoka (em Novembro). Neste dia em que fomos era o primeiro dia do campeonato de Janeiro, portanto além das tradicionais lutas, foram feitas algumas cerimônias de premiação do campeonato anterior. O local do torneio é o Ryogoku Kokugikan (両国国技館), um ginásio fechado construído exclusivamente para a prática do sumô, com capacidade para 13 mil pessoas. O próprio ginásio já é uma atração em si: dividido em dois pisos, no térreo ficam os “assentos” de primeira categoria. “Assentos” porque ao se comprar um ingresso para estes lugares, se está na verdade comprando uma pequena área quadrada onde se senta no chão, em almofadas. Cada área é um “camarote” para quatro pessoas. Os assentos do segundo piso, onde sentamos, são poltronas confortáveis que se assemelham mais a cadeiras de cinema do que de prédios esportivos. Algumas delas ainda possuem mesa retrátil para se comer ou fazer anotações.

Ryogoku (両国) é a vizinhança de Tokyo onde fica o Kokugikan, conhecida como o local mais tradicional do sumô na cidade, e no país. Ainda dentro da estação de trem do bairro se podem ver grandes fotos de tradicionais lutadores de sumo, os rikishis (力士), e nos arredores diversas estátuas de outros lutadores, com placas onde se podem ver moldes das suas mãos e, mais divertido, se comparar com as nossas. Na vizinhança também se encontram diversas “escolas de treino” de sumô e conseqüentemente os lutadores são facilmente encontrados pelas ruas, mesmo quando não há campeonato.

Num dia de torneio as lutas começam pela manhã e se estendem até o final da tarde. A qualidade técnica dos lutadores vai aumentando, deixando os melhores momentos para o grande final. As duas últimas categorias são, portanto, as duas superiores, e mesmo dentro de cada categoria são respeitadas ordens de classificação, logo a última luta do dia é a do atual campeão. Para enfrentar o dia inteiro assistindo lutas, é necessário se alimentar. Perto do meio dia é possível almoçar no estádio um prato chamado chankonabe (ちゃんこ鍋), um fervido/sopa de vegetais, tradicionalmente comido pelos lutadores para lhes dar força e peso, por um preço bastante acessível. Além disso, o público leva seus bentos (弁当), espécie de “merendeiras” onde uma variedade de alimentos é distribuída em compartimentos específicos. Os espectadores sentados nos lugares mais caros, do primeiro piso, tem direito a receber gratuitamente diversos bentos durante o dia. O público dos lugares ordinários pode levar seu próprio lanche, ou comprar os bentos no próprio ginásio. O interessante destes bentos vendidos no local é que eles são “assinados” pelos lutadores mais famosos, tendo comidas que eles gostam, ou típicas de seus países.

Alias, essa é uma surpresa pra muitos. Não existem rikishis somente japoneses. O campeão atual, inclusive, é da Mongólia, onde o esporte é muito popular. Existem também coreanos, búlgaros, russos, até brasileiros, gente de vários países nas diversas categorias.

Mas vamos falar das lutas. O sumô, como talvez esporte mais tipicamente japonês, não podia ser diferente de outras atividades culturais do país e é, portanto, cheio de rituais. A cada início das partidas de uma categoria, uma cerimônia é feita para a entrada dos lutadores na arena. Os juízes, também, apresentam os lutadores de forma bastante característica em uma voz forçadamente aguda, além de se vestirem com roupas estranhas que lembram a de antigos monges xintoístas, de onde grande parte das tradições do sumô se originam.

Uma destas tradições é o arremesso ao ar de um punhado de sal pelos lutadores na entrada no dohyo (土俵), o “ringue” do sumô. Este gesto tem o intuito de purificar o local e também tem origem xintoísta. O dohyo, como costumam brincar, deve ser bastante resistente e é feito de argila e areia, sendo reconstruído a cada campeonato. O arremesso de sal é marca tradicional de alguns lutadores, que o fazem de forma exagerada para o delírio das crianças (e muitos adultos) presentes.

Estando os dois lutadores apresentados e prontos para a luta, começa uma espécie de “guerra fria” onde eles ficam se encarando e realizando diversos “falsos começos”, como dois animais esperando para dar o bote. Essa fase, antigamente, podia tomar muito tempo por não haver limite, mas atualmente deve se estender por no máximo 4 minutos. Nesse tempo, diz-se que os lutadores estão tentando alcançar o clímax da concentração para a luta, que, sendo alcançado, finalmente começa.

Vou ser sincero e dizer que exceto pelas lutas das mais altas categorias, o sumô é meio chato, pois são muito rápidas e logo terminam. Um lutador facilmente empurra seu oponente pra fora, ou o desequilibra e o faz encostar qualquer parte do corpo diferente das solas dos pés no chão, o que implica em uma derrota. Mas é bem diferente nas categorias de topo! Os lutadores ficam num confronto de força e técnica por alguns minutos e é bonito de ver. Como de geral são as coisas no Japão, no sumô também, apesar de um esporte de luta, é tudo muito civilizado! E mesmo não conhecendo nenhum dos dois que está ali no dohyo, dá vontade de torcer. Dá vontade de ver a técnica do menor lutador vencendo o peso do mais forte, ou que eles fiquem num empurra-empurra eterno até que um canse ou faça um movimento errado e seja derrotado. E o público japonês, também, torce, se manifesta, xinga (clique para o vídeo), completamente o oposto do visto nos jogos de futebol! Sim, existe emoção no coração japonês, e ela se manifesta através do sumô.

sábado, janeiro 06, 2007

Visita esperada

Em dezembro passado não foi só o Fernandão e companhia que andaram por aqui. Chegaram a Tokyo também meu pai e minha irmã, que vieram para me visitar. Fiquei muito feliz com a visita, e satisfeito de ver que meu pai venceu o desconforto com aviões que tinha desde 1997, quando se sentiu muito mal em uma viagem de longa duração. Atravessar o mundo dentro de aviões foi uma forma corajosa e extrema de solucionar o problema!

Aproveitando os pacotes que sairam de Porto Alegre para o jogo do Inter, os dois vieram passar uma semana aqui em Tokyo, fazendo escalas na África do Sul, Malásia e Cingapura. O bom desse itinerário longo é que ao chegarem aqui já estavam adaptados com o fuso-horário, e portanto podemos aproveitar a visita desde o primeiro dia. Como o aeroporto de Narita é bastante longe da cidade, e o pacote deles incluía o translado, os esperei no hotel. Foi fácil identificar o grupo, já que quase todos estavam “fardados” com roupas do colorado. Logo os avistei, mas eles não me viram. Passei por eles e esbarrei na minha irmã, de propósito, e brinquei “Ó, vocês por aqui!”. Nos abraçamos, minha irmã chorava, hehehe. Subimos para largar as malas no hotel e fomos jantar perto dali em um restaurante muito agradável com uma vista bonita. Infelizmente não conseguimos lugar na janela. Mesmo assim, foi um bom reencontro.

Não lembro mais ao certo o que fizemos todos os dias. Tentei ficar com eles a maior parte do tempo e só não pude fazê-lo por dois turnos: um em que tive aulas e outro em que tive que terminar uns relatórios de uma disciplina. Só sei que, de forma geral, não me preocupei tanto em mostrar as atrações “turísticas” de Tokyo mas sim um panorama geral da cidade. Caminhamos muito, pelas diversas vizinhanças da cidade. Pra quem não sabe, Tokyo originalmente eram 23 cidades que foram se aproximando. Por isso, cada vizinhança é bastante diferente. Visitamos as principais: Ueno (上野), Ginza (銀座), Shibuya (渋谷), Shinjuku (新宿), Ikebukuro (池袋), além das cercanias do Palácio Imperial, parques etc. Fomos nos restaurantes que gosto de ir, caminhamos nas ruas que gosto de passear.

