A trajectória do líder da Frelimo e primeiro presidente da história de Moçambique.
Na próxima segunda-feira, 29, completam-se 81 anos do nascimento do “fundador” da nação moçambicana e primeiro presidente, Samora Machel – para sempre uma figura incontornável do país lusófono do Oceano Índico. Com um percurso meteórico, que o levou, em poucos anos, de enfermeiro ao comando do movimento de independência, e, consequentemente, ao comando do próprio país, Machel faz parte da mesma geração de Agostinho Neto e de José Eduardo dos Santos, que completou nesta segunda-feira 35 anos no poder. A comparação, no entanto, termina aí, especialmente no que concerne à presença como líder, ao carisma, e à capacidade de ser idolatrado. Em vez de discursos prudentes e ensaiados, Machel ficou marcado pela contundência da sua fala e das opiniões assertivas e anti-colonialistas. Tendo subido ao poder numa década na qual a Guerra Fria ainda polarizava o mundo, Machel alinhou-se à esquerda, com os soviéticos.
Esse alinhamento foi condicionado sobretudo pela sua afiliação à Frelimo, Frente de Libertação de Moçambique, guerrilha anti-colonialista que lutava pela independência do país. Machel não era o líder natural do movimento, e sim o antropólogo das Nações Unidas Eduardo Mondlane, que fundaria oficialmente a Frelimo em 1962. Apesar de sempre ter sido um nacionalista por convicção, para efeitos práticos foi após a estadia de Mondlane no país em 1961, que Machel deixou-se permear pela ideia de juntar-se à luta, concretamente. Saiu do país em 1963 para receber treinamento na Tanzânia, e, posteriormente, na Argélia.
Na altura, Machel era um enfermeiro que vivia em Maputo, passou unas tempos no bairro Mafalala, depois de ter migrado a partir da sua terra natal, Chilembene, província de Gaza. Machel era filho de agricultores, e teve uma formação católica, mas assim que deixou o colégio e se mudou para capital, onde estudava e a trabalhava no hospital, passou a interessar-se pelo marxismo. Após a entrada na Frelimo e o treinamento recebido, foi alçado directamente de enfermeiro a comandante militar, iniciando a sua ascensão.
Próximo à liderança do movimento, assumiria o Departamento de Defesa da Frelimo em 1966, e, após o assassinato de Mondlane com uma carta-bomba em 1969, chegaria ao topo do partido, uma vez que o sucessor escolhido para o líder morto, Uria Simango, não teve forças para manter-se no posto. Logo em seguida, Machel, Simango e Marcelino dos Santos passaram a partilhar o poder em junta, até à deposição definitiva de Simango, em 1970. Machel seria então o presidente da Frelimo.
Independência
No período que separou a ascensão à liderança do partido e a independência, a Frelimo chegou a ter sob o seu controlo 30 por cento do território moçambicano. A independência de Portugal, bem como das demais colónias lusófonas, deu-se no entanto um ano após a Revolução dos Cravos, em 1974, que retirou do poder o regime de Salazar e o do seu sucessor, Marcello Caetano, e ocasionou a retirada gradual dos portugueses dos “seus” então territórios ultramarinos.
Durante o governo de transição, o líder foi Joaquim Chissano, e não Machel, que apenas assumiu o poder após a independência total, em 25 de Junho de 1975. Nessa altura, vários dissidentes e adversários políticos que ameaçavam o poder da Frelimo foram detidos, e, anos depois, mortos, numa “purga” atribuída ao partido.
Ainda assim, apesar da tentativa de centralizar as decisões em bases socialistas e eliminar qualquer tipo de oposição, a Frelimo acabou por entrar em guerra com a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), que, assim como a Unita em Angola, tinha o apoio da África do Sul, ainda sob o regime do apartheid. Calcula-se que o conflito deixou um milhão de mortos até ao seu fim, em 1994, com a realização das primeiras eleições livres do país.
Durante a sua presidência, Machel nacionalizou bancos, os serviços de saúde e educação e mostrou-se hostil às comunidades de origem portuguesa, que deixaram o país em massa logo após a independência. Em relação aos direitos humanos, o seu governo ficou com a mácula dos “campos de reeducação”, centros análogos aos campos de concentração para “párias” sociais, como prostitutas, homossexuais e Testemunhas de Jeová.
Uma forte crise que se abateu sobre o país em consequência da guerra levou a sua gestão a relativizar a orientação soviética, o que causou negociações com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional para o socorro da sua economia.
Morte
Samora Machel morreu ainda estava na presidência, num controverso acidente aéreo a bordo de um avião russo Tupolev 134, vindo de Lusaka para Maputo. O avião despenhou-se em território sul-africano, próximo à fronteira com Moçambique. A causa do acidente foi definida após investigações como erro do piloto, mas ainda hoje há suspeitas de que o avião teria sido sabotado pelos soviéticos, devido à inclinação recente do presidente às forças ocidentais, aliadas dos Estados Unidos nos anos finais da Guerra Fria. As investigações mais recentes datam de 2012, mas nada além da teoria oficial jamais ficou provado.
Quando morreu, Samora Machel era casado com Graça Machel, que, doze anos após a viuvez, viria a ser a última esposa de Nelson Mandela. Graça foi a ministra da Educação do governo do marido. O casal teve dois filhos, a Josina e o Malengani.
Samora Machel foi anteriormente casado com a guerrilheira Josina Machel, que conheceu no Destacamento Feminino da Frelimo, que ele mesmo havia criado quando dirigia a Defesa do Movimento. Josina morreu de leucemia, e eles tiveram apenas um filho. Os outros quatro filhos do líder moçambicano foram do seu primeiro casamento, com Sorita Tchaicomo.