29/09/19
Imprescindível? [Na ausência de temas importantes na campanha]
por
José Guinote
Como é que alguém assim tão imprescindível se esconde, ainda que parcialmente, por detrás de um arbusto? Ou será que estamos perante uma manifestação inequívoca de uma relação simbiótica entre o candidato e a natureza?
[esta campanha não teve nenhum motivo de interesse, daí ter optado por este imprescindível momento para a assinalar]
25/09/19
Snowflakes mandam prender as gêmeas marotas?
por
Miguel Madeira
ASAE apreende livro “As Gémeas Marotas” na biblioteca dos Olivais (Observador), e tantarem também prendê-las na livraria Ler Devagar.
Aparentemente é uma queixa por violação de direitos de autor (ver aqui para uma história do livro), mas duvido muito que tenham sido os herdeiros de Dick Bruna a apresentar a queixa (até porque a empresa que distribui as obras dele - a ASA - desconhecia a história); palpita-me que terá a ver com as polémicas e pseudo-polémicas que o livro tem causado (além da questão de que até que ponto um autor tem direitos sobre sátiras das suas personagens).
Sobre estas questões, ver também esta entrevista, de 2003, com o Rato Mickey, onde são discutidas questões como a liberdade sexual das personagens de banda desenhada e o estatuto legal (ainda que nos contexto dos EUA) das sátiras; aliás, a entrevista terminou exatamente quando o entrevistador percebeu que mesmo sátiras legais são frequentemente alvo de processos (que custam dinheiro e chatices aos autores, mesmo que no fim sejam absolvidos).
Editado a 26/09/2019 - afinal foi realmente a empresa que representa o autor que fez queixa: « "É um caso de violação de direitos de autor. Há uma exceção na legislação quando se parodia e isso é aceitável, mas achamos que isto excede o que é aceitável", afirmou o representante legal.»
Aparentemente é uma queixa por violação de direitos de autor (ver aqui para uma história do livro), mas duvido muito que tenham sido os herdeiros de Dick Bruna a apresentar a queixa (até porque a empresa que distribui as obras dele - a ASA - desconhecia a história); palpita-me que terá a ver com as polémicas e pseudo-polémicas que o livro tem causado (além da questão de que até que ponto um autor tem direitos sobre sátiras das suas personagens).
Sobre estas questões, ver também esta entrevista, de 2003, com o Rato Mickey, onde são discutidas questões como a liberdade sexual das personagens de banda desenhada e o estatuto legal (ainda que nos contexto dos EUA) das sátiras; aliás, a entrevista terminou exatamente quando o entrevistador percebeu que mesmo sátiras legais são frequentemente alvo de processos (que custam dinheiro e chatices aos autores, mesmo que no fim sejam absolvidos).
Editado a 26/09/2019 - afinal foi realmente a empresa que representa o autor que fez queixa: « "É um caso de violação de direitos de autor. Há uma exceção na legislação quando se parodia e isso é aceitável, mas achamos que isto excede o que é aceitável", afirmou o representante legal.»
A "máfia khazar"
por
Miguel Madeira
Posts que negam o aquecimento global e dizem que é uma invenção da "máfia khazar" podem ser ignorados com segurança.
Porquê? Porque quase todos os estudos genéticos que têm sido feitos não têm mostrado ascendência visivel dos khazares (um povo turco que vivia algures entre a Ucrânia e o Cáucaso, e que no principio da Idade Média se converteu ao judaísmo) em nenhuma população identificável da atualidade (em pelo menos na população que toda a gente que vai investigar o assunto está à espera de encontrar uma ligação); ora, se as pessoas que publicam esses posts não estão por dentro das investigações recentes da genética e demonstram que acreditam em pseudo-ciência, o mesmo com certeza se aplicará aos seus conhecimentos de ciência climática.
24/09/19
Suspensão do parlamento britânico declarada ilegal
por
Miguel Madeira
Suspending Parliament was unlawful, court rules (aparentemente por unanimidade).
Editado às 10:59: para quem possa ter curiosidade sobre o assunto, a decisão detalhada e por escrito do Supremo Tribunal.