Para que eles não tivessem uma visão parcial do Japão (aqui se diz que quem mora em Tokyo não mora no Japão), fomos também a Kamakura (鎌倉), uma das antigas capitais do país que preserva bastante dos templos e arquitetura da época.

Os dois parecem ter ficados bastante impressionados com o país e com sua gente, e acho que entenderam porque eu topei vir pra cá. :) E, sinto, ainda os verei de volta por aqui.

sábado, dezembro 30, 2006

Checkpoint

Viajo amanhã, para o interior do Japão. Volto só pelo dia 2 ou 3. Esse é, portanto, o último post do ano. Todos os planos e objetivos de 2006 foram alcançados, além de algumas agradáveis surpresas. A fase de adaptação no Japão já se acabou. Espero, para 2007:

  • Aprender a falar japonês. Já entendo bastante coisa, já me viro no dia-a-dia, mas ainda tenho dificuldade de me expressar, de ter uma conversação, mesmo que básica, com as pessoas. Para alcançar esse objetivo pretendo aumentar meu vocabulário e redecorar padrões de expressões que já aprendi mas esqueci pela falta de prática.
  • Fazer mais amigos japoneses. Isso depende bastante do item anterior. Sei que não vou entender tudo daqui, mas vou entender muito mais se tiver contato com pessoas da terra que possam (tentar) me explicar as coisas do Japão e como o povo japonês pensa. Para isso, vou tentar aproveitar melhor as oportunidades que tenho de ter contato com as pessoas daqui.
  • Definir melhor o tema da minha tese. O plano original não era maduro o suficiente, além de chato, então estou procurando um novo assunto. Tenho uma idéia, parece legal. Vi que já fizeram algo parecido, mas não aprofundaram o tanto quanto eu gostaria. Só preciso agora convencer meu orientador que a idéia é boa e achar aliados que estejam interessados em trabalhar comigo.

Quando voltar escrevo sobre os assuntos atrasados: visita do meu pai e irmã, Natal e, até lá, Ano Novo.

Abraços e obrigado pela companhia. Por que não aproveitar para deixar um recado de fim de ano nos comentários? Pode ser qualquer coisa... uma apresentação, crítica, sugestão, um pedido ou um singelo “oi”. Todos serão muito bem recebidos.

Yoi otoshiwo (良いお年を), e até 2007!

quarta-feira, dezembro 27, 2006

E eu estava lá

Eu prometi escrever sobre o jogo, e melhor fazer isso logo já que tem muita coisa acontecendo aqui no fim de ano, que vai acumulando pra escrever.

O primeiro sinal de que aquele domingo seria atípico foi, ao passar pela Yodobashi Camera, uma loja de eletrônicos, pela manhã, ver um homem saindo com um PlayStation 3 recém comprado, o novo videogame da Sony. Por que estranho? Porque, lançado à poucos meses, esse aparelho é praticamente impossível de se comprar, já que a Sony está com sérios problemas de produção e o fornecimento é extremamente limitado. A gente aqui diz que o PlayStation 3 é que nem Papai Noel e coelhinho da Páscoa: se fala que existe mas na prática ninguém vê. Pois bem, ele existe sim, e de vez em quando até tem pra vender, mas esse não é o assunto desse post.

O assunto de hoje é o jogo. Chegou o tão esperado dia, sonho de muitos colorados que esperavam há anos por essa chance. O colorado não estava em Tokyo - muita coisa mudou desde que o grêmio foi campeão da Copa Toyota - mas em Yokohama (横浜), cidade moderna, com um excelente estádio que foi sede da final da copa de 2002.

Nas ruas de Tokyo se viam muitos colorados. Em qualquer ponto turístico, sempre se encontravam dois ou três com o fardamento do Inter: camisetas, jaquetas, ou apenas cobertos com bandeiras do Inter e do Brasil. Dizem que os torcedores do Barcelona são bastante fanáticos, mas a verdade é que não se via um espanhol pela rua, ou se os via, estes estavam “à paisana”.

Na verdade vimos apenas um grupo, à tarde, na famosa Chinatown de Yokohama. Um grupo de senhores conversava em espanhol e o Marco, amigo meu, não perdeu a chance de dar uma provocada. Disse que a alegria terminaria à noite, ou algo assim. Os espanhois gritaram “Barça, barça!” mas logo fomos embora, pois queríamos ir pro estádio.

Chegando na estação do estádio, o clima já era de superprodução. Vários guias indicavam o caminho, separando as pessoas pela entrada associada ao ingresso. Alguns falavam espanhol, português, até italiano, identificados em sua roupa. Mas não foi necessário, as próprias placas eram suficientes.

O estádio internacional de Yokohama (横浜国際総合競技場) fica a uns 15 minutos a pé da estação. Eu já conhecia o estádio, pelo menos por fora, mas não sabia! É que lá pela metade do ano eu fui a Yokohama prestar o TOEFL, e era muito próximo do estádio da Nissan, que eu havia visto. Eu duvidei que a final de um evento patrocinado pela Toyota seria no estádio da Nissan - as duas empresas são concorrentes -, mas de fato, o nome oficial do estádio é “Nissan Stadium”, sendo o nome “Yokohama International Stadium” o antigo, ainda usado em eventos da FIFA onde não é permitido usar a marca dos patrocinadores para nomear os estádios.

No caminho até o estádio, muitos estrangeiros vendendo camisetas, mantas, faixas do Barcelona. Alguns vendiam camisetas de outros times, da seleção brasileira, mas não havia quase nada do colorado. Um ou outro vendia a camisa oficial, muito cara, e obviamente ninguém comprava. Estes estrangeiros mal e mal falavam japonês, eram na maioria europeus, turcos, etc.

Não só pela quase exclusividade de venda de artigos do Barcelona, era claro que os japoneses estavam lá pra ver o Barcelona do Ronaldinho. Muitas pessoas usando ítens do Barcelona, e apenas um ou outro japonês com alguma coisa do Inter.

Pra entender é preciso falar da popularidade do Ronaldinho aqui. Tirando os jogadores de Beisebol japoneses, o Ronaldinho é sem dúvida a maior celebridade dos esportes aqui. Ele estrela diversas campanhas, a mais famosa é de um cartão de crédito onde aparece de terno falando de seu passado e como chegou aonde chegou, tudo em português com legenda em japonês. Tem cartazes dessa propaganda em todo lugar, até no meu supermercado, e a propaganda em si, até há algumas semanas atrás, era mostrada nos telões gigantes de Shibuya (渋谷), zona mais badalada de Tokyo onde fica aquele cruzamento que aparece no filme “Encontros e Desencontros”, um dos mais movimentado do Japão, senão do mundo.

Esse excesso de mídia faz as pessoas começarem a ver as celebridades como vindo de um outro planeta, de outro nível, diferente dos “reles mortais”. Assim, os japoneses foram ver o espetáculo do Ronaldinho, era claro pra eles que o Barcelona ganharia, e que Ronaldinho iria brincar no campo, dando um show pessoal.

Eu admito que até a gente acaba acreditando nessas bobagens. Vendo aquele estádio cheio de japoneses com bandeiras, camisas do Barcelona, dava até pra pensar que isso seria o que aconteceria, principalmente se os jogadores do Inter também, pelo menos de leve, acreditassem em tamanha bobagem.

