Eu queria começar esse texto como se estivesse começando uma vida. Mentira. Eu queria começar esse dia como quem começa um texto. Com uma idéia do que pode ser. Uma semente. E mergulhar na própria semente, como se fosse possível sentir o prazer da colheita no próprio semear. Hoje é um dia comum, mas diferente de todos os outros. Estou aqui sentado numa casa nova, ouvindo o zumbido da geladeira. Talvez pela falta de móveis, talvez pela geografia íntima da casa, que faz a cozinha o coração da casa, o fato é que o zumbido da geladeira se espalha com facilidade. E subitamente, o barulho para. Pois é intermitente. E dá espaço para o som dos passarinhos que estavam ainda num canto sonolento de quem acaba de acordar.
Essa é uma descrição sem muito charme do que se apresenta nesse instante. Diante dos meus olhos, no ritmo pacato da minha respiração. O que me motivou a escrita não foi nenhuma idéia. Quando não há semente disponível, ainda há um movimento possível. Levanto, passeio e volto.
Agora eu moro numa casa em que posso passear dentro dela. Eu vou na sala com a esperança de me surpreender de mim. Ou voltar com algo novo na cabeça. Eu trouxe meus joelhos para acompanharem com isenção tudo aquilo que minhas pernas tem passado. Mas a isenção é uma falsidade complacente. O joelho foi o meu parente que mais gostou da nova casa. Ao tentar explicar para o resto da família, ele apenas diz: Só sabe quem sente.