Editado às 10:59: para quem possa ter curiosidade sobre o assunto, a decisão detalhada e por escrito do Supremo Tribunal.
19/09/19
As eleições em Israel
por
Miguel Madeira
Neste momento, os dois principais partidos da altura da fundação de Israel (o Mapai - Partido dos Trabalhadores de Israel, que deu origem ao Partido Trabalhista, e o Mapan - Partido Unido dos Trabalhadores, que pode ser considerado o antepassado da União Democrática), e cuja ideologia (o "sionismo trabalhista") era quase sinónima com o país (com tudo o que vinha acoplado - os kibbutzim, a central sindical Histadrut, as milícias da Haganá, etc.) têm menos votos e deputados que a aliança de partidos árabes.
Possivel conversa entre a rainha de Inglaterra e Boris Johnson (II)
por
Miguel Madeira
Parece que a realidade não andou muito longe da minha imaginação.
"Brenda" é o nome que o jornal "Private Eye" utiliza para a rainha de Inglaterra; ok, o Private Eye é um jornal meio-satírico (com uma secção com notícias sérias - ainda que dadas em tom humorístico - e outra com "notícias" a brincar), mas as reações a esse artigo (pelo menos no Twitter...) parecem estar a interpretá-lo como sendo uma das noticias sérias.
"Brenda" é o nome que o jornal "Private Eye" utiliza para a rainha de Inglaterra; ok, o Private Eye é um jornal meio-satírico (com uma secção com notícias sérias - ainda que dadas em tom humorístico - e outra com "notícias" a brincar), mas as reações a esse artigo (pelo menos no Twitter...) parecem estar a interpretá-lo como sendo uma das noticias sérias.
18/09/19
O PS levou o país à falência em 1983?
por
Miguel Madeira
Longe de mim pretender defender o PS, mas irrita-me os idiotas que há anos andam a dizer que "o PS levou o país à falência 3 vezes", implícita ou explicitamente incluindo o resgate de 1983 (durante o governo de Mário Soares e do Bloco Central) na contagem.
O último exemplo foi o João Cortez n'O Insurgente, que, linkando para um artigo do Expresso noticiando o 2ª acordo com o FMI, proclama "Segunda Bancarrota de Portugal desde o 25 de Abril – 1983, Primeiro Ministro: Mário Soares, Partido Socialista"; mas o João Cortez não terá sabido clicar no próprio jornal que, pelos vistos, digitalizou, e ver a data da notícia (13 de agosto de 1983)? Ora o governo de Mário Soares tomou posse em 9 de junho de 1983 (as eleições tinham sido a 25 de abril) e o seu programa foi discutido na Assembleia da República a 24 de junho; o João Cortez estará convencido que que o governo PS levou o país à falência, chamou o FMI, negociou com ele e finalmente assinou um acordo, tudo em apenas 2 meses e quatro dias (ou um mês e 20 dias, já que os governos só começam a governar a sério depois de passarem na AR)???? E, de qualquer maneira, já em maio de 1983 (ainda o governo não tinha tomado posse) se falava que o país estava à beira da rutura financeira e precisaria de chamar o FMI.
Além disso, o Orçamento de Estado para 1983 foi promulgado a 28 de fevereiro de 1983[pdf], ainda no tempo no governo anterior, logo parece natural assumir que mesmo durante esses dois meses o governo PS/PSD terá aplicado uma política determinada pelo governo anterior (PSD/CDS/PPM).
Claro que não deveria ser preciso apresentar estas datas, já que qualquer pessoa com o mínimo de senso perceberia que uma bancarrota em meados de 1983 em principio será a consequência de políticas feitas nos anos anteriores (ou seja, pelos governos da AD, de 1979 a 1983), não responsabilidade de quem governava há algumas semanas, mas pelos vistos é preciso lembrar algo que deveria ser evidente.