Mas aí é preciso levar duas coisas em consideração. Primeiro, esse “Ronaldinho”, fenômeno, no fundo ainda era o piá que jogava nos campinhos de Porto Alegre, os mesmo que muitos jogadores do Inter já haviam jogado. E, mais importante, a torcida do Inter, se menos numerosa, era a torcida real, com paixão, e seus coros e gritos tomavam conta do estádio. Não havia comparação com o silêncio dos japoneses. Além disso, diferente do primeiro estádio onde o Inter havia jogado, em Tokyo, esse sim tinha cara de palco pro grande espetáculo que a torcida e os times fariam acontecer.

Pra ser sincero, havia uma torcida de espanhóis do Barcelona, mas pra minha surpresa, ela era menor que a do Inter. Tendo ouvido sobre como a torcida do Barcelona era fanática, e considerando que eles ganham em Euro, achava que o estádio estaria cheio de espanhóis, os únicos que poderiam rivalizar com a torcida do Inter, já que os japoneses uniformizados estavam ali apenas como figurantes. Mas, não, a torcida do Barça era de apenas uns 2/3 da torcida do Inter, que por estar espalhada pelo estádio - exigência da organização, dizem, que temia confusões - parecia ainda maior. Todos aqueles gritos ouvidos no Beira Rio tomavam conta do estádio de Yokohama: “Ronaldinho, amarelão, melhor do mundo é o Fernandão”, “Fernando... Carvalho...” e outros não tão inocentes que é melhor não escrever aqui. :)

E aí teve showzinho, apresentação. O Marco disse: "O Inter tinha que calar a boca de todo mundo hoje...", e o jogo começou. Ia ficando cada vez mais claro que o Barcelona era um time humano como o Inter, que aliás, era um belo time. Nunca entendi nada de futebol, e não foi no jogo que comecei a entender, mas dava pra ver que, se o ataque do Inter não se acertava muito bem, a defesa estava marcando bem o Ronaldinho, e conseqüentemente o “time das estrelas” que dependia dele ficava cada vez mais anulado. Claro, a marcação forte em cima dele deixava o outro lado um pouco mais aberto, por onde vários ataques eram feitos, o que nos deixava numa tensão danada, mas as defesas do Clemer foram decisivas nesses momentos.

O jogo foi indo, sempre no mesmo esquema. Terminou o primeiro tempo, e a gente ficou imaginando como seria o clima em cada vestiário. No do Barcelona, eles deveriam estar sem entender o que acontecia, no do Inter, a confiança e fé deveriam estar só crescendo. E o segundo tempo começou.

Poucas mudanças, mas ficávamos mais tranqüilos. Os ataques do Barcelona não eram mais tão fortes, até que, no final do jogo, o “inacreditável” aconteceu. O Inter marcou, e o silêncio dos japoneses que não entendiam o que acontecia contrastava com a festa da torcida colorada que tomava conta do estádio. No Japão, as coisas acontecem como o esperado. Japonês não gosta de inesperado. E eles estavam lá pra ver o Barcelona ganhar, como deveria acontecer - na cabeça deles. O gol do Inter não deveria fazer sentido.

O jogo finalmente acabou, mas antes passando os descontos mais longos da história, pelo menos na nossa percepção. E o “impossível” aconteceu. O Inter havia derrotado os “inderrotáveis”, os “melhores do mundo” e se tornava campeão do mundo. E eu, que nem gosto muito de futebol, estava lá, pra comemorar com toda aquela torcida fanática que atravessou o mundo, gastou uma nota, pra ver um sonho se realizar. Admito: claro que queria que aquilo acontecesse, não era meu sonho, mas estava feliz por ver o sonho de tanta gente se realizando. Era o inesperado, o triunfo dos desvalorizados, e, acima de tudo, o momento de glória, do desporto nacional. :)

No dia anterior, em Kamakura (鎌倉), a pequena estátua de Buda indicava o que estava por vir no dia seguinte. ;)

segunda-feira, dezembro 18, 2006

...registrar!

...e os vídeos!

Para a história...

Em seguida escrevo como foi! Por enquanto vão ficando com as fotos...

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Com o cosmo em seus dedos

Ontem à noite foi o jogo do Inter. Eu estava lá. Acho que muitos devem esperar que eu escreva hoje sobre como foi o jogo, ou sobre como foi estar assistindo ao vivo, mas pra decepção da torcida colorada, não é sobre isso que vou escrever. O que eu tenho pra contar é sobre algo que assisti ontem à tarde, em uma das séries de seminários que estou matriculado. Foi algo inesperado e bastante interessante. E espero que os colorados, depois de lerem, concordem comigo que valeu a pena deixar o jogo para depois.

Uma das coisas legais do departamento onde faço doutorado é que ele é multidisciplinar. O departamento, chamado “Advanced Interdisciplinary Studies”, apesar de ser ligado à escola de engenharia, também possui estudantes das áreas de biologia, sociologia, direito etc. Este semestre, além de uma série de seminários sobre dispositivos físicos do estado-da-arte, resolvi me matricular também nos seminários sobre “sistemas sociais”. Fiquei meio em dúvida sobre isso, pois eles fogem (bastante) da minha área de pesquisa (computação - tolerância a falhas), mas, apesar de serem todos em japonês e eu entender cerca de 5% do que está sendo apresentado, são sempre muito interessantes, coisas realmente novas para mim. Só lamento que meu nível de japonês não me permite levar comigo muito mais do que ali é passado.

Chegando na aula ontem, um professor estava preparando o projetor para sua apresentação, e sentado junto a audiência estava um outro japonês, engravatado, acompanhado de duas moças. Os três estavam de costas para os alunos, e o homem falava com o professor, usando uma voz estranha, alta para os padrões japoneses e com uma flutuação forte na entonação. Achei estranho, mas já me acostumei a achar tantas coisas aqui estranhas que não dei muita bola.

Quando o professor termina a preparação do equipamento, o japonês da voz estranha e uma das moças se levantam, se viram para os alunos e ele começa a falar. Então reparo que ele é cego, e as moças são suas assistentes. Ele pergunta para ela quantas pessoas estão presentes. Ela da uma olhada geral e diz para ele um número aproximado. Não entendo muito bem o que está acontecendo, como sempre, tudo acontece em japonês. Mas reparo que ela segura ambas as mãos dele, e enquanto fala, bate com os seus dedos nos dedos do homem.

Por que ela faz aquilo? Parece que, além de ser auxiliar dele, a moça tem algum tique nervoso. Ou ainda, que ele tem mais alguma deficiência, que exige que ela o toque para lhe passar algum feedback. Continuo assistindo, sem entender plenamente o que está acontecendo, enquanto os alunos distribuem um texto do palestrante. Pego a minha cópia, começo a examinar, verifico estar quase tudo em japonês, exceto o final, que apresenta um poema em inglês. O poema se chama “Cosmos on my Fingertips” (O Cosmo em meus Dedos) e diz:

When light and sound vanished from my life,
There ceased to be words,
And the world was no more.

Alone in the dark and silence,
I sat motionless, wordless.

But when your fingers touched my fingertips,
Words emerged into being,
Throwing light and invoking melodies lost.

When I communicated with you through my fingertips,
There arose a new cosmos,
And I discovered the world again.

Communication is my life.
My life is and will always be with words --
Words spun out from the cosmos on my fingertips.

Ao terminar de ler esse poema, senti um arrepio, uma sensação estranha, enquanto finalmente entendia aquela pessoa que estava ali. Ele era um surdo-cego, e a moça “digitava” em seus dedos o que estava escutando.

