domingo, julho 18, 2010

releitura número um


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pai,
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esses anjos da morte
livrai-os de mim
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esses anjos do medo
livrai-os de mim
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esses anjos descrentes, esses anjos videntes, esses anjos que mentem
esses anjos que abandonam e esquecem
livrai-os de mim
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pai,
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livrai-os de mim, os anjos
livrai-os daqui, enquanto sonho
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pois lá fora auroras já chegaram
e eu preciso descansar-me em paz
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terça-feira, julho 06, 2010


ao roberto piva
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queria-me poesia
feito alguém fugido da morte
tua sílaba de nervo a sugar-me a língua
[menos deus que um incessante equívoco]

quinta-feira, junho 24, 2010


pugnus
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não é o tempo breviário? testemunho de terem nascido os homens para a morte porque vida é tudo que foge à eternidade? por isso criei a ternura e fiz dos anjos mensageiros de minha imensidão. por isso exprimi a dor que me consome naquilo que vocês ousaram chamar de esperança. por isso, fiz de mim expiação. eu, a quem chamam de louco. eu, de quem esqueceram o rosto. abismo aos míseros e redenção aos condenados. eu, que das margens pari a nascente, digo-vos novamente: sou-me carne a quem fui solidão.

sábado, junho 12, 2010

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trancava-me na imagem de que um dia eu iria crescer e ficar idêntico aos demais essa gente adulta que não sabe nada do sofrer porque não enxerga o escuro crescendo por dentro das unhas até chegar aos ossos e não escuta o alvoroço larval que se aloja em meu cérebro quando mais um anjo da guarda desiste de mim só porque nas memórias que terei eu sou feito à imagem e semelhança dessa gente adulta repugnante em sua limpeza ah essa limpeza tão precisa e medonha parida do meu noviciado a se alimentar de tudo que é puro porque nós precisamos de qualquer coisa que tenha mácula e morra incessantemente para que enfim eu possa nascer outro e saiba menos deles todos e nada mais de mim, deus.
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para maura lopes cançado

domingo, maio 23, 2010

sobras de um livro porvir

IV
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porque a solidão que me consome
é menos destino do que músculos
e odeia a todos como quem não escapa de si
[desmundo escarrado no rosto]
temor de acabar sem ter fim
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terça-feira, maio 11, 2010

sobras de um livro porvir



I
refugiar-me aqui
onde não há mais traços de você
e ao silêncio aferrolhar o inverno
para que o tempo recue
limpando de mim toda cicatriz


II
relembrar-me aqui
onde ainda sou você
é desmesurar o que perdoa
esqueletando o destino
para levar de mim todo sonho


III
brincar-me aqui
entre os girassóis que teus cílios plantei
é carrosselar feito criança
que descobre em seus dedos
ninharal de arco-íris

sábado, maio 01, 2010

occludo

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mas não é tudo silêncio? os dias. os desassossegos. a terra úmida que sepultará minha incompletude. mas não é tudo um ciclo? rio onde outrora éramos memória. primavera que deserta turva-nos o poente. paragem áspera desaninhando pardais.............................

[o húmus do qual fiz meus ossos e carne..............................

gesta um amanhã atado ao que não virá]

segunda-feira, abril 26, 2010

não saberíamos viver com memórias feitas de restos, ela disse
naquele poente de domingo com gosto de chuva.
somos Áries, ajudar-lhe-ei a tirar as botas como Laura o fez
e a borboleta litografada voará liberta da parede
dança feita de encantamentos
porque era assim que se via às vezes, como que nascida de um livro
só que não amareleceria, nunca.
então pariu-se fêmea àquele desconhecido
no tapete sobre o chão
ali mesmo, entre as roupas e sonhos do homem que ama
porque a ele negou-se ao entregar-lhe o coração
mesmo desejando dele ser pra sempre, doce mania de querer-se um conto
porque Áries é o signo da solidão
e solidão tem fome de todos
e não sabe devorar a si
e acaba sem ninguém
porque ninguém nos quer, os solitários
mas isso aquele estranho nunca saberia,
porque nus, bêbados de lascívia e de gozo
já perto do anoitecer, a si bastavam.

quarta-feira, abril 21, 2010

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I
levemos a beleza adiante.
o que restaria?

II
lembro de um dia qualquer
mas especial porque estava contigo
e você sorria como quem salva do tempo a leveza
que esquecemos junto aos brinquedos
empoeirados pelo destino do velho baú
– reinvento dia após dia a minha infância
é a forma que encontro para em mim nada mais partir...

III
ipês brancos, disseram
mas estamos outono e na primavera faço aniversário e não há amigos por perto e meu avô minha tia e minha mãe já morreram e eu esqueci como abraçar meu pai e meu irmão é o estranho que me fiz.
você ainda estará por lá?
ainda saberei do teu cheiro?
teus rastros caminharão o homem que sou em mim?