Ver também - Deixem-se de merdas e contem a verdade aos portugueses: a direita esteve em todas as intervenções do FMI, por João Mendes, no Aventar
O último exemplo foi o João Cortez n'O Insurgente, que, linkando para um artigo do Expresso noticiando o 2ª acordo com o FMI, proclama "Segunda Bancarrota de Portugal desde o 25 de Abril – 1983, Primeiro Ministro: Mário Soares, Partido Socialista"; mas o João Cortez não terá sabido clicar no próprio jornal que, pelos vistos, digitalizou, e ver a data da notícia (13 de agosto de 1983)? Ora o governo de Mário Soares tomou posse em 9 de junho de 1983 (as eleições tinham sido a 25 de abril) e o seu programa foi discutido na Assembleia da República a 24 de junho; o João Cortez estará convencido que que o governo PS levou o país à falência, chamou o FMI, negociou com ele e finalmente assinou um acordo, tudo em apenas 2 meses e quatro dias (ou um mês e 20 dias, já que os governos só começam a governar a sério depois de passarem na AR)???? E, de qualquer maneira, já em maio de 1983 (ainda o governo não tinha tomado posse) se falava que o país estava à beira da rutura financeira e precisaria de chamar o FMI.
Além disso, o Orçamento de Estado para 1983 foi promulgado a 28 de fevereiro de 1983[pdf], ainda no tempo no governo anterior, logo parece natural assumir que mesmo durante esses dois meses o governo PS/PSD terá aplicado uma política determinada pelo governo anterior (PSD/CDS/PPM).
Claro que não deveria ser preciso apresentar estas datas, já que qualquer pessoa com o mínimo de senso perceberia que uma bancarrota em meados de 1983 em principio será a consequência de políticas feitas nos anos anteriores (ou seja, pelos governos da AD, de 1979 a 1983), não responsabilidade de quem governava há algumas semanas, mas pelos vistos é preciso lembrar algo que deveria ser evidente.
Ver também - Deixem-se de merdas e contem a verdade aos portugueses: a direita esteve em todas as intervenções do FMI, por João Mendes, no Aventar
17/09/19
Textos da esquerda de Hong Kong
por
Miguel Madeira
Lausan - Sharing decolonial left perspectives on Hong Kong:
Lausan 流傘 is a collective of writers, researchers, activists and artists from Hong Kong and its diasporas, engaging with the city’s political struggle. Through translation, creation, and education, Lausan 流傘 aims to build solidarity on the international left with Hong Kongers’ unfinished fight to imagine emancipatory futures after colonialism, against both Chinese and Western imperialism.
Ainda a suspensão do parlamento britânico
por
Miguel Madeira
Hoje o Supremo Tribunal britânico vai começar a julgar a suspensão do parlamento, e é bastante provável que conclua que tal é perfeitamente legal; se isso acontecer, muita gente irá dizer algo como "estão a ver que não havia mal nenhum nisso e que tal é perfeitamente legal e normal?".
Mas dá-me a ideia que a verdadeira questão não é se o governo suspender o parlamento é legal; é que, mesmo sendo legal, isso representa uma caminhada autoritária (os governos alemães que governavam por decreto entre 1930 e 1933 também eram legais, mas não é por isso que deixaram de representar um enfraquecimento do sistema parlamentar).
Mas dá-me a ideia que a verdadeira questão não é se o governo suspender o parlamento é legal; é que, mesmo sendo legal, isso representa uma caminhada autoritária (os governos alemães que governavam por decreto entre 1930 e 1933 também eram legais, mas não é por isso que deixaram de representar um enfraquecimento do sistema parlamentar).
13/09/19
Regressando à questão da endogamia
por
Miguel Madeira
Esta conversa já passou um bocado de moda, mas vou escrever alguma coisa sobre a famosa questão dos familiares de membros do governo. Nomeadamente sobre a questão se a situação atual é similar a outras que aconteceram noutros governos.