Depois recebi outra cópia do texto, esta em inglês. Aí tive mais detalhes. O nome do homem era Satoshi Fukushima (福島智), e ele é professor da Universidade de Tokyo. O texto distribuído era uma cópia de seu discurso de abertura da 2a Conferência Internacional para o Design Universal, que aconteceu este ano em Kyoto. O Prof. Fukushima nasceu com audição e visão normais, tendo portanto aprendido a se comunicar, mas aos 9 anos de idade perdeu a visão. Aos 18, para seu desespero, perdeu sua audição, tornando-se um surdo-cego. Segundo sua apresentação, o número de pessoas na mesma situação é de 1 para 5 mil a 1 para 10 mil, sendo portanto muito mais comum do que se pode imaginar (supondo o número menor, no Brasil devem existir cerca de 20 mil pessoas nessa situação!). A grande virada em sua vida foi o invenção, junto com sua mãe, da técnica chamada finger Braille que é esta digitação das palavras em seus dedos e o reconhecimento através do tato. Com ela, ele pode continuar seus estudos, sendo o primeiro surdo-cego a entrar em uma universidade, se formar, e finalmente se tornar professor da universidade mais conceituada do Japão.

Passada a apresentação inicial, a palavra voltou ao Professor que inicialmente preparava o projetor, que apresentou sobre técnicas de auxílio aos deficientes. A palestra foi uma das mais interessantes dessa série de seminários e, apesar da língua, em uma das quais mais entendi sobre o que se estava falando. Foram mostradas técnicas de reconhecimento de sons por surdos, o funcionamento de uma laringe artificial, a percepção do ambiente por cegos, robôs de auxílios aos deficientes, além de diversas outros “milagres” tecnológicos.

E, paradoxalmente, enquanto eu estava ali com meus 5 sentidos intactos, entendendo cerca de 10% do que estava sendo apresentado, o Prof. Fukushima, com suas duas assistentes que se revezavam a cada 20 minutos em seus dedos, provavelmente estava absorvendo mais de 95% do conteúdo da apresentação. Com esse pensamento na cabeça, saí da aula para o jogo do Inter, que fica para um outro post...

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Bonito, tudo colorido

Sabe aquelas atividades que a gente tem vontade de fazer, que a princípio não tem empecilho ou dificuldade maior, mas pelas circunstâncias a gente acaba adiando? E um dia, na situação mais inusitada, as coisas se arranjam, os “astros se alinham”, e a oportunidade cai de novo na frente da gente? Pois é, pra mim assistir um festival de balonismo foi mais ou menos assim.

Em Torres, a cerca de 200 km de Porto Alegre, todo ano tem um festival internacional de balonismo, bastante famoso e reconhecido, mas apesar da vontade, sempre acabava não assistindo. Estando aqui no Japão, claro, tento nunca deixar escapar as oportunidades, portanto, assim que fiquei sabendo que o campeonato mundial de balonismo seria aqui perto de Tokyo, em Tochigi (栃木), dei um jeito de me mandar pra lá.

O acaso foi a forma curiosa com que fiquei sabendo do evento. Uma vizinha estava de aniversário, e convidou um grupo de amigos para almoçar. Quando estávamos comentando sobre quem iria no almoço, ela comentou que uma outra brasileira, a Eliza, não iria, pois estaria trabalhando neste festival de balonismo. A Eliza é minha colega de japonês. Já havia conversado bastante com ela, mas nunca imaginara ela como observadora oficial de um campeonato de balonismo, ainda mais o campeonato mundial! São as pessoas e as surpresas que elas nos guardam... Conversamos, então, com a Eliza, pedimos mais detalhes sobre o festival, onde estava sendo, como chegar lá, qual o melhor dia para ir, esse tipo de coisa, e no fim de semana seguinte (o último do festival) nos mandamos para Tochigi, para ver uma das últimas provas e uma apresentação noturna dos balões.

Saímos de Tokyo e fomos para Tochigi, estação de Utsunomiya. Fomos com o Rafael, namorado da Eliza, que ficava conversando com ela pelo celular para nos dizer onde deveríamos ir. Para minha primeira surpresa, mas que pensando bem é algo óbvio, um festival de balonismo não acontece em um lugar específico: ele acontece em uma região. Isso significa que não existe um lugar para onde se ir para assistir o vôo dos balões. As provas consistem em um briefing onde os pilotos são informados onde é o alvo, e dentro de algum intervalo de tempo devem voar para ou sobrevoar este local, dependendo do tipo de prova. Como os pilotos não podem saber a priori onde o alvo fica, é complicado para nós, também, nos dirigirmos a ele e esperar os balões.

Felizmente tinhamos o Rafael e a Eliza. Assim que o briefing informou o local do alvo, a Eliza avisou o Rafael e para lá tentamos ir. Primeiro problema: tinhamos apenas uma coordenada. Isso não chega a ser um problema grande aqui, pois muitos taxis tem GPS. Mas estávamos longe de Tokyo, e não havia um único taxi com GPS na redondeza. Mais conversas com a Eliza. O Rafael consegue referências sobre o local do alvo: ao norte do local tal, sul da cidade tal, perto do rio tal, próximo das linhas de alta tensão, e assim entramos em um taxi para procurar o bendito lugar. Sorte que o Rafael fala bem japonês, e ía conversando com o motorista. Andamos, andamos, e nada do lugar aparecer. Nada de vermos um único balão. Ruas longas, praticamente estradas, no meio de campos de arroz. Após certo tempo de viagem, com a conta do taxi já chegando a 50 dólares, pedimos para o motorista parar, acertamos a conta, e dissemos que procuraríamos por ali. Ele, talvez com um pouco de pena, talvez também curioso em ver os balões, continuou andando com a gente por mais alguns quilômetros “pro bono”, dando voltas, até que finalmente avistamos o primeiro balão, e em seguida, diversos carros estacionados ao redor de um campo de arroz onde claramente deveria ser o alvo.

E aí foi bonito. Foi um balão, depois outro, logo o céu estava repleto de balões, que a distância não davam noção do seu real tamanho. Alguns, talvez por imperícia, estavam completamente distantes do alvo, passando a mais de um quilômetro do mesmo. Mas outros foram precisos, passando a alguns metros de onde estávamos. A visão valeu o custo da taxi, a espera, tudo. Tiramos muitas fotos e comentamos que pela primeira vez tirávamos fotos como aquelas de propagandas de camera ou filme fotográfico. Mas os balões foram passando, e, após o último, os carros ali estacionados começaram a ir embora.

Deveríamos então ir para o próximo evento, o chamado “Night Glow”, exibição noturna onde balões acendem seus maçaricos sincronizadamente, ou seguindo uma música. Esse evento seria no Twin Ring Motegi, autódromo que a Honda construiu para trazer a fórmula Indy ao Japão, e que ficava a uns bons 40 minutos de carro dali. Mas não tinhamos carona, e nem taxi passava por aquele local remoto. Já não havia quase mais ninguém para nos oferecer carona, já escurecia (aqui está escurecendo pelas 17:00), e estava bastante frio, cerca de 5 graus. E nós lá, “plantados”, no campo de arroz. Pedimos carona para o pessoal da organização do evento, que nos disseram que iriam para o Twin Ring, mas ainda deveriam terminar umas medições no local, e portanto levariam ainda mais uma hora, pelo menos, e que se não conseguíssemos outra carona, eles nos ofereceriam. O tempo foi passando. Estávamos preocupados. Achamos que eles haviam se esquecido de nós. Fomos nos aproximando deles de novo, até que finalmente duas moças vieram falar com a gente. Elas estavam indo para Motegi numa das vans da organização e podiam nos levar. Felizes e tranqüilos, finalmente!

