Tão rudimentar
o que se constrói
sem ti
e tão desprovido
e qual o sentido?
sem ti.
sem dúvida
tudo é mais enxuto
sem rodeios
sem floreados
entre o inconseguimento
o inconsequente
e o frugal
sem ti.
apresentaste-te
em bruto
tu e a tua condição
sem títulos
sem ritual
sem dote.
inóspito
o rumo escolhido
e o que te escolheram
sem ti.
despes as tuas vestes
e percorres
os aposentos
e atravessas uma lâmina
de luz seminal
e demoras a tua atenção
num longínquo ruído
mecânico
minimal.
onde está assombração
do teu último movimento.
a indiferença jaz
espelhada
no rosto contido
a barba é de três dias
sem ti.
escapou-se-te
um murmúrio.
um gesto tímido ou de descuido
percorre-te um arrepio
pela coluna vertical
da memória.
um curto-circuito
no tédio rural.
ao longe observas
a cabisbaixa
paciência bovina de tarde animal
inquieto
é também
um sobrevoo de insecto.
o princípio de um texto
um pensamento
que ondula
na página do caderno
pontuado
pelos pingos que caiem da torneira
do eterno
no lava louça da cozinha
inoxidável.
a imagem das suas mãos molhadas
no tempo da palha de aço.
andas silenciosamente
em círculos
é este o estranho perfume da casa
da sua ausência
se retirarmos o cesto dos limões
que se torna também
no avesso
da sua impossibilidade
de esquecimento
e se um dia fosse real a serenidade
ela não seria nem por fugazes momentos
completamente sua!
Lisboa, 30 de Agosto de 2015
Carlos Vieira
Pintura “Absence and presence” de Mark Acetelli