Eu diria que isso depende muito de uma coisa - de qual o motivo porque se acha que é mau haver parentes próximos no governo ou órgãos similares; é que há vários motivos possíveis:
a) Conflito de interesses: no Conselho de Ministros discute-se as propostas de cada ministro, e portanto estar lá mulher e marido, ou pai e filha pode perverter a conversa, já que podem ter dificuldade em avaliar objetivamente as ideias dos seus familiares próximos; nesse ponto a situação deste governo parece-me realmente diferente de outros casos (p.ex., os irmãos Miguel e Leonor Beleza) em que os familiares não estiveram ao mesmo tempo no governo; penso que será também diferente de situações em que o tio era ministro e sobrinho secretário de estado (como Diamantino Durão e Durão Barroso), já que suponho que não participavam os dois do conselho de ministros (embora sendo Durão Barroso um secretário de estado com muito peso no governo, se calhar até participava).
b) Possível nepotismo: haverem familiares no governo e zonas próximas pode ser um sintoma que as pessoas estão a ser escolhidas via cunhas e não pelo seu mérito pessoal. Curiosamente, nesse ponto, até acho que a situação inverte-se face ao anterior - é mais preocupante quando familiares são nomeados para cargos subalternos, não quando são todos ministros (ou, generalizando, estão no mesmo nível hierárquico); porque digo isto - uma ministra pode ter influência para conseguir nomear o marido para assessor, diretor-geral, talvez secretário de estado, mas dificilmente conseguiria nomear o marido como ministro; afinal, quem nomeia os ministros é o primeiro-ministro, e em principio uma ministra não terá nenhum ascendente sobre o primeiro-ministro que lhe permita meter uma cunha para o marido ser também ministro (regra geral, é difícil meter cunhas para lugares no mesmo nível que o nosso - é para cargos inferiores que normalmente se metem cunhas). Neste ponto, o que é preocupante serão as vagas de nomeações para assessores, gabinetes, etc. que todos os governos têm feito, não os 4 ministros familiares (o problema específico deste governo). Claro que se pode argumentar que as nomeações para ministros surgem na sequência de uma carreira, e que nos níveis inferiores podem ter beneficiado de cunhas, e que sem esse passado prévio nunca ninguém se teria lembrado deles para ministros; mas ai vamos ao ponto seguinte
c) Sinal que a classe política é um grupo fechado, onde só entram familiares e amigos: este ponto tem algumas semelhanças com o anterior, mas não se refere às pessoas terem sido nomeadas para aquele cargo especifico por nepotismo, refere-se aos privilégios que os familiares de políticos têm no processo de entrada na carreira política. Neste ponto, pouca diferença faz que os familiares sejam todos ministros, ou que estejamos a falar de uma ministra casada com um deputado, nem sequer é relevante que tenham sido ministros no mesmo momento ou em momentos diferentes (como os irmãos Beleza) - mais: se alguma coisa, se calhar ainda mais preocupante será vermos, ao longo de anos ou décadas, familiares a revezarem-se em cargos na política ativa (como se desculpava há dias o Marques Mendes, dizendo que nem o pai nem a irmã ocuparam cargos políticos relevantes na mesma altura que ele), já que será indicativo que o sistema é tão fechado que as mesmas famílias permanecem em cargos de topo durante décadas e por várias gerações.
Poderá perguntar-se porque é que eu publico este post agora, num momento em que o assunto já nem está a ser discutido - bem, a ideia era isto ser o primeiro post de uma série de posts sobre a questão da "igualdade de oportunidades" (iria ter uma continuação que provavelmente iria chamar-se "Contributo para uma teoria geral da endogamia e da discrminação"), e iriam ser publicados todos de seguida (ou seja, estava à espera de escrever o/os outro/os post/s para publicar também este). Mas como afinal esse outro post ainda irá demorar muito a ser escrito, e este em breve quase de certeza perderá muito da sua razão de ser quando for anunciado um novo governo, publico-o já agora.