Entramos na van, e o aquecimento nos realimentou de energia. Não conversamos muito no caminho, dormimos um pouco, e chegando lá, para nossa sorte, passamos por todos os pontos de controle sem muita espera, pois estávamos com o pessoal da organização, e nos largaram do lado do local da apresentação. A carona não poderia ter sido melhor.

Encontramos a Eliza, e a apresentação em seguida começou. Antes, claro, ainda vimos os balões serem enchidos, incluindo o balão decorativo da Honda, com forma de ASIMO. Além dos maçaricos acesos e da música, um bonito show de fogos de artifício acompanhou a apresentação, que só não foi mais legal por causa do frio que lá fazia. Mesmo assim, as fotos e vídeos ajudarão a guardar a lembrança.

Conclui que gosto mesmo de balões, e assumi um novo compromisso de vida: assistir ao Albuquerque International Balloon Fiesta, no Novo México, Estados Unidos.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Churrasco japonês

Fim de semana passado teve aniversário de um amigo. O plano era reunir o pessoal em um restaurante de shabu-shabu (しゃぶしゃぶ). Nesses restaurantes, em frente às mesas, se colocam umas panelas com água quente, ou um caldo, onde são fervidas fatias finas de carne ou vegetais. Se coloca a comida ali pra ferver por uns minutos (como em um fondue de carne) e depois se mergulha a comida em um potinho cheio de molho, para dar sabor, antes de comer. Não é ruim, mas não é uma das minhas comidas preferidas por aqui.

Chegamos no restaurante onde havíamos feito reserva, mas por algum motivo os funcionários reservaram prum número menor de pessoas do que havíamos pedido, o que nos fez mudar os planos. Saímos de lá para um restaurante de yakiniku (焼き肉, lit. carne tostada) ali perto, o que me deixou mais feliz, por ser uma opção que me agradava mais.

Yakiniku é o que na minha outra estada no Japão conheci como “churrasco coreâno”. Alguns ainda chamam assim, mas hoje o yakiniku japonês é bem diferente do que veio originalmente da Coréia. Até porque não se come carne de cachorro. :)

O yakiniku é parecido com o shabu-shabu: também são fatias finas de carne ou outros vegetais trazidos à mesa, mas esses são tostados em uma pequena grelha ao invés de fervidos em uma panela quente. Em alguns casos se assam também cogumelos, salsichas etc. Depois, se mergulha os pedaços assados em um molhinho com gosto entre shoyu e molho inglês, bastante saboroso, o que dá mais graça à carne.

O restaurante que fomos me surprendeu positivamente. Nesses restaurantes, costuma se paga por um tempo fixo (em geral duas horas), no qual se vai pedindo as carnes e os outros ingredientes. Mas dependendo do lugar, depois de um certo tempo eles começam a demorar a ir trazendo a comida. Nesse, não houve resistência alguma e comemos muita carne, até não agüentar mais. Além disso, pela primeira vez vi um corte que lembrava picanha, mas o que mais gostei foram uns pedaços de carne mais encorpados, que ficavam mais suculentos que as usuais fatias finas. Talvez esses “filezinhos” não sejam do gosto do japonês, mas para nós, brasileiros, foram um sucesso. Já tivemos alguns churrascos aqui, bastante bons, mas esse yakiniku, além de mais fácil, não deixou nada a desejar.

terça-feira, novembro 21, 2006

Virou pastelada

Há três anos, na minha primeira visita ao Japão, fiz algo que nunca imaginava fazer: montar uma barraquinha de pastéis num festival. Se já foi bastante estranho da primeira vez, mais estranho ainda foi repetir isso nessa segunda estada, o que fizemos no outro fim de semana, aqui em Tokyo.

Todo ano o dormitório onde moro realiza o “Soshigaya Art Festival”, um evento que oportuna a maior integração dos estudantes estrangeiros que aqui vivem com a comunidade local. O festival tem diversas atividades: apresentações de danças típicas, oficinas, estandes de promoção dos países, e um “restaurante internacional”, onde os estudantes podem montar barracas e vender comidas dos seus países.

Há cerca de dois meses nos perguntaram o que gostaríamos de preparar pelo Brasil, e resolvemos montar um estande de promoção do Brasil e uma barraca de venda de comidas. Além disso, o Leandro, brasileiro que também mora aqui, conhecia um grupo de capoeira, e os convidou para se apresentarem no festival. Eles toparam. Apesar de não ter nenhum brasileiro nesse grupo, seria mais uma oportunidade legal de mostrar algo do Brasil.

Como já havia feito isso, sugeri de vendermos pastéis, e o pessoal gostou da idéia. Só que ninguém tinha noção de como nos prepararmos pra isso. Da outra vez, minha amiga Mayuko ficou responsável pela maior parte da preparação, comprando ingredientes, arranjando equipamento para cozinhar etc. Dessa vez estávamos por nossa conta, então precisávamos de um plano.

Primeira etapa do plano: determinar quantos pastéis gostaríamos de vender, e quais ingredientes e em que quantidades precisaríamos. Determinamos que venderíamos cerca de 200 pastéis, recheados com atum, batata, chocolate, banana, lingüiça e queijo. Os recheios podem parecer estranhos, mas são baratos aqui e agradam o público, como já tinha visto da outra vez.

Ok, mas alguém que nunca tenha feito pastéis tem idéia de quanto de ingrediente se precisa pra fazer 200 pastéis desse tipo? Nós não tinhamos! Primeiro, teríamos que determinar quanto de massa deveríamos comprar. Existem sites aqui no Japão que vendem coisas brasileiras, incluindo massa de pastel em rolo, mas não sabíamos quantos pastéis um rolo faria. Google to the rescue. Encontrei uma única página com receita de pastel dizendo que um rolo de 500 g servia pra fazer 10 pastéis. Certo, precisariamos de 20 rolos, pelo menos.

E os recheios? Quantas gramas de recheio vai em um pastel? A gente tem uma idéia do volume, mas não do peso. Aí lembrei que o volume de um recheio de pastel é mais ou menos o de um queijo Polenguinho. Bastava ver (mais uma vez, no Google), qual o peso de um Polenguinho, que rapidamente descobrimos pesar 20 g. Beleza, precisaríamos de cerca de 4 kg de recheio.

Fizemos (ou melhor, o Leandro fez) a encomenda das massas pela Internet. Por segurança, e por acharmos que conseguiríamos vender 200 pastéis facilmente, pedimos 25 rolos. Alguns dias depois chegou a encomenda, uma caixa grande com 12,5 kg de massa de pastel, que praticamente lotou as (pequenas) geladeiras do Leandro e do Bogdan. Em seguida, fomos ao supermercado comprar os ingredientes. Meio no olho, já que batatas e bananas aqui não são vendidas por peso mas por unidade, compramos os demais ingredientes, cerca de 1 kg de cada. Achamos, por sorte, barras de Suflair Alpino brasileiro no super, e resolvemos comprar, já que o preço era praticamente o mesmo do chocolate japonês, e ele derreteria mais facilmente, além de ser mais gostoso. :)

Sábado, dia 11, um dia antes do festival, resolvemos experimentar a primeira fritada, para ver como ficaria. Abrimos um rolo de massa e vimos ser possível fazer cerca de 14 pastéis por rolo, já que os nossos tinham um tamanho mais modesto. Poderíamos fazer cerca de 350 pastéis, ao invés dos 200 programados. Fizemos o primeiro teste, e ficou legal. Resolvemos então já fechar todos os pastéis para o dia seguinte. Terminamos todos os recheios, e resolvemos comprar mais duas latas de milho para terminar o queijo que ainda tínhamos. No fim, não teve desperdício algum. Ficamos na cozinha das 12:30 às 21:00! Também determinamos os preços dos pastéis. Gostaríamos de vendê-los por 250 ienes (cerca de R$4,50), mas lembramos que moedas de 50 ienes não são tão comuns e teríamos problema em dar troco, portanto resolvemos mudar os preços para “1 por 300, 2 por 500”.

