19.7.10

A ingratidão

Parte I
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Acabou o Campeonato do Mundo de Futebol. Parabéns ao vencedor e que os vencidos deixem de derramar lagrimas de crocodilo, porque daqui a quatro anos volta tudo à mesma.
Os portugueses fizeram uma figura assim-assim, a condizer com as suas possibilidades, exceptuando nos gastos, pois sendo um país onde impera a miséria, recebiam só de presença diária a módica quantia de 800 €, com mais uma data de mordomias.
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Parte II

O Ministério da Saúde entendeu que deveria encerrar o Centro de Saúde de Valença durante o período nocturno, a que chamam de urgências, por aquele não possuir as “Valencias” necessárias ao seu bom funcionamento.
Os Valencianos fizeram greve, protestaram com bandeiras negras durante muitos dias e o caso foi noticiado em todos os telejornais das televisões do nosso burgo.
E na sua luta por aquilo que achavam justíssimo, atravessaram a ponte fronteiriça e pediram ajuda aos espanhóis, que de braços abertos colocaram à sua disposição o Centro de Saúde de Tui.
A partir daí, foi como se a guerra na Península tivesse acabado. Esqueceu-se D. Urraca, Aljubarrota, o Mestre de Aviz e as bandeiras de “nuestros hermanos” foram hasteadas em todas as janelas e a PAZ voltou àquela cidade do alto Minho.
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Parte III
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Entrtanto, calhou-nos em sorteio jogar para os oitavos de final do referido Campeonato do Mundo com a nossa vizinha Espanha. As botas foram engraxadas, os treinadores atiraram-se em “bocas” que a nada levaram, os jogadores arregaçaram as mangas, arreganharam os dentes, prepararam as canetas e durante o embate sofremos um golo, não metemos nenhum, tivemos um jogador expulso e mais todo aquele borbulhar de um vulcão em ebulição desportiva.
Os portugueses regressaram a casa com a beiça caída e os espanhóis rejubilaram euforicamente com a vitória da sua equipa.
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Parte IV
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E… numa demonstração de amizade e irmandade, deslocaram-se a Valença para comemorar em conjunto com os seus irmãos portugueses a jornada desportiva, acabada de se realizar, fazendo “jus” ao ditado que diz que o desporto é uma “Escola de Virtudes”, tendo sido recebidos… à pedrada.
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Parte V
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Em resultado deste encontro, ficaram umas tantas cabeças partidas (de parte a parte), uns pára-brisas de viaturas estilhaçados e uns tantos carros a necessitar de chapeiro (como se diz naquela região). Escusado será dizer que da parte portuguesa não houve a solidariedade, os braços abertos com os seus irmãos da outra parte do rio Minho, que se deslocaram somente para acamaradar e lhes levantarem o ânimo naquelas horas de infortuno e desilusão.
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Epílogo
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E o mais curioso é que os “cabeças rachadas” se encontraram no mesmo Centro de Saúde em Tui para se tratarem, tendo mesmo havido alguns comentários mais azedos, no sentido de enfiarem novamente o elmo na cabeça, vestirem o colete de malha, pegarem novamente em espadas e deixarem de ser irmãos ou “hermanos”, em virtude da péssima recepção com que foram brindados em Portugal.
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5.7.10

