28.1.08

Comer no mantel

Um dia - e já lá vão mais de 24 anos - alvitrei à minha cara metade para fazermos uma visita à Galiza, fomos e ficamos apaixonados à primeira vista. As paisagens das rias em conjunção com as belezas feitas pela mão do homem tornam a Galiza maravilhosa e fazem apaixonarmo-nos por ela.
Eu, a viver no Norte já andava farto de ir a Esposende, Ofir e Apúlia, apanhar vento todo o dia em pleno verão, vejo-me de repente nas praias do Samil em Vigo, América perto de Bayona, Cangas do outro lado ria, Sanxenxo, Raxó, Paxarinhas, estas já na ria de Pontevedra e finalmente a ria de Arosa, em todo o seu esplendor com O Grove e a ilha de A Toxa (la Toja) e fico extasiado.
A ria estava com a maré baixa e centenas de pessoas apanham bivalves para uns baldes e sentimos ganas de fazer o mesmo. Mais tarde soubemos que não era possível; aquela apanha era o trabalho de grande parte da população, seguindo depois aquele marisqueio para as depuradoras antes da venda nos mercados.
Aprendi como se apanha, trata e comercializa para todo o Mundo a riqueza do marisco da Galiza, que tanto tem contribuído para o desenvolvimento daquela região.
Em O Grove, comprei um piso (apartamento) novo e portanto a partir daí comecei a desfrutar daquelas maravilhas. Criei novos amigos, amizades que ainda hoje perduram e a pouco e pouco fui esquecendo Lisboa e a necessidade de vir matar saudades. Nesta altura sou eu que vivo ruído delas, pelos momentos inolvidáveis que lá vivi com a boa gente que encontrei e conheci.
Besada, nome de um desses grandes amigos, convidou-me certo dia de semana para almoçar com ele, tendo escolhido um dos melhores restaurantes da povoação, propriedade de um seu amigo e conterrâneo. Na época baixa e aos dias de semana o movimento é reduzido, consequentemente os restaurantes trabalham a 1/5 do seu movimento de fim de semana. Entrámos e encontravam-se já 2 casais (por sinal de portugueses) a almoçarem cavaqueando entre si. Todas as mesas do restaurante estavam postas para a eventualidade de aparecerem clientes e quando prontas para utilização têm normalmente dois pratos sobrepostos. Escolhemos uma mariscada, uma garrafa de Conde Albarrei, “albarinho” galego, bebemos um copo, petiscámos o pulpo à Féria e esperámos pelo prato forte para um repasto bem regado.
A mariscada era tão farta que daria aí para 5 pessoas, portanto era arregaçar as mangas e avançar para a sua degustação. Pedimos nova “botella” de C. Albarrei e preparamo-nos para a refeição que prometia.
Tenho por hábito, quando como alguma coisa que é necessário tirar as cascas, sacar estas e depois tranquilamente comer de faca e garfo, foi o que fiz, tendo-me acontecido esta faceta. Descascava e fazendo divisão no prato colocava o interior de um lado e as cascas noutro tendo ficado como será óbvio com o prato completamente cheio. Portanto maquinalmente levanto o prato de cima e passo para o de baixo a parte que iria comer colocando o prato desnecessário na outra mesa que estava ao meu lado direito e que não tinha clientes.
O amigo Besada chama-me a atenção de que disponha de pratos na mesa ao lado, e que poderia tirar um, dizendo-lhe eu que não era necessário e estaria bem assim.
Admirado, diz: “Preferes comer no mantel, pois bien”. Pego na faca e garfo e fico perplexo, como foi possível eu não ter visto que tinha passado a comida do prato para a toalha. É que de todos os lugares do restaurante, o meu era o único que tinha só um prato. Dei uma valente gargalhada e o meu amigo tal como eu, bem bebido e ainda mal comido, chamou o dono do Restaurante para ajudar à sua festa. Quando acabamos e pretendiamos uma sobremesa, pedimos morangos com natas. O patrão, lamentou mas informou que natas não tinha e então o Besada chama-lhe a atenção para o facto de nunca se dizer que não há, mas de uma maneira tão enérgica que o homem ficou desorientado e foi buscar natas em lata tipo spray e com a atrapalhação rebentou com o bico por onde as natas deveriam sair.
As natas começam a sair com toda a força do recipiente onde estão sobre pressão e, meus queridos, o Besada, este vosso amigo, os outros 4 clientes, os candeeiros, as mesas cadeiras, paredes, eram um mar de natas que só acabaram de ficar cobertas quando se esgotou a lata.
Os clientes, com a cabeça e fatos todos salpicados de branco a fazerem lembrar árvores de natal, onde só faltavam como decoração umas bolas penduradas nas orelhas e umas luzinhas a acender e apagar com um presépio aos pés, não sabiam o que fazer.
O dono do restaurante completamente em pânico pergunta-nos: e agora? Saindo-se um dos outros 4 clientes com um olhar assim mais para o lado de lá do que para o de cá, a fazer jus à qualidade do “albarinho gallego”, com esta resposta.. Agora, bate chapa e tinta Robbiallac!
Só nós, portugueses, conhecíamos o anúncio. Saí e deixei-os a tentar solucionar o problema das tropelias que eu tinha iniciado, colocando a mariscada no “mantel”.

