Lembro da primeira vez que andei de avião. Achei tudo o máximo: aquela máquina enorme que, em um movimento suave, nos levava rapidamente a lugares que normalemente levaríamos dias pra chegar; a vista “quase infinita” pela janela; o serviço de bordo; o design interno da cabine - queria ter uma casa como o interior de um avião! -, pareciam a perfeição: era a forma ideal de viajar.
Recentemente tive a oportunidade de andar pela primeira vez de “trem-bala” japonês. Por mais que hoje tenha muito mais idade que na época da primeira viagem de avião, o encanto foi praticamente o mesmo, coisa que só a tecnologia aplicada é capaz de proporcionar.
Andar de trem já é legal. O movimento é suave, o espaço interno é mais amplo, a janela mostra a paisagem como um “quadro dinâmico”. Mas o trem comum ainda tem alguns incômodos: “Ah, bem que a gente podia parar em menos estações!” ou “Não dava pra fazer essa coisa andar mais rápido?” são dois sentimentos freqüentes quando a gente já está ansioso para chegar. E é essa a maior graça do trem-bala: ele anda rápido e praticamente não para.
O trem-bala é mais um símbolo do Japão. Só que aqui ninguém conhece ele por esse nome internacional. No Japão ele é o shinkansen (新幹線). Literalmente, quer dizer “linha do novo trilho” e o nome foi dado na época da inauguração para diferenciá-lo dos trens comuns, que usavam as linhas (e trilhos) já existentes. Isso foi em 1964, ano das Olimpíadas de Tokyo, que além do shinkansen trouxe outras novidades como o Aeroporto de Haneda, o Tokyo Monorail e o Ginásio de Yoyogi. Mesmo ano em que, do outro lado do mundo, o Brasil tinha que engolir o golpe militar.
Hoje é possível viajar de shinkansen por duas das quatro principais ilhas do Japão, Honshu (本州) e Kyushu (九州) e uma linha ligando a ilha de Hokkaido (北海道) está em construção. A principal linha é também a original, que liga as duas maiores cidades, Tokyo (東京) e Osaka (大阪), passando por outros centros importantes como Nagoya (名古屋) e Kyoto (京都) no caminho. A viagem original desse trajeto tomava 4 horas em 1964, com os trens andando a 210 km/h, e hoje é feita em apenas 2 horas e 25 minutos, em velocidades de 270 a 300 km/h.
Os shinkansens não são os trens mais rápidos do mundo em operação já há alguns anos, e dificilmente voltarão a ser. O problema não é simplesmente técnico, mas sim do terreno montanhoso do Japão, que impede a construção de linhas com poucas curvas. A geração mais recente dos trens tem a mesma velocidade máxima da geração anterior, e o melhoramento técnico está na forma em que os trens se inclinam para percorrer curvas em maior velocidade. A tecnologia é toda japonesa, desenvolvida pelo centro de pesquisas da empresa JR (Japan Railways), mesmo centro que detém o recorde de velocidade de trens de 581 km/h alcançado na linha protótipo de trem maglev, perto do Monte Fuji. E tecnologia boa a gente (ou pelo menos, os japoneses) exporta(m): trens baseados no shinkansen também são usados em Taiwan, na China e na Inglaterra.
Prum país do tamanho do Japão, essas linhas de trem de alta velocidade fazem todo sentido. O custo da passagem não é dos mais baratos, uma passagem de Tokyo a Osaka custa cerca de 130 dólares, enquanto de avião custa cerca de 200, e de ônibus (que leva a noite inteira) 60, mas as vantagens são muitas. As estações de shinkansen ficam sempre dentro da área urbana, enquanto aeroportos ficam sempre mais afastados. Além disso, a viagem de trem não implica em toda paranóia de segurança. Não há toda a verificação de bagagem, e é possível chegar na estação e entrar no trem em menos de 5 minutos. Claro, não há serviço de bagagens, e estas são levadas dentro dos vagões, mas há espaço apropriado para malas (de tamanho médio) e conseqüentemente não é necessário esperar que elas sejam descarregadas como no caso do avião. Diferentemente do avião, também, não é necessário esperar todo o taxiamento pelo aeroporto após o pouso, nem a autorização de decolagem: o trem parte e chega exatamente no horário definido. De fato, são os trens mais confiáveis do mundo: Em 2003, a JR anunciou que o atraso/adiantamento médio de chegada dos shinkansen foi de 6 segundos em relação ao horário esperado, isso calculado sobre 160 mil viagens de shinkansen feitas e incluindo todos erros e acidentes naturais e humanos!
Mas chega de papo técnico. Como é andar de shinkansen? O sentimento é ótimo. Há espaço para as pernas, é possível ver de cenários urbanos a plantações de arroz e chá pela janela, que passam a uma velocidade impressionante. Isso, tudo, cercado pelos passageiros típicos do shinkansen, os salarymen.
Nos dois trens que peguei, acho que mais de 90% dos passageiros eram salarymen em viagens de negócio de mesmo dia. E como tudo no Japão, parecem seguir um ritual. Eles chegam com suas pastas, as acomodandam no compartimento sobre a poltrona, tiram os casacos de seus ternos, os penduram no gancho retrátil ao lado das janelas, sentam-se, abrem as mesinhas retráteis e começam a apreciar seus bentos (弁当), tradicionais “marmitas” japonesas. Alguns abrem seus notebooks, outros lêem jornais, mas praticamente nenhum se dá ao trabalho de fazer aquilo que, pra mim, é o mais agradável: apreciar a vista, pelas grandes janelas. Já devem estar cansados, claro, daquela vista constante em todas suas viagens.
Mas para mim tudo é novo, uma diversão. Espero poder fazer mais muitas dessas viagens, mas nunca tantas que, para mim também, elas se tornem entediantes.