PACARRETE

PACARRETE

        de Allan Deberton 



MARCÉLIA PACARRETE E AS ACADEMIAS

Glenn Close disse recentemente numa entrevista que foi uma grande injustiça “aquela atriz incrível do Central do Brasil” (ela não sabia o nome de Fernanda Montenegro) não ter ganhado o Oscar de Melhor Atriz.

Fico imaginando o que ela diria se tivesse visto Marcélia Cartaxo em Pacarrete.

Mesmo depois da enorme consagração em Berlim em A hora da estrela, Marcélia teve que esperar mais de 30 anos para receber novo convite para ser a protagonista de um longa-metragem de ficção. 30 anos! Quando finalmente a oportunidade veio, Marcélia estava preparada para fazer o que fez: mais uma interpretação para a antologia de personagens da história do cinema brasileiro.

Mas Marcélia não tem o biotipo nem as joias da coroa nem as cartas de nobreza para atender aos requisitos das Academias (a do Oscar e a sua filial brasileira). Assim como o próprio Pacarrete, o filme de Allan Deberton, um cineasta desconhecido de Russas, no interior do Ceará.

(Alguns anos atrás muitos riam quando Halder Gomes, um cineasta de Quixadá, lançava seu Cine Holliúdy e o filme se revelou um fenômeno do humor. Agora não mais riem do filme, riem com ele)

Glenn Close provavelmente não terá a oportunidade para ver Pacarrete, e um dia poder dizer “que injustiça foi Fernanda Montenegro ter perdido o Oscar! Mas injustiça mesmo foi aquela menina de Cajazeiras, do interior da Paraíba, sequer ter sido nominada”.

Mas, mesmo fora do alcance dos olhares da Glenn Close e das Academias (as duas), Marcélia Pacarrete continua bailando, continua teimando em existir. O que eu só lamento é que Marcélia tenha sido protagonista em tão poucos filmes. O que eu lamento é que Allan só tenha conseguido fazer seu filme muitos anos depois, sem nenhum apoio do estado do Ceará, financiado por um edital de B.O. do MinC, porque havia na comissão um membro cearense que lutou por seu projeto – da mesma forma como havia sido Cine Holliúdy.

Pacarrete entra em cartaz nas salas de cinema no Brasil na data de hoje – mas vai encontrar muita dificuldade para reverberar como deveria, dadas as barreiras à distribuição do cinema brasileiro, e dado o cenário de abertura apenas parcial das salas com a pandemia.

É uma pena, pois Pacarrete reflete sobre nosso atual estado das coisas, sobre como certos setores da sociedade veem o papel do artista e nossa possibilidade de sonhar. E o faz não com ressentimento mas com humor.

Todas essas questões nos fazem perceber como Pacarrete é brasileiro, e sobretudo como ele é nordestino. Pacarrete, essa personagem que não tem reconhecimento em seu próprio lugar mas teima em resistir, reverbera da Pacarrete personagem para a posição de Marcélia no cinema brasileiro, reflete de forma inesperada sobre a posição do próprio filme.

Mas ao fim Marcélia Pacarrete misteriosamente dança. Mesmo contra todos os prognósticos, mesmo sem as cartas da nobreza, Marcélia Pacarrete teima em prosseguir. Obrigado por nunca deixar essa chama desfalecer.

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p.s.: Marcélia também foi a protagonista do belíssimo Agreste, de Paula Gaitán.




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