IV
a beleza que é gratuita
contenta-se com um olhar
um abraço
um adeus, quando for a hora
(convença-me do contrário, tu e as tuas verdades)

V
eu sempre cri nas tuas mãos
nas linhas dos teus destinos que são meus cata-ventos
trôpego e irascível que sou
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VI
não, não sou eu quem traz as notícias das manhãs domingo
elas são de outros lugares onde sou deserto
cacto que ninguém vê
(durmo aquietado pra não te acarinhar aqui)
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VII
eu sairia tarde afora com teus pés nos meus descalços
e do teu coração grande demais
bastar-me-ia o não visível
pra do teu sono, ser quem contigo irá despertar

VIII
há no tempo incerteza
errante que somos.

com amor,
d.
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quinta-feira, abril 15, 2010



debruça-te sobre teu ofício
pormenoriza teus assombros
teus gestos e gestas

abraça-te ao que resta
sonha até o limite dos ossos

revela-te ao outro que te acordas

domingo, março 07, 2010



I

deus é quem silencia

- porque nascido do verbo -

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II

deus é quem sentencia

- tem mãos sujas e não sua frio -

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III
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deus é em ti o que me excede
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- escombros do homem que virei -
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IV

(o nervo que na carne enxerta esperança)
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domingo, fevereiro 07, 2010


esqueceram
as brincadeiras que juntos inventavam
mãos olhos pés sorrisos de nanquim
sob noites enluaradas que os visitavam no quintal?
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a casa está vazia...
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e daqueles dois irmãos que sozinhos
escutavam-se vozes de estrelas cadentes
resta um assombro entranhado na alma
deserto lugar onde antes havia leveza e sonhos
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perdoai-nos, mãe...
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segunda-feira, fevereiro 01, 2010



envelheço depurando-me palavras

precipícios sob os dedos

incapaz de escapar ao ciclo

que impiedoso agora retorna

pois tem um preço a cobrar
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sexta-feira, janeiro 22, 2010



ao arseniï tarkovskiï


I

(murmúrio)
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abrigo-me do vazio
sou um velho recontando estórias
aos que não estão mais aqui para escutar
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II

(prece)
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livrai-me do medo
dessas noites que me devoram
a quietude da solidão
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III
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(repouso)
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partiram deixando-me a vida
e fiquei sem ter a quem dizer
adeus
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IV

(girassóis)
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encontrarei vossos sorrisos
como um louco à tempestade
o céu sob nossas pálpebras abrindo-se, outra vez...
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domingo, janeiro 10, 2010



I

não sou habitado por silêncios:

antes sonho-me posse da noite

e meus demônios partem, sozinhos.


II

de minha infância resta um copo de prata:

ocupo-me de atalhos a quem não sou

meus registros parem memórias baldias


III

o medo guarda algo de espeerança:

oculta-se das preces o labor

remendamos os erros de deus ao concedermos perdão


IV

escuta o pai adormecer-nos filho:

em seus olhos havia ternura

coisa que há muito deixamos para trás


sábado, janeiro 02, 2010



I


ímpio

recusas o sono

a companhia dos anjos da guarda

pois há algo por ser escrito

só não sabes o quê


II


errante

segue madrugada adentro

mas o tempo insiste em fragilizar-lhe os dedos

e as palavras que busca junto à esperança

devolvem-lhe a certeza de que restam apenas sonhos


quinta-feira, dezembro 17, 2009



cantiga à vó nazaré
in memorian


I
a doce vó partiu
e aquela manhã vestida de luto
sobre nossos ombros desabou
a imensidão do céu
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II
a morte fratura memórias
ossada abandonada por deus
porque já não temos para onde ir
porque já não há mais a quem falar
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III
vó,
diz-nos então de que vale agora
prece lamento e pranto
se miseráveis que somos
há muito de ti fizemo-nos distantes?

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IV
vó,
não te abracei porque frio
não te escuto porque ímpio
não te mereço porque são

domingo, novembro 29, 2009



ao rubens da cunha. porque seu primeiro degrau (http://casadeparagens.blogspot.com/) arrancou este grito de mim
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diferente de ti, eu não condenava. porque ainda criança sabia: em minhas mãos padeceriam única e exclusivamente em nome do desespero escrito em letras mortas, enterradas em meus ossos, que era pra não quebrar nem aparecer nem ter cheiro ou cor ou algo mais que deixasse vestígios. desespero que nascia do medo de eu não ser o único naquele quarto – vozes apareciam ao cair da noite, obrigando-me a ficar ali, quieto e em vigília – para que assim pudesse extirpar, no nascedouro, meus sonhos.

quinta-feira, novembro 19, 2009

fragmento

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a culpa nas mãos dos homens
ei-la aqui, envelhecida
arrastando sua carcaça pela casa
desmemoriando em minhas entranhas
o caminho a ser proscrito

malograda e inoportuna
reconhece meus assombros
e transfigura-me em rancor
ao repetir a si mesma
infortúnios

você dirá que eu mesmo a criei
e a alimento com sobras do que um dia foram sonhos
mas dela eu fujo e busco refúgio
porque todo homem precisa temer
algo ou alguém assim tão límpido

[nela sou o nexo]

dela, minha escuridão
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segunda-feira, novembro 02, 2009


ao carlos besen


I

dissera a cor do primeiro silêncio

ter nascido da chuva

e que toda chuva é feita de lágrimas

e que cada lágrima sepulta um sonho

porque deus negou aos anjos

o sorriso
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II
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entendes agora

o canto que encerro em meu peito

o adeus que maltrapilho em meus olhos

os pássaros que inverno em meus ossos

o desmundo que me enraíza

ao medo?
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