Maiorca / Açores

Já vos contei tantas aventuras, tantas estórias e histórias e estou admirado que no turbilhão que por vezes me passa pela cabeça, ainda não me tivesse lembrado desta.
Os meus meninos sempre estiveram acompanhados em todas as fases da sua vida, mas tiveram sempre a liberdade de escolher o que queriam, com peso conta e medida, não se comportando mal em nenhuma ocasião.
Quando chegou a hora de já não querem acompanhar os pais, foi recebido por nós como uma coisa normal, mas que nos causou algum aborrecimento e tristeza.
Os quatro, filhos e Dona, já tínhamos ido a Maiorca um montão de vezes e em Abril de mil novecentos e oitenta e oito resolvemos voltar. Perguntámos se queriam ir connosco e foi-nos dito que não. O mais velho estava em Lisboa a frequentar a Universidade e o mais novo, com os seus 16 anos irrequietos, estava no último ano da Secundária. Este, de falinhas mansas, diz à mãe que com um grupo da escola de karaté que frequentava, estavam a pensar ir aos Açores em determinada data. A mãe fala comigo e decidimos autorizar e pagar, como é evidente, a deslocação. A partir daí, tratou de tudo para ir e nós sozinhos. Tratámos de marcar hotel para a nossa viagem a Maiorca. Escolhemos um quatro estrelas em Camp de Mar, perto de Andratx, e sairíamos de casa um dia antes do nosso menino arrancar para os Açores, regressando nós um dia depois da sua vinda. Tivemos por isso de pedir a um casal amigo que o levasse ao aeroporto Sá Carneiro para o levar, e ao mesmo local para o trazer.
No dia em que partimos, perguntei para que ilha ia o grupo, dizendo-me o filho que não sabia bem. Comentei com a mãe que eram coisas da juventude e como ele estava habituado a dar notícias, que amanhã saberíamos.
Beijinhos, despedida com ternura, recomendações para todos os dias estarmos em contacto, carregámos com extras os “télélés” e fomos rumo a Maiorca. Viagem de automóvel até Barcelona e “jet” às 16 horas com destino final. Primeiro inconveniente: o hotel, voltado exclusivamente para clientes alemães, só servia comida a satisfazer a gula daquela comunidade. Foram dez dias de dificuldades na alimentação e até o primeiro almoço não nos satisfazia.
Não dispensávamos a praia pela manhã e, ao terceiro dia, quando mais afoito com óculos e barbatanas dava uns mergulhos, reparei que na areia do fundo do mar havia uns rastos de qualquer coisa (eram as marcas de pequenos búzios quando se deslocavam).
Comprei numa loja de vende tudo, um chalavar para os apanhar, e qual não é o meu espanto quando vejo um linguadito a fugir. Apanhei-o e depois outro. Sem alarido, todos os dias a partir daquela altura o nosso almoço passou a ser linguado grelhado, numa barraca da praia que servia refeições. Pagava pelo serviço, tal como se os linguados fossem fornecidos pelo “tasqueiro” mas era eu que os apanhava.
A Dona, de manhã três vezes, à tarde quatro e à noite nem sei quantas, tentava desesperada entrar em contacto com o nosso filho, então nos Açores. Nada, nada. Nada a qualquer hora. A comida deixou de nos satisfazer, a dormida não era a conveniente e a intranquilidade era mais do que muita. Os amigos que os levaram ao aeroporto, também nada sabiam dele. Na escola do karaté, disseram-nos que tudo tinha sido organizado por eles e também nada sabiam.
Portanto, já podem fazer uma ideia da preocupação que nos atormentava. Até que chegou o dia em que o filhote devia regressar. Telefonamos para os amigos, para nos fazerem o favor de nos informarem assim que ele estivesse com os pés bem assentes no aeroporto. Que sim, que estivéssemos descansados. Deixámos passar uma hora sobre a chegada e telefonamos a saber e não sabiam nada, já que quem o tinha ido buscar foi o filho desse casal. Estranhámos, aliás estranhávamos tudo e estávamos arrasados.
Deixámos passar mais duas horas e continuávamos sem saber nada e sem telefonema, até que mais tarde, por nosso contacto, o casal informa-nos que o seu filho tinha tido um furo numa roda e estava na auto-estrada e nada sabia do rapaz.
Pedimos o favor quase a chorar de nos dizerem a verdade, pois tudo que estava a passar era mais do que estranho e nunca algo se tinha passado connosco assim. Que não, que não havia nenhum azar, que estivéssemos descansados que quando ele aparecesse nos telefonariam. Mais uma hora, novo telefonema nosso e aí sim, a notícia tirou-nos da incerteza, o “nino” tinha acabado de chegar. Só acreditamos quando ouvimos a sua voz.
Mamã, papá, estou vivo e inteiro, estivemos na ilha de S. Miguel, mas no sítio onde estávamos não havia rede para os télélés e o avião veio com duas horas de atraso. A Dona agarrou-se a mim, despejando o seu stress a chorar e as nossas lágrimas molharam as nossas faces.
Tudo está bem, quando acaba bem. No regresso, não vim a 120 km hora, voei estrada fora na ganância de o agarrar e beijar, tudo estava esquecido, tudo estava perdoado.
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