No dia seguinte, domingo, tínhamos das 11:30 às 15:30~16:00 para vender nossos pastéis. Arranjamos um fogareiro portátil para fritar na própria barraca, além de uma panela grande, mas o vento no dia (estamos no outono), não permitia que o azeite esquentasse. Felizmente tinhamos um plano “B”, fritar os pastéis na cozinha do dormitório. Deixamos o fogareiro na barraca, com uma panela pequena, onde pastéis solitários eram fritos, mais de demonstração do que real ajuda. Fritamos os pastéis na cozinha, e os levávamos numas bandejas para a barraca. Fiquei a tarde inteira na cozinha fritando pastéis, mas o que me diziam é que quando chegava a bandeja com os pastéis quentinhos, a fila aumentava significativamente!

No final, sucesso total, vendemos cerca de 320 pastéis, descontando alguns que comemos, outros que se perderam por estourar etc. A estratégia de vender 2 com desconto funcionou, já que muita gente levava de dois em dois. Alguns comentaram que os pastéis estavam caros, mas o fato de termos vendido todos os pastéis prova que o preço estava apropriado (apesar de termos baixado um pouco no final do dia).

Tenho que agradecer em especial ao Francisco, mexicano, que passou a maior parte da tarde comigo fritando pastéis na cozinha. Sem a ajuda dele não teríamos conseguido suprir a demanda no horário de pico. Em especial, também, à ajuda dos outros brasileiros que não moram no nosso dormitório e vieram nos ajudar: Fernanda, Rômulo, Miura e Geraldo. Finalmente, aos “soshigayenses”, Bianca, Bogdan, Gustavo, Marcelo e Leandro. Nosso super time foi eficiente, vendeu tudo que tinha pra vender, e ainda juntou uma graninha.

Não falei do estande do Brasil, que fizemos as pressas, mas ficou muito bacana. Juntamos postais, cartazes, e alguns outros souvenirs, e ficou algo representante do país. O show de capoeira também foi um sucesso, atraiu muito a atenção de todos. Além disso, o Bogdan, um dos que moram aqui, tocou no violão músicas brasileiras, e apesar de eu não ter visto, dizem que foi bem bacana.

A todos nós, お疲れさまでした! (otsukaresamadeshita, bom trabalho)

terça-feira, outubro 10, 2006

Um dia de sorte

Quinta-feira passada completou 6 meses que cheguei no Japão. Fui almoçar em Shinjuku (新宿), o bairro comercial mais movimentado de Tokyo, porque a tarde havia combinado com a Elka, uma amiga, de comprar ingressos e passagens para um passeio que fizemos com um grupo nesse sábado. Chegamos no escritório onde vendem as passagens e, devido ao feriado que tivemos na segunda, estava difícil conseguir os pacotes para o dia e horário que queríamos. Mandamos mensagens para o resto do grupo para ver qual a opinião deles, e enquanto esperávamos resolvemos tomar um café ali perto.

Durante o café, perguntei à Elka, que fala japonês muito bem, se ela podia me ajudar numa loja perto dali onde tinha visto uma bicicleta que me interessou, mas precisava saber se eles faziam entrega em casa. Estou aqui a 6 meses, e por todo esse tempo fiquei sem bicicleta. O pessoal do meu dormitório já estava até brincando comigo, já que eu era o único que não tinha. O que acontece é que quando vou comprar algo, fico muito tempo decidindo, escolhendo, vendo se é realmente o que quero, e só então compro.

Bicicletas no Japão são essenciais, parte da vida, e existem modelos variando de 50 a 1500 dólares. Não queria a bicicleta mais barata, elas não são ruins, mas são bem simplesinhas. Não queria a bicicleta mais cara, difícil justificar um gasto tão grande em uma bicicleta a menos que isso fosse um hobby, coisa que pra mim (ainda) não é. Queria algo intermediário, com preço legal e que fosse bonita. E fiquei cerca de 6 meses procurando essa bicicleta.

Semana passada tinha visto a bicicleta, em uma loja de departamentos que seguido visito, a Bic Camera. Era uma mountain bike que custava cerca de 235 dólares, preço razoável, design bacana. Estava quase decidido, depois de tanto tempo. Fomos à loja perguntar da entrega, mas não planejava comprar no momento. O vendedor disse à Elka que eles entregavam, sim, mas que tinha um custo, cerca de 8 dólares. Nessa hora, vi também que havia uma nova cor do mesmo modelo, um preto fosco que achei ainda mais bonito que o prateado que havia visto antes. Fiquei bem tentado a comprar, mas já havia esperado tanto tempo e realmente não queria comprar por impulso. Também, havia visto uma outra bicicleta em outra loja, não tão bonita e um pouco mais cara, mas de alumínio. Quanta indecisão...

O Issamu, outro amigo, escreveu para a Elka e disse que vinha nos encontrar. Ele é um cara de quem gosto de ouvir opiniões, então resolvi esperar ele chegar para perguntar o que ele pensava. Uns 20 minutos depois ele chega e trocamos umas idéias sobre a bicicleta. Ele também acha ela bonita, um preço bom, e eu me decido, finalmente, a comprar. Vamos ao caixa, preencho o registro anti-furto1 e o vendedor me diz o total. Entrego o dinheiro, o vendedor registra no caixa, olha a tela, e diz “ee, sugooi!” (algo como “uau!”) e começa a tocar um sino! Ele olha para a Elka com uma cara de “me ajuda, por favor!”.

A Bic Camera está com uma promoção que a cada 100 clientes, um não paga. E eu fui um centésimo cliente! O vendedor devolveu meu dinheiro, e eu ganhei a bicicleta de graça. Fiquei ainda na ansiedade porque ela só seria entregue no domingo, mas como planejado ela chegou esse fim de semana.

Pode não ser a melhor ou mais bonita bicicleta, mas de graça, foi um ótimo negócio. Agora não preciso mais caminhar os 3,2 km diários para ir e voltar da estação de trem. Meus vizinhos não brincam mais comigo por eu ter demorado tanto pra comprar a bicicleta, e se eu já gostava muito de passear pela Bic Camera, agora, então, tenho ainda mais motivos pra gostar dessa loja.

1 O registro anti-furto é um serviço onde colocam um número na bicicleta, e a polícia pode dar batidas eventuais e verificar se esse número está registrado em nome da pessoa que está conduzindo.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Pra quem eu (não) votei pra presidente

Eleição no Brasil é sempre aquela coisa curiosa. Pela obrigatoriedade, fica a dúvida se é um direito ou um dever do cidadão. A resposta é sempre que é os dois, tanto direito como dever de todo brasileiro.

Então é de se supor que uma pessoa com todas as condições legais de votar, que entre com o pedido de transferência de domicílio eleitoral dentro dos prazos estabelecidos, possa exercer o direito e votar, correto?

Errado, ou como se diz aqui chotto chigau... (“não é bem assim”) Eu, estando no Japão, teria o direito de transferir meu título para cá, o que me permitiria votar para presidente domingo passado, desde que entrasse com o pedido no consulado até 3 de maio, limite estabelecido para se fazer essa solicitação. Cheguei em abril e portanto tive ainda certa folga. Fiz a solicitação antes da data limite, no dia 28 de abril de 2006.