Eu diria que isso depende muito de uma coisa - de qual o motivo porque se acha que é mau haver parentes próximos no governo ou órgãos similares; é que há vários motivos possíveis:
a) Conflito de interesses: no Conselho de Ministros discute-se as propostas de cada ministro, e portanto estar lá mulher e marido, ou pai e filha pode perverter a conversa, já que podem ter dificuldade em avaliar objetivamente as ideias dos seus familiares próximos; nesse ponto a situação deste governo parece-me realmente diferente de outros casos (p.ex., os irmãos Miguel e Leonor Beleza) em que os familiares não estiveram ao mesmo tempo no governo; penso que será também diferente de situações em que o tio era ministro e sobrinho secretário de estado (como Diamantino Durão e Durão Barroso), já que suponho que não participavam os dois do conselho de ministros (embora sendo Durão Barroso um secretário de estado com muito peso no governo, se calhar até participava).
b) Possível nepotismo: haverem familiares no governo e zonas próximas pode ser um sintoma que as pessoas estão a ser escolhidas via cunhas e não pelo seu mérito pessoal. Curiosamente, nesse ponto, até acho que a situação inverte-se face ao anterior - é mais preocupante quando familiares são nomeados para cargos subalternos, não quando são todos ministros (ou, generalizando, estão no mesmo nível hierárquico); porque digo isto - uma ministra pode ter influência para conseguir nomear o marido para assessor, diretor-geral, talvez secretário de estado, mas dificilmente conseguiria nomear o marido como ministro; afinal, quem nomeia os ministros é o primeiro-ministro, e em principio uma ministra não terá nenhum ascendente sobre o primeiro-ministro que lhe permita meter uma cunha para o marido ser também ministro (regra geral, é difícil meter cunhas para lugares no mesmo nível que o nosso - é para cargos inferiores que normalmente se metem cunhas). Neste ponto, o que é preocupante serão as vagas de nomeações para assessores, gabinetes, etc. que todos os governos têm feito, não os 4 ministros familiares (o problema específico deste governo). Claro que se pode argumentar que as nomeações para ministros surgem na sequência de uma carreira, e que nos níveis inferiores podem ter beneficiado de cunhas, e que sem esse passado prévio nunca ninguém se teria lembrado deles para ministros; mas ai vamos ao ponto seguinte
c) Sinal que a classe política é um grupo fechado, onde só entram familiares e amigos: este ponto tem algumas semelhanças com o anterior, mas não se refere às pessoas terem sido nomeadas para aquele cargo especifico por nepotismo, refere-se aos privilégios que os familiares de políticos têm no processo de entrada na carreira política. Neste ponto, pouca diferença faz que os familiares sejam todos ministros, ou que estejamos a falar de uma ministra casada com um deputado, nem sequer é relevante que tenham sido ministros no mesmo momento ou em momentos diferentes (como os irmãos Beleza) - mais: se alguma coisa, se calhar ainda mais preocupante será vermos, ao longo de anos ou décadas, familiares a revezarem-se em cargos na política ativa (como se desculpava há dias o Marques Mendes, dizendo que nem o pai nem a irmã ocuparam cargos políticos relevantes na mesma altura que ele), já que será indicativo que o sistema é tão fechado que as mesmas famílias permanecem em cargos de topo durante décadas e por várias gerações.
Poderá perguntar-se porque é que eu publico este post agora, num momento em que o assunto já nem está a ser discutido - bem, a ideia era isto ser o primeiro post de uma série de posts sobre a questão da "igualdade de oportunidades" (iria ter uma continuação que provavelmente iria chamar-se "Contributo para uma teoria geral da endogamia e da discrminação"), e iriam ser publicados todos de seguida (ou seja, estava à espera de escrever o/os outro/os post/s para publicar também este). Mas como afinal esse outro post ainda irá demorar muito a ser escrito, e este em breve quase de certeza perderá muito da sua razão de ser quando for anunciado um novo governo, publico-o já agora.
12/09/19
Possivel conversa entre a rainha de Inglaterra e Boris Johnson
por
Miguel Madeira
A respeito da suspensão do parlamento.
Há umas pessoas que dizem "a rainha não teve nada a ver com isto, ela tem que fazer tudo o que o primeiro-ministro peça", e agora o argumento jurídico para revogar a suspensão do parlamento é dizer que Johnson mentiu à rainha (que, pelos vistos, não lê jornais e não sabia que há uns 8 meses que se fala em suspender o parlamento para este não interferir com o Brexit).
