Ok, continuando o assunto do post anterior... Fui a Boston (na verdade, Cambridge) no início do mês pra participar do segundo fórum de uma organização chamada STeLA (Science & Technology Leadership Association). Provavelmente ninguém aqui ouviu falar dessa organização. Ela está recém no seu terceiro ano e foi fundada nos EUA por um grupo de japoneses que estudava por lá. O primeiro fórum foi no ano passado aqui em Tokyo, mas desse eu não participei. Só fiquei sabendo sobre o segundo fórum esse ano, e lendo sobre a organização logo me interessei em participar.
O objetivo “oficial” da STeLA é desenvolver lideranças nas áreas de ciência e tecnologia (C&T). A minha interpretação mais prática dessa idéia meio abstrata é que a STeLA tenta criar um grupo de estudantes, de vários países, ligados a C&T capazes de auxiliar nas decisões que afetem as políticas públicas. Chamo o objetivo de “oficial” (com áspas) porque, como a organização é ainda bastante jovem, seus fundamentos não são rígidos e a organização vai se modificar e adaptar de acordo com seus membros.
Existem outras organizações de estudantes que tentam preparar jovens para assumirem papéis de liderança e terem um impacto positivo na sociedade, mas achei o diferencial da STeLA, de focar em C&T, bastante interessante, por considerar dois fatores: (i) ciência e tecnologia são imprescindíveis pra se lidar com os problemas atuais da sociedade; e (ii) existe um distanciamento muito grande entre os cientistas e engenheiros e os políticos. As pessoas da área de C&T tem certo receio de se envolver com política, e políticos raramente tem conhecimento suficiente em C&T para que possam tomar as decisões mais apropriadas levando-as em consideração. Há, inclusive, um certo desdém mútuo entre os dois grupos.
Participaram do fórum cerca de 50 pessoas, sendo um terço de universidades americanas (principalmente MIT e Harvard), outro do Japão (Universidade de Tokyo e Instituto Tecnológico de Tokyo) e ainda na China (Universidade de Pequim e de Tsinghua). O fórum era baseado em três componentes: os workshops sobre liderança, as atividades temáticas e o projeto final em grupo.
Nos workshops sobre liderança, realizamos atividades relacionadas ao modelo de liderança distribuído empregado na Sloan School of Management do MIT. Um ponto interessante é que existe um projeto de pesquisa do MIT, parceiro da STeLA, que investiga as interações dentro de um grupo de negociações. Por esse motivo, durante as atividades, usávamos um sensor pendurado no pescoço, que gravava com quem e como estávamos interagindo. Após as sessões, podíamos observar como tinha sido a interação dentro do grupo e trabalhar para que a comunicação e interação fosse melhorada. Infelizmente nossos sensores não funcionaram muito bem, então o feedback não foi muito útil. Ainda na parte de liderança, tivemos também duas keynote speeches de dois prêmios Nobel em medicina: Phil Sharp (1993) e Susumu Tonegawa (1987). Estas apresentações foram completamente diferentes do que se esperaria de um “prêmio Nobel”: foram muito mais um bate papo informal sobre suas carreiras científicas.
Quanto a parte das sessões temáticas do fórum, o assunto desse ano foram os problemas de saúde pública global (daí a escolha dos keynote speakers). Nessa parte também tivemos apresentações e leituras sobre o assunto, participamos de um painel com professores ligados à área, e fizemos uma visita ao laboratório de pesquisa da Merck em Boston, onde se pesquisam medicamentos contra o câncer e o mal de Alzheimer. Obviamente, essa não é a minha área, nem de muitos dos estudantes que participaram do fórum. Mas a idéia da STeLA é que o tema seja apenas um cenário onde se possam aplicar as habilidades desenvolvidas, além de criar consciência sobre o assunto. E essas habilidades seriam desenvolvidas na terceira parte do fórum, o projeto final.
Para desenvolvermos o projeto fomos divididos em grupos de 5. No meu, além de mim, havia um japonês que estuda química em Princeton, um americano que faz pós em mecânica no MIT, uma coreana que estuda fisiologia na Universidade de Tokyo e uma chinesa que estuda biologia na Universidade de Pequim. Nosso grupo era bastante heterogêneo, e era interessante (e desafiador, às vezes) trabalhar em grupo com pessoas de backgrounds culturais e acadêmicos tão diferentes. Foi interessante ver cada membro assumindo naturalmente papéis diferentes dentro do grupo. Isso era parte dos objetivos do fórum.
