07 Setembro 2010
Pode Não Ser Crime, A Ingenuidade, mas por ela paga-se uma pena severa, que tanto mais severa se torna quanto mais pessoal e irrisório o acto (no sentido em que actos ingénuos causadores de calamidades ocupam de tal modo as vítimas na sua resolução que o perpretador acaba ofuscado da lembrança colectiva). No caso da literatura, não há maior ingenuidade do que contrariar as expectativas dos leitores para agradar aos editores. E deste acto - bem como de muitos outros - fui, e ainda continuarei a ser, por vezes culpado.Uma das ocasiões de maior ingenuidade terá sido sem dúvida a participação nas Linhas Cruzadas, antologia da PT Telecom. Eis um livro de grande divulgação, com nomes sonantes, com um orçamento de marketing sólido a suportá-lo e um convite feito pelos organizadores (creio que era o Rui Zink). Condições: texto inéditos, que podiam ser de ficção científica. E um limite fatal: não mais de 800 palavras. Garantiram-me: absoluta e intempestivamente não mais que 800 palavras.
O ingénuo do autor não tinha contos de 800 palavras inéditos nem ideias para tal. Debatia-se com uma história sobre uma suposta invasão de um mundo alternativo, que podia não passar de uma doença - dez mil palavras no menos. Além de estar a braços com importantes alterações na sua vida (mudar de casa, desafios profissionais, a constatação que a Simetria, alvo de tanto esforço e anseios, se tornara num projecto zombie, etc, etc), banais e pouco originais, mas que lhe deixaram pouco tempo para pensar em alternativas. Não foi de modas: condensar uma mini-visão do futuro num poema.
Entendam o enquadramento não como desculpa mas memória. Como disse no último post, não interessam as circunstâncias do nascimento do texto, mas apenas a sua própria condição de ser. O poema, na opinião de muitos, ficou aquém do que poderia ter sido, ainda que não pretenda ser mais do que um conjunto de quadras, simples, directas, não sofisticadas, infantis. Algo que destoava - negativamente - de uma antologia daquele calibre.
De tempos a tempos alguém desenterra o morto, calhando ao Miguel a incumbência mais recente e, graças a ele, a pergunta que me levou a lembrar-me e escrever sobre o assunto. Agradeço-lhe pela atenção e peço desculpa pela frustração da expectativa, a ele e aos demais leitores. Devia ter ignorado os limites dos editores. Devia ter enviado o conto que realmente me apetecia. Eis uma lição aprendida.
Ainda assim... ainda assim, o poema tem um charme infantil que me continua a cativar. Talvez não o início mas sem dúvida o embalo. Será uma questão de ingenuidade permanente, será a história épica escondida no interior, ou ainda, uma musicalidade que a página não consegue reproduzir. Embora precise de uma boa revisão da métrica.
E pensar que este sacaninha me deu um trabalhão a compor...
Sonhos de Planetas e Estrelas
À distância da eternidade,
a Terra é um imenso formigueiro
De espécies convencidas de imortalidade,
mas que duram apenas um dia inteiroDe todas elas, a mais peculiar
será a bípede de aspecto simióide
Que antecedeu a artrópode polar
e reinou após a titânia sauróidePouco sabemos a seu respeito,
e tudo o que temos é curiosidade
De determinar o defeito
que a ceifou em tenra idadeTinha raciocínio de construtora
e capacidades de manipulação
Mas natureza de predadora,
talvez seja essa a razãoDe ter usado o planeta sem mente,
rumo a um destino fatal
Embora fosse a primeira inteligente,
enquanto espécie não era nada de especialUma civilização comunica pelos desperdícios,
uma espécie de organismos
Desta restam apenas indícios
de pedra, plástico e mecanismosQue outrora abundaram em demasia,
sintoma de caos e desperdício
Fizeram da descoberta, teimosia,
e da tecnologia, vícioSem controlar as hormonas em ebulição,
perderam-se em actos de amor e violência
Prova de que a animais de criação
não se concede o dom da inteligênciaEm breve faria Gaia a rasura
que apagaria tão fracassada iniciativa
Esperaria milénios para a cura
e depois nova tentativaDesaparecida e enterrada se encontra,
a pequena espécia valente
Que tentou cometer a afronta
de espalhar por outros mundos a sementePois, também na ambição pioneira,
havia sonhos de planetas e estrelas
Mas como lição derradeira
nem os tiveram a eles nem a elasO erro não voltará a ser cometido,
pertence agora só ao passado
E a espécie, cujo nome foi esquecido,
vive apenas na alma de um sonhador cansado.