14.1.08

Mistérios de Lisboa

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Lisboa é uma cidade conhecida mundialmente. Lisboa tem recantos especiais só conhecidos de alguns e os bairros onde existem Vilas são tão acolhedores como misteriosos e os lisboetas sentem-se orgulhosos deles.
Mas Lisboa, esta linda Lisboa, a Lisboa dos meus encantos, onde estudei e onde me fiz homem, também tem facetas que 99% delas nunca são contadas.
Vai para 30 anos, o Baptista, Baptista com p, não para dar cunho à personalidade em que esta história assenta, mas porque era mesmo assim o seu nome. E como ele gostava que lhe chamassem Bapee..tista, então a coisa vista pela minha óptica ainda se tornava mais engraçada e até caricata.
Não há ninguém que não saiba que em todas as grandes cidades existem moças de engate, que deambulam pelas ruas para cá e para lá à espera de que apareçam clientes, fazendo estes das suas viaturas pensão, talvez por ser mais barato ou se sentirem em maior segurança.
Os homens, nas suas conversas entre amigos, afirmam sempre que engataram uma gaja boa como o milho etc. e tal, quando na realidade os engatados são eles e a qualidade do milho nunca dá para fazer uma boa farinha, dada a quantidade de bicho com que está contaminado.
O Baptista era homem aí de 28 anos, casado com uma mulher cuja cara metia medo ao susto, trabalhando ambos num grande armazém que foi demolido para dar origem à Expo 98; tinham 2 filhos em idade escolar, tendo sido sempre pela vida fora um “pinga amor” pelo sexo feminino.
Gostava de se pavonear e sentia-se “galo” onde havia mulherio, não passando de um “galito”, porque era baixinho e usando um bigode farfalhudo que lhe dava um aspecto pesado.
Pois o nosso Baptista foi engatado por uma das “Ramelosas” que pela nocturna batem a zona do Conde Redondo. Segundo ele, ela parecia a Silvana Mangano, artista de cinema italiana, só sendo pena ter os dentes cheios de cárie e um cabelo que pelo uso exagerado de oxigénio tinha uma cor esquisita, mas atendendo a que o preço era de saldo não seria mau negócio, ainda mais pelo facto de a “virada” já ter imposto de transacções incluído (ainda não havia o IVA).
As “queridas” não gostam de se ausentar para muito longe da sua área de intervenção e normalmente são elas que já conhecem os sítios “bacanos” e seguros onde os actos se vão desenrolar.
Quem sobe a Avenida António Augusto de Aguiar, vindo da Avenida Fontes Pereira de Melo, no lado esquerdo e pegado com o Banco Português do Atlântico, agora com o nome pomposo de Millennium e que tanto tem dado que falar ultimamente, existe uma entrada em túnel por debaixo dos prédios, formando lá dentro um pátio que serve de estacionamento para os moradores daquele bloco habitacional e dos da sua paralela Avenida Sidónio Pais, visto o dito pátio ser as traseiras das duas.
Pela sequência dos factos ocorridos com o Baptista naquela sua primeira e única visita ao local, admito que os moradores já deveriam estar fartos de terem no seu espaço visitas que consideravam indesejáveis e que era necessário pregar-lhes uma partida de forma a afugentá-los definitivamente.
O camarada Baptista tinha acabado de comprar um BMW em segunda mão, mas em muito bom estado e descapotável, carro que era cartão de visita para uma conquista. Claro que no caso actual, tanto fazia ser um BMW, um R4 da Renault, ou um Fiat 500, porque não eram os encantos da viatura que conquistava a tal pseudoSilvana, mas sim as duas ou três “milénias” que ele levava na carteira. Mas para o Baptista, sentado ao volante de um BMW, sempre acabaria por lhe dar um estatuto de pessoa importante. Seguindo as instruções da “pequena”, dirige a viatura à A.A.A ,entra no túnel, estaciona num canto e, comentando com a companheira que efectivamente era um local estupendo, acciona o botão eléctrico para fechar a capota da viatura e, ainda antes de esta se mover, começa a cair-lhe em cima, sacos de lixo, frutas podres, pés de couves ainda com as areias agarradas, lâmpadas, cabeças de peixe cru… Enfim, toda a espécie de lixo domestico que os moradores dos prédios, cujas janelas estavam por cima, lhe atiravam, ficando mesmo um talo de couve entalado no engate do fecho da capota, que impedia o seu encerramento total.
O Baptista, atrapalhado, com o motor do carro já desligado, ao receber a descarga de todo aquele material bélico, tenta deitar a cabeça de fora para ver de onde vinha tamanha ameaça, mas passa-lhe em frente ao nariz a cabeça de um peixe espada, com os dentes afiados como agulhas, que se lhe acertava ficava com o apêndice nasal pior do que se tivesse passado por uma máquina de tricotar.
Só havia uma solução: era fazer o papel de “cobardolas”, meter o rabo entre as pernas ir embora e nunca mais lá voltar.
A “Silvana”, impávida e serena mas provavelmente perdida de riso, dizia-lhe que nunca lhe tinha sucedido uma coisa daquelas naquele local (pudera, estava guardado pró Baptista) e exigiu o dinheiro da consulta; o Baptista, que se tinha metido naquela guerra e já tinha perdido a primeira batalha, antes de iniciar a segunda optou pela via diplomática, tendo conseguido um pequeno desconto atendendo a que o objecto a alugar, fruto do contrato verbal, nem sequer o tinha visto nem usado.
Levou o carro a uma estação de serviço para o lavar por dentro e por fora, mas o seu interior ficou durante alguns dias com aquele cheiro nauseabundo que o lixo retardado deixa.
Passadas que foram uma ou duas semanas, o Baptista, ainda extremamente aborrecido, encheu-se de coragem e contou-me a aventura; quando eu lhe perguntei se as lâmpadas que lhe atiraram era fundidas ou boas, pergunta-me assim: Para o caso o que é que isso interessa?
Cheio de gozo, respondi-lhe a sorrir que se fossem das boas poderiam vir acesas e ele assim teria tido a possibilidade de verificar de onde vinha o ataque.
Arrependeu-se de me ter contado e esteve 4 anos sem me dirigir a palavra.
Coitados dos Bapee..tista, desta Cidade.
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(qualquer dia atrevo-me a contar outra do Baptista, lá prós lados de Carcavelos)