O projeto final era a criação de um video de 30 segundos que abordasse um dos problemas de saúde pública discutidos no fórum. Escolhemos fazer nosso vídeo sobre doenças tropicais negligenciadas. Essas doenças atingem cerca de 1 bilhão de pessoas, principalmente em países pobres, e não possuem tratamento adequado, pois como não atingem os países ricos, não são de interesse da indústria farmacêutica. Como a maioria de nós não era da área das ciências biológicas, não tinhamos conhecimento prévio do problema. Nosso vídeo, portanto, não tenta encontrar soluções concretas, mas apenas alertar mais pessoas sobre sua existência, como primeiro passo. Apesar de não termos ganho nenhum dos prêmios do fórum, todos no grupo ficamos com muito orgulho do nosso “filho”:
No final do fórum, começamos a discutir sobre o próximo: se vai acontecer, e onde. Os participantes da China mostraram bastante interesse em hospedar o fórum (o primeiro foi no Japão, e essa edição nos EUA foi a segunda). Apesar de terem certo suporte das universidades, a maior dúvida foi quanto ao pessoal para organizar o evento, já que não sabemos ao certo quantos estudantes estão envolvidos com a STeLA na China. Também, a questão da comunicação pode ser complicada, pois precisaríamos de videoconferência confiável entre o Japão/EUA e a China. Por esses motivos, resolvemos dar mais algumas semanas ao time da China para que verifiquem a disponibilidade de pessoal e de outros recursos e mandem uma proposta. Caso a China não consiga organizar para 2009, o Japão deve hospedar o fórum novamente em 2009 e a China só em 2010. Como estarei envolvido com o final do meu doutorado (assim espero) ano que vem, não devo participar do próximo fórum se ele for na China, mas se for por aqui ainda devo me envolver.
Sobre Boston, em si, o que posso dizer é que a cidade é muito menor do que eu imaginava, em um dia se consegue dar uma boa volta a pé pela cidade. O que é marcante, além das atrações ligadas a história dos EUA e a arquitetura própria, é o grande número de universidades (e conseqüentemente, de gente jovem). O Jeff, americano do meu grupo, perguntou o que mais chamava atenção em Boston, vindo do Japão, e começou a dar risada quando respondi que era a quantidade de asiáticos! Mas é verdade... Ouvi uma estatística de que 60% dos estudantes do MIT são da Ásia, e que MIT na verdade quer dizer “Made In Taiwan”. :)
E sobre o MIT, o que dizer? Bom, muita da tecnologia que a gente usa vem diretamente de lá, muita da história da computação (e da cultura ligada a ela) se passa por lá. Então pra quem é da área, o lugar acaba se tornando meio “mítico”, a gente imagina existir em outro plano. Mas chegando lá, a gente vê que eles tem uma ótima infraestrutura, com certeza pesquisa no estado da arte e grandes recursos humanos, mas é apenas mais uma (ótima) universidade. É bom visitar lugares assim pra nos dar perspectiva. Foi muito legal poder visitar o MIT com os “nativos”, andar livremente pelos prédios, ficar hospedados nos dormitórios, pra desmanchar essa falsa imagem.
Tem gente que não entende porque eu me envolvo nesse tipo de atividade, que a princípio não tem nada a ver com a minha área... Claro, eu tenho minha “área” oficial, mas me interesso por várias coisas, de tudo um pouco. E se é uma oportunidade de conhecer e trabalhar com gente diferente, de ver outras perspectivas, sempre resulta em algo positivo. No fórum, trabalhei com algumas das pessoas mais inteligentes que já conheci. Por mais que me vire bem no inglês, nunca tinha visto como é difícil e cansativo pra mim entrar em discussões mais profundas no idioma, por um período mais prolongado. E observar como a gente se comporta trabalhando com pessoas de culturas tão diferentes não é uma oportunidade que aparece todo dia. Foi muito bom ter passado esses dias por lá, cansativos mas produtivos, e espero que eu (e os outros) ainda possa(m) participar de muitas outras atividades como essa.