Mas por que votar? Convenhamos, essas eleições não estavam nada empolgantes. Nenhum candidato me despertava confiança plena, dando vontade de receber meu voto. Mesmo assim, pelo que vem acontecendo no país (o que a gente sempre acompanha, mesmo à distância), com certeza havia alguns nomes a quem eu não gostaria de entregar meu voto. E não votar em certas pessoas (podendo votar em outras) também é uma forma de comunicação. Deveria passar uma mensagem.

Só que a mensagem não pode ser passada. Meu direito foi negado, pois meu título não foi transferido a tempo para as eleições e conseqüentemente não pude votar. Recebi do consulado a seguinte mensagem, alguns dias antes do pleito:

O Consulado-Geral do Brasil informa que o seu pedido de cadastramento eleitoral esta entre os que nao foram processados a tempo para votacao nas proximas eleicoes. Transcrevo abaixo trechos de oficio do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal a respeito:

"Em virtude de problemas enfrentados no fechamento do cadastro de eleitores residentes no exterior, que solicitaram alistamento ou transferencia, (...) alguns cidadaos brasileiros estarao impossibilitados de votar nos termos por eles requeridos.

Portanto, aqueles cidadaos que solicitaram alistamento eleitoral e nao constam do cadastro de eleitores nao poderao votar nas eleicoes presidenciais que se avizinham. Ja os eleitores que requereram transferencia de domicilio eleitoral deverao justificar a ausencia de voto junto a reparticao consular do local em que se encontrem, em vista de ainda constarem em seus cadastros o domicilio anterior.

Importante frisar que os cidadaos que nao poderao votar terao sua situacao eleitoral imediatamente regularizada quando da reabertura do cadastro de eleitores, que ocorrera apos a finalizacao das Eleicoes 2006."

Ou seja, não só não pude votar, como ainda tive que ir ao consulado justificar minha ausência, como se não fosse óbvio que quem tem um pedido aberto de transferência que não foi efetivado não votou por causa disso. E chovia! Se eu pudesse ter votado, ia com gosto mesmo assim. Pior, ainda tive que fazer uma solicitação de cancelamento do processo de transferência, pois a efetivação seria feita automaticamente para a próxima eleição (que só terei que votar daqui a 4 anos, pra presidente, quando já devo estar de volta ao Brasil). E não sou um caso isolado. O mesmo parece ter acontecido com todos bolsistas daqui que tentaram transferir o domicílio eleitoral pra essas eleições.

Aí começamos a divagar... Primeiro, a gente só ve o valor real das coisas quando elas nos são tiradas. O voto no Brasil não é um direito, é apenas um dever. Se o estado resolve que você não pode votar, é isso, não tem discussão. Segundo, a gente começa a se questionar sobre a validade do processo todo.

Existem cerca de 100 mil brasileiros vivendo legalmente no Japão. Nós, bolsistas, somos uma minoria, sendo a maior parte dessa população de descendentes (nikkeis), que vem em busca de trabalho para uma vida melhor. Não entrando no mérito se essas pessoas são ou não “politizadas” (até porque esse termo não quer dizer muito), é de qualquer forma surpreendente que o número de eleitores brasileiros registrados no Japão seja de apenas 558 pessoas (dado oficial do TSE de junho de 2006).

Curiosamente, Geraldo Alckmin venceu Lula fora do país. Na verdade não é de se surpreender, já que muitos que vivem no exterior são “expatriados”, que tentam uma vida melhor “além mar” por estarem insatisfeitos com a situação local.

terça-feira, setembro 19, 2006

Doutorando

Pra evitar a formação de teias de aranha nesse blog, vou dar uma atualização geral sobre as atividades do verão. Fica cada vez mais difícil escrever, não por falta de tempo, mas pelo fato do meu dia-a-dia aqui estar cada vez com menos cara de “viagem” e mais parte da minha vida normal. E escrever sobre isso não parece tão interessante.

A primeira (grande?) notícia é que dia 30 de agosto teve minha prova de admissão pro doutorado. Desde que cheguei aqui estava como “estudante de pesquisa” (kenkyusei, 研究生) que é como chamam quem faz pesquisa mas não está buscando um título. Todos os bolsistas de pós do Monbukagakusho (文部科学省) chegam aqui com esse status e só se tornam mestrandos e doutorandos depois de aceitos nos exames de suas Universidades. Os exames variam muito: alguns tem provas de conhecimento, em japonês, outros em inglês, e a dificuldade varia muito. Eu tive sorte: no meu departamento não há prova escrita e a seleção consiste apenas de uma entrevista/apresentação de 12 minutos, onde se mostra as realizações do mestrado e a proposta de pesquisa pro doutorado. Isso, claro, depois de entregar uma lista de realizações de pesquisa, de publicações, e um plano de estudos.

Fiquei muito nervoso com a apresentação. Preparei meu slides com certa antecedência e mostrei pro meu orientador. Ele gostou mas sugeriu mais alguns slides. Meu nervosismo era por dois motivos. Primeiro, apesar de confiante na defesa da qualidade do meu trabalho de mestrado, nem mesmo eu estava convencido da maturidade da minha proposta pro doutorado. Como quem é “acadêmico” sabe, isso amadurece com o tempo, e no princípio nunca se sabe ao certo pra onde a pesquisa vai se encaminhar. Segundo, não tão importante, também tinha o desconhecimento de como seria uma banca de professores japoneses. Eles entenderiam minha apresentação ou, pelo menos, as justificativas de porque gostaria de fazer o doutorado naquele departamento? Que tipo de perguntas fariam?

Foi a terceira vez que fiz uma apresentação importante (sendo as outras duas a defesa da graduação e do mestrado), e também a terceira vez que me estresso sem necessidade por causa disso. A apresentação correu bem, consegui acertar o tempo perfeitamente, e as perguntas que vieram depois, apesar de várias, foram pertinentes e mostravam que eles realmente queriam entender melhor o que eu havia feito e queria fazer, e não me colocar em uma situação difícil. Ao terminar a apresentação, ao sair da sala, apesar de não ouvir o que a banca dizia (e mesmo que ouvisse não entenderia nada), ouvi umas risadas, o que me deixou mais tranqüilo. Sabia que não havia motivos para estarem rindo de mim ou da minha apresentação, então o clima era cordial e as coisas deveriam ter saido bem.

Dois dias depois meu orientador me informou o resultado: eu havia passado. O resultado oficial veio mesmo só na semana passada, mas desde o dia 1º já estou arrumando a papelada para mudar o status da minha bolsa, me desligar do departamento antigo e ligar ao novo etc.

O melhor desse acontecimento é me permitir ver minha estada aqui com outros olhos: quando a gente chega como kenkyusei está com o futuro aqui incerto. Não se sabe até quando vai ficar no Japão nem o que se vai fazer. Agora eu sei. Fico aqui pelos próximos 3 anos, pesquisarei, escreverei minha tese e, sabendo disso, posso me programar pra aproveitar da melhor forma possível meu tempo livre nesse canto do mundo.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Minha “casa”

Hoje estava fazendo uma limpeza aqui no meu quarto, e me dei conta que nunca mostrei fotos de onde eu moro. Aproveitando que está tudo arrumado e limpo, seguem então algumas fotos (o quarto é pequeno, quatro fotos são suficientes pra mostrar tudo):

A casa é sua, vá entrando...