2.1.08

O preservativo

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Esta história verídica foi-me contada pelos próprios intervenientes, ao som de Mariachis em Acapulco, no Pacifico – México, onde nos deslocámos para assistir a um casamento de um familiar comum.
Quem não conhece Sesimbra? Aquela Vila de ruas íngremes de estoirar as pernas após um dia de praia em pleno Verão. A lota, o encanto do peixe, predominando os espadas a brilhar como prata, sobre montinhos de areia para serem arrematados, a cantiga dos homens que leiloavam as tecas, a azáfama dos carregadores.
Esta era a Sesimbra dos princípios dos anos 60, da serra de Arrábida, a pouca distância do Cabo Espichel e a fazer parte da região dos 3 castelos.
Hoje, a Vila tem 3 entradas a partir de Santana, mas naquela altura só tinha uma, a Cândido dos Reis, que termina frente à fortaleza de Santiago, onde esteve muitos anos instalada a Guarda Fiscal, derivando à direita para o Monte dos Vendavais e Porto de Abrigo e para a esquerda Hotel Espadarte e Praia da Califórnia.
Ainda hoje é uma Vila extremamente simpática, com gente trabalhadora e solícita. Todavia, no Verão, em plena praia, quando chegamos, para pôr um pé no chão é necessário levar um requerimento já preenchido, dado a multidão que já lá está.
Nem todos os habitantes iam ao mar pescar, mas todos a população trabalhava e vivia da e para a pesca. A vida era dura (ainda hoje os pescadores vivem uma vida dura) e os naturais, fruto do turismo desenfreado, são obrigados a abandonar a sua terra e ir viver para os arrabaldes, em virtude de não poderem suportar o custo de vida que ali se pratica.
Eduardo, filho de pescador, rapaz tímido, empregado do comércio numa loja da rua principal da vila, namorava a Margarida, moça bonita, jeitosa, um amor de boneca, a beleza dos 20 anos, que ele desencantou numa outra vila a cerca de 30/40 Km de Sesimbra.
Naquela época o comércio naquela terra era pobre, muito pobre mesmo, não havendo estabelecimento que não tivesse um “role”, livro para assentar os fiados... Fiados que seriam liquidados lá para o Verão, quando houvesse fartura de peixe. Isso ocasionava que os empregados de comércio também recebessem o seu vencimento no Inverno, a conta gotas.
Era a miséria e a vontade de comer de mãos dadas, passeando descalças no areal molhado por aquela linda água do mar, que só Sesimbra tem.
Quando a paixão bate à porta da juventude, esta remove montanhas e o Eduardo e a Margarida casaram num dia de Inverno naquela igreja que fica num largo, mesmo ali a meio da subida. Tiveram um casamento bonito, sendo como é óbvio limitado pelas dificuldades financeiras da época (diga-se que agora não são melhores).
“Just Married”, jovens, sangue na guelra, ânsia, desejo mútuo, a sexualidade em toda a sua pujança. Mas as cabeças do “Edu” e da “Marga” estavam no sítio e bem “encaixadas” nos ombros. Cuidado, Margarida, cuidado Eduardo: filhos já nesta altura? Nem pensar, estamos em princípio de vida e ela não está para brincadeiras.