Atendendo ao que se sabe sobre os poderes efetivos da família real (em que nenhum medida do governo que os possa afetar minimamente é tomada sem antes a rainha e o principe de Gales se pronunciarem), quase que aposto que antes da suspensão ter sido anunciada oficialmente, terá havido (não necessariamente em pessoa, pode ter sido via emissários) uma conversa deste tipo entre Boris Johnson e a rainha:
Johnson - "Sua Majestade sentiria-se incomodada se lhe fosse apresentada uma proposta para suspender o parlamento, num período significativamente superior ao habitual?"
Rainha - "A interpretação do Palácio é que a prorrogação do parlamento, incluindo datas e prazos, é tradicionalmente vista como um assunto sujeito à discrição do primeiro-ministro" [tradução - "podes suspender o parlamento que não me importo"]
E após a conversa a rainha terá provavelmente ficada a pensar "Finalmente! Todo o meu reinado sonhei com este dia - assinar um decreto suspendendo um parlamento incómodo, como os meus antepassados fariam nos velhos tempos, sem sequer precisarem do conselho de um primeiro-ministro; pronto, já tinha havido aquela situação na colónia penal, quando o meu representante demitiu um governo e nomeou outro, mas isso foi do outro lado do mundo e foi da iniciativa do meu representante, não minha, pelo que não deu tanto entusiasmo; e houve também aquilo na ilha dos piratas, mas isso nem se consegue ver no mapa".
Há umas pessoas que dizem "a rainha não teve nada a ver com isto, ela tem que fazer tudo o que o primeiro-ministro peça", e agora o argumento jurídico para revogar a suspensão do parlamento é dizer que Johnson mentiu à rainha (que, pelos vistos, não lê jornais e não sabia que há uns 8 meses que se fala em suspender o parlamento para este não interferir com o Brexit).
Atendendo ao que se sabe sobre os poderes efetivos da família real (em que nenhum medida do governo que os possa afetar minimamente é tomada sem antes a rainha e o principe de Gales se pronunciarem), quase que aposto que antes da suspensão ter sido anunciada oficialmente, terá havido (não necessariamente em pessoa, pode ter sido via emissários) uma conversa deste tipo entre Boris Johnson e a rainha:
Johnson - "Sua Majestade sentiria-se incomodada se lhe fosse apresentada uma proposta para suspender o parlamento, num período significativamente superior ao habitual?"
Rainha - "A interpretação do Palácio é que a prorrogação do parlamento, incluindo datas e prazos, é tradicionalmente vista como um assunto sujeito à discrição do primeiro-ministro" [tradução - "podes suspender o parlamento que não me importo"]
E após a conversa a rainha terá provavelmente ficada a pensar "Finalmente! Todo o meu reinado sonhei com este dia - assinar um decreto suspendendo um parlamento incómodo, como os meus antepassados fariam nos velhos tempos, sem sequer precisarem do conselho de um primeiro-ministro; pronto, já tinha havido aquela situação na colónia penal, quando o meu representante demitiu um governo e nomeou outro, mas isso foi do outro lado do mundo e foi da iniciativa do meu representante, não minha, pelo que não deu tanto entusiasmo; e houve também aquilo na ilha dos piratas, mas isso nem se consegue ver no mapa".
11/09/19
Reduzir o horário de trabalho cria ou destrói emprego?
por
Miguel Madeira
O João Miranda parece achar que destrói - eu diria que há dois fatores de sinal contrário.
Por um lado, efetivamente, se se reduzir o horário de trabalho mantendo o salário (ou seja, se se aumentar o salário por hora), haverá trabalhos que deixam de ser economicamente viáveis do ponto de vista do empregador, e por isso desaparecerão ou não chegarão a ser criados; mas, por outro, no caso dos trabalhos que continuam a ser economicamente viáveis, serão necessárias mais pessoas para os fazer, logo por aí serão criados empregos.
Com um exemplo talvez se perceba melhor - imaginemos uma empresa com 14 trabalhadores, fazendo 40 horas por semana (o seja, no total, trabalhando 560 horas por semana) e recebendo 615 euros cada um (o que dará um custo, contando com férias, subsídios, segurança social, etc, de uns 5,89 euros por hora, se estou a fazer bem as contas).