Minha escrivaninha, com o computador que também faz papel de TV e a estante com livros e outros badulaques.

Pelo outro lado, a cama (meu futon está dobrado lá em cima, coloco ele sobre a cama para dormir), e a janela.

Em direção à porta: à esquerda a mesa onde eu faço lanches, minha “dispensa” e o refrigerador (embaixo à direita). Tem meu ventilador também, mas o quarto tem ar condicionado.

Finalmente, meu banheiro. O chuveiro é lá fora, compartilhado mas individual, felizmente limpo também.

Claro, tem dormitórios melhores, mas esse meu não é ruim. A visita foi rápida, voltem sempre... ;)

sábado, agosto 19, 2006

Ingresso comprado

Posso não gostar tanto assim de futebol, mas essa oportunidade eu não ia perder. Compramos hoje (eu, o Mário e o Marco - dois outros gaúchos e colorados) nossos ingressos para os jogos do Inter, dias 13 e 17. Vamos de categoria 1, pra que nossa faixa pro Galvão Bueno apareça na TV, hehehe. Aos que vem, nos vemos lá, aos que não, procurem tres pontinhos vermelhos na TV. ;)

quinta-feira, agosto 17, 2006

Glória do desporto nacional

Logo que saiu a confirmação da minha vinda aqui pro Japão, aproveitando a boa campanha do Inter até então, mas também com certo deboche, coloquei no meu MSN a expressão “Colorado rumo a Tóquio”. Claro, já tantas vezes o Inter havia “morrido na praia” que qualquer resultado positivo era motivo pra alimentar a esperança colorada, o que acabava virando motivo de piada até entre seus próprios torcedores.

Sempre digo que não gosto de futebol mas, como é obrigação de todo brasileiro, tenho que “torcer” por um time, e por motivos familiares esse time é o Inter. Daí a brincadeira: eu, colorado, estava vindo rumo a Tóquio. Só isso. Não imaginava de verdade o Inter disputando a final do interclubes aqui no Japão.

Dizia, quando o Inter ia mal, que esse meu desinteresse por futebol não era devido a fase. Que era o mesmo estando o Inter bem ou mal. Agora, com o time campeão da Libertadores, continuo pensando da mesma forma. Ainda não gosto de futebol, mas fico feliz por todos os colorados, e mais feliz porque acredito que muitos vão se esforçar ao máximo para vir assistir aos jogos em Yokohama em dezembro.

Por isso, nas próximas semanas, vou começar a colocar aqui dicas de onde ficar, comer, como se locomover, e o que visitar em Tóquio.

Saudações coloradas!

quarta-feira, agosto 02, 2006

Flores de fogo

Se na sexta-feira entramos de férias da aula de japonês, já no sábado tivemos nossa primeira “atividade de lazer”: o festival de fogos do Sumidagawa (隅田川花火大会) em Asakusa (浅草), bairro mais tradicional de Tokyo.

Festivais de fogos são uma tradição nas noites de verão do Japão. Com as temperaturas mais amenas, milhares de pessoas se reunem nas margens dos rios para assistirem espetáculos preparados durante todo o resto do ano. O Sumidagawa é um desses rios e seu festival está entre os mais famosos. Por ter origem num festival antigo, é considerado um evento com mais de 270 anos de tradição. A queima de cerca de 20 mil fogos reune mais de meio milhão de pessoas, todo ano.

O início do show estava marcado para às 19:10, mas resolvemos ir mais cedo, na metade da tarde, para encontrar um lugar bom e dar uma passeada pelo local. O dia estava agradável e não havia motivo pra ficar em casa enrolando. Ao sairmos do dormitório encontramos uns amigos, de quem nos perdemos no caminho até Asakusa e pensamos não mais encontrar (nesse dia, é claro). Também, haviamos combinado de nos encontrar com um outro grupo, mas sabendo a quantidade de gente que deveria estar por lá achamos que ía ser muito difícil encontrá-los. Chegando em Asakusa, paramos pra comprar umas coisas para comer - eu comi um yakisoba (焼きそば) e uma amiga um takoyaki (たこ焼き) - e, pra nossa grata surpresa, logo numa esquina já encontramos o pessoal que haviamos perdido. Ligamos para o outro grupo que, através de uma referência aqui, outra ali, também encontramos, em um grande campo de esportes onde várias pessoas se preparavam para assistir aos fogos.

Nosso lugar não era dos melhores. As pessoas aqui costumam ir cedo pro local do evento e estender umas lonas, marcando o lugar para suas famílias e amigos. Os nossos tinham recém chegado e posto apenas umas esteiras em um lugar mais lateral do campo, não tinha comparação com os lugares que os japonêses madrugadores conseguiram. No nosso lugar havia algumas árvores, tapando parte da vista onde, esperávamos, estariam os fogos. Mesmo assim, tinha espaço pra todo mundo, dava até pra se deitar pra curtir o espetáculo, e, por estarmos juntos com o pessoal “nativo” compartilhávamos o espírito do evento. Era um lugar bacana.

Já disse outra vez, mas não custa dizer mais uma: apenas em uma situação os olhinhos dos japoneses se abrem, que é pra ver fogos de artifício. Eles ficam fascinados. Mas é fácil de se entender. No Brasil, somente nos últimos anos que começamos a ter fogos mais elaborados. Por muito tempo, fogos eram sinônimo de “rojão” e barulho. Aqui, os fogos tem que ser, antes de tudo, bonitos: como tudo aqui, visuais. Até o nome expressa isso. Para eles fogos de artifício são flores de fogo (花火, hanabi).

Esses festivais são encantadores, não só pela complexidade dos fogos (às vezes são até bastante simples) nem pelo exagero. O mais legal, pra mim, é o ambiente, a atmosfera. As pessoas na rua, vestidas com seus trajes típicos de verão - yukatas (浴衣) e jinbeis (甚平) - num clima familiar. Crianças, jovens, idosos, todos aproveitando o momento juntos. As barraquinhas de comidas típicas. Nada de tumulto (exceto pelo tumulto natural causado por qualquer reunião de 900 mil pessoas), é tudo muito tranqüilo. Mesmo que não seja para ver os fogos, só estar ali, naquele lugar e no meio daquela gente, já é muito agradável.

E os fogos, que tal? É o tipo da imagem que não dá pra descrever. O que dá, sim, é pra falar da sensação de estar ali assistindo. O deslocamento de ar de cada explosão, quando chega na gente, é como se nos transmitisse toda aquela energia que acabamos de ver, nos afetando, nos dando alegria. É impossível não ficar feliz. Se esquece qualquer problema, chateação ou preocupação. Mas eu não consigo descrever direito. Quem descreve bem esse fascínio que os fogos causam na gente é a Martha Medeiros, escritora gaúcha (e filha do meu dentista, hehehe), numa crônica que minha mãe gosta muito: “O motoboy e os fogos de artifício”, da qual transcrevo uma parte:

Nossas cabeças estão sempre olhando pra baixo, para os próprios passos, para o caminho a percorrer. Fogos de artifício nos retêm. Erguem nossas cabeças, iluminam o que é escuro, capturam a gente de uma realidade burocrática, repetitiva, sem festa. Fogos de artifício são sinalizadores, há alguém feliz bem próximo, e está repartindo esse estado de espírito com você, que não viveu nada de extraordinário hoje, que estava louco pra chegar em casa, tirar a roupa suada, tomar um banho e ver um pouco de televisão.

De forma melhor que ela fez, não dá pra escrever. O máximo que posso fazer é deixar vocês com 20 segundos do meu estado de espírito, antes que voltem pras suas televisões.