O desejo era insuportável! Eduardo atendia uma cliente e pensava na sua “flor” e na maneira mais graciosa de ir desfolhando as suas pétalas uma a uma. Enquanto a consorte fazendo os choquinhos com tinta para o almoço, sonhava com o seu encantador “Edu”, o mais adorável e amoroso dos maridos. Após o almoço, entre beijos, abraços e uns sortidos apalpões, na despedida para ir executar mais meio-dia de trabalho, foi alvitrado por ela, para que fosse à farmácia e comprasse uma “camisinha”, alegando ele que tinha vergonha de o fazer.
Ao fim do dia, com a sua samarra de pele de raposa já coçada por anos de uso, comprada a prestações no estabelecimento onde trabalhava, o Eduardo só com uma moeda de 2$50 (“dois escudos e cinquenta centavos”) no bolso, venceu a sua timidez e dirigiu-se à farmácia situada a poucos metros do seu local de trabalho, disposto a comprar um preservativo a fim de satisfazer a necessidade de ambos. O frio era muito, tinha os pés gelados e por seu azar havia uma cliente na farmácia que estava num bate papo com a farmacêutica. Não teve coragem de entrar; nervoso e com vergonha esperou impaciente pela saída de quem lhe estava a empatar a f...da, circulando em frente à porta para cá e para lá até que a cliente finalmente foi embora. O homem faz peito, esquece a vergonha, perde a timidez, coloca os nervos atrás das costas, entra e quando a Dr.ª, idosa, pitosga e dura de ouvido, com a sua voz trémula lhe pergunta o que queria, foi-se abaixo, perdeu a coragem e disse que queria um preservativo, mas pouco perceptível. Aquela voltou as costas e foi lá dentro; demorou algum tempo que lhe pareceu uma eternidade e voltando, olha para o Eduardo e pergunta-lhe: quanto é que é de adesivo?
O Eduardo não queria acreditar, sente um arrepio pela espinha abaixo, faltaram-lhe as forças, as pernas tremeram-lhe, sentiu vergonha e responde: são “vinte e cinco tostões”. O adesivo é embrulhado ali à sua vista, é-lhe entregue, paga, recebe os salamaleques obrigatórios e costumeiros da comerciante solícita(?). Deixou de ter vontade em ir depressa para casa, mas lá foi, coitado, seguindo rua fora a subir aquela maldita rampa e dando ais em silêncio.
Assim que entra em casa, a “Marga”, com o seu sorriso maroto e cheio de cumplicidade, pergunta-lhe: “Edu”, compraste? Sim, meu amor, comprei, comprei, mas aquela velha meia parva da farmacêutica não percebeu ou não quis perceber o meu pedido, meteu-me na mão “vinte e cinco tostões” de adesivo. Vamos os dois ficar em branco, a não ser que queiras usar o filho da puta do adesivo.
A noticia perturbou a “Marga” e os chocos com tinta comidos ao almoço entraram em erupção nos seus intestinos, soando como o barulho dum gigante tremor de terra submarino, capaz de causar um tsunami e simultaneamente arrasar Sesimbra, escapando decerto o castelo por se encontrar lá bem no alto.
Tantos anos já passados são um casal feliz. São pais de 2 filhos, têm um neto e sempre que lembram a cena do preservativo/adesivo, dão entre si um olhar terno e comprometedor e uma valente gargalhada.