Agora, vamos supor que o horário de trabalho baixava para 35 horas, o que quer dizer que o custo por hora para a empresa subia para 6,74 euros por trabalhador.
Nesta situação, o empresário pode achar "a este custo hora não vale a pena estar a pagar por 560 horas de trabalho por semana; mais vale reduzir um pouco a atividade - fechar um pouco mais cedo, ou talvez fazer os clientes esperarem um pouco mais nos picos de atividade, ou coisa parecida - e com 455 horas de trabalho por semana isto aguenta-se bem; portanto, como agora cada trabalhador vai trabalhar 35 horas, só preciso de 13 trabalhadores; vou ter que despedir uma pessoa"; mas também pode achar "a este custo hora não vale a pena estar a pagar por 560 horas de trabalho por semana; mais vale reduzir um pouco a atividade - fechar um pouco mais cedo, ou talvez fazer os clientes esperarem um pouco mais nos picos de atividade, ou coisa parecida - e com 525 horas de trabalho por semana isto aguenta-se bem; portanto, como agora cada trabalhador vai trabalhar 35 horas, só preciso de 15 trabalhadores; vou contratar mais uma pessoa mas mesmo assim a produção vai diminuir".
Ou seja, a redução do horário de trabalho (mantendo o salário constante) faz a hora de trabalho ficar mais cara, e em princípio fará as empresas quererem contratar menos horas de trabalho; mas como o que interessa (pelo menos para mim) não é o número de horas de trabalho empregadas, mas o número de pessoas empregadas, e como cada pessoa também vai trabalhar menos horas, não se pode determinar à partida se as empresas contratarem menos horas de trabalho as vai levar a contratarem menos ou mais pessoas (isso é algo que poderá ser estudado empiricamente, mas aprioristicamente nada se pode concluir, num sentido ou no outro).
Em termos mais gerais, uma redução do horário de trabalho das 40 para as 35 horas vai originar um aumento de 14,29% no custo horário do trabalho; se esse aumento do custo originar uma redução da procura de horas de trabalho maior que 12,5%, o desemprego irá aumentar (já que o efeito "menos horas de trabalho total" vai ser maior que o efeito "mais pessoas para o mesmo tempo de trabalho") - se pelo contrário a redução da procura de horas de trabalho for menor que 12,5%, o desemprego vai diminuir (pelo mecanismo inverso). Em "economês", eu diria que se a elasticidade procura-preço do trabalho for menor* que -0,87, uma redução do horário de trabalho vai diminuir o número total de empregos; se for maior que -0,87 (ou seja, se estiver entre -0,87 e zero) vai aumentar o total de empregos.
De qualquer maneira, o facto dos recentes aumentos do salário mínimo não terem, aparentemente, originado desemprego relevante indicia que, na economia portuguesa atual, aumentos dos custos salariais não causam grandes reduções nas contratações, ou seja, que a tal elasticidade procura-preço do trabalho não é muito significativa (exatamente as condições em que uma redução do horário de trabalho cria empregos).
*atenção que é um valor negativo, logo "menor" aqui significa mais significativo (ou "maior" em termos absolutos).
[Declaração de interesses, já que a conversa parece ter começado com uma proposta do BE]
Por um lado, efetivamente, se se reduzir o horário de trabalho mantendo o salário (ou seja, se se aumentar o salário por hora), haverá trabalhos que deixam de ser economicamente viáveis do ponto de vista do empregador, e por isso desaparecerão ou não chegarão a ser criados; mas, por outro, no caso dos trabalhos que continuam a ser economicamente viáveis, serão necessárias mais pessoas para os fazer, logo por aí serão criados empregos.
Com um exemplo talvez se perceba melhor - imaginemos uma empresa com 14 trabalhadores, fazendo 40 horas por semana (o seja, no total, trabalhando 560 horas por semana) e recebendo 615 euros cada um (o que dará um custo, contando com férias, subsídios, segurança social, etc, de uns 5,89 euros por hora, se estou a fazer bem as contas).
Agora, vamos supor que o horário de trabalho baixava para 35 horas, o que quer dizer que o custo por hora para a empresa subia para 6,74 euros por trabalhador.
Nesta situação, o empresário pode achar "a este custo hora não vale a pena estar a pagar por 560 horas de trabalho por semana; mais vale reduzir um pouco a atividade - fechar um pouco mais cedo, ou talvez fazer os clientes esperarem um pouco mais nos picos de atividade, ou coisa parecida - e com 455 horas de trabalho por semana isto aguenta-se bem; portanto, como agora cada trabalhador vai trabalhar 35 horas, só preciso de 13 trabalhadores; vou ter que despedir uma pessoa"; mas também pode achar "a este custo hora não vale a pena estar a pagar por 560 horas de trabalho por semana; mais vale reduzir um pouco a atividade - fechar um pouco mais cedo, ou talvez fazer os clientes esperarem um pouco mais nos picos de atividade, ou coisa parecida - e com 525 horas de trabalho por semana isto aguenta-se bem; portanto, como agora cada trabalhador vai trabalhar 35 horas, só preciso de 15 trabalhadores; vou contratar mais uma pessoa mas mesmo assim a produção vai diminuir".
Ou seja, a redução do horário de trabalho (mantendo o salário constante) faz a hora de trabalho ficar mais cara, e em princípio fará as empresas quererem contratar menos horas de trabalho; mas como o que interessa (pelo menos para mim) não é o número de horas de trabalho empregadas, mas o número de pessoas empregadas, e como cada pessoa também vai trabalhar menos horas, não se pode determinar à partida se as empresas contratarem menos horas de trabalho as vai levar a contratarem menos ou mais pessoas (isso é algo que poderá ser estudado empiricamente, mas aprioristicamente nada se pode concluir, num sentido ou no outro).
Em termos mais gerais, uma redução do horário de trabalho das 40 para as 35 horas vai originar um aumento de 14,29% no custo horário do trabalho; se esse aumento do custo originar uma redução da procura de horas de trabalho maior que 12,5%, o desemprego irá aumentar (já que o efeito "menos horas de trabalho total" vai ser maior que o efeito "mais pessoas para o mesmo tempo de trabalho") - se pelo contrário a redução da procura de horas de trabalho for menor que 12,5%, o desemprego vai diminuir (pelo mecanismo inverso). Em "economês", eu diria que se a elasticidade procura-preço do trabalho for menor* que -0,87, uma redução do horário de trabalho vai diminuir o número total de empregos; se for maior que -0,87 (ou seja, se estiver entre -0,87 e zero) vai aumentar o total de empregos.
De qualquer maneira, o facto dos recentes aumentos do salário mínimo não terem, aparentemente, originado desemprego relevante indicia que, na economia portuguesa atual, aumentos dos custos salariais não causam grandes reduções nas contratações, ou seja, que a tal elasticidade procura-preço do trabalho não é muito significativa (exatamente as condições em que uma redução do horário de trabalho cria empregos).
*atenção que é um valor negativo, logo "menor" aqui significa mais significativo (ou "maior" em termos absolutos).
[Declaração de interesses, já que a conversa parece ter começado com uma proposta do BE]
India prepara-se para enviar 2 milhões de pessoas para campos de concentração?
por
Miguel Madeira
Em continuação a isto, temos isto - India builds detention camps for up to 1.9m people ‘stripped of citizenship’ in Assam (The Independent).
O comentário de Noah Smith no Twitter acerca disso:
O comentário de Noah Smith no Twitter acerca disso:
Me: Sweeping historical analogies are inappropriate, every era is unique and different— Noah Smith 🐇 (@Noahpinion) 11 de setembro de 2019
Me: *reads the news*
Me: Oh God it really is the 1930s, isn't it
02/09/19
A revisão constitucional
por
Miguel Madeira
Vejo muita gente à direita preocupada com a possibilidade de PS+BE+CDU terem os 2/3 necessários para rever a Constituição. Mas, mas, mas... nós já não tinhamos uma constituição socialista/comunista? Pelo menos foi o que sempre ouvi dizer.
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