India was braced for unrest in its north eastern Assam state on Monday after the authorities declared some four million residents to be foreigners, effectively stripping them of their citizenship and raising fears of deportation. (Telegraph, via Reason)Nos EUA Trump já tem falado de usar uma "Ordem Executiva" (isto é, por decreto), para acabar com o principio de dar a cidadania a todos os filhos de residentes nos EUA (incluindo filhos de imigrantes ilegais), embora me parece pouco provável que isso tivesse efeitos retroativos (como vai acontecer na Índia, em que a partir de 31 de agosto milhões de pessoas vão deixar de ser cidadãos indianos).
28/08/19
Já agora, na Índia...
por
Miguel Madeira
Isto se calhar também se enquadra nisto:
A viragem autoritária da burguesia (II)
por
Miguel Madeira
Há pouco mais de seis meses eu escrevia sobre a viragem autoritária (ou pelo menos anti-parlamentar) da burguesia, a respeito das ideias que circulavam de Trump decretar um estado de emergência para poder construir "o muro" sem autorização do congresso e do governo britânico suspender o parlamento para o impedir de interferir com o Brexit.
Tudo isso já aconteceu - a declaração de emergência por Trump logo em fevereiro, e o anúncio da suspensão do parlamento britânico hoje. A isso podemos juntar a limitação das liberdades sindicais a que temos assistido em Portugal (não só a respeito da greve dos motoristas, mas também da greve dos enfermeiros, com a ASAE a ameaçar os fundos de greve).
Tudo isso já aconteceu - a declaração de emergência por Trump logo em fevereiro, e o anúncio da suspensão do parlamento britânico hoje. A isso podemos juntar a limitação das liberdades sindicais a que temos assistido em Portugal (não só a respeito da greve dos motoristas, mas também da greve dos enfermeiros, com a ASAE a ameaçar os fundos de greve).
CGTP em defesa do seu meio-monopólio
por
Miguel Madeira
CGTP estranha que Governo não tenha encontrado “anormalidades em relação a dirigentes” do SNMMP (Jornal Económico):
O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, estranhou hoje que o Ministério do Trabalho não se tenha apercebido da existência de “anormalidades em relação a alguns dirigentes” do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP).
“Nós não percebemos é porque é o Ministério do Trabalho não viu isso inicialmente e deixou protelar essa situação”, disse Arménio Carlos à agência Lusa, após o Ministério Público ter pedido a dissolução do SNMMP numa ação que deu entrada este mês junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa.
Democracia à beira de ser suspensa em Portugal?
por
Miguel Madeira
Ministério Público pede dissolução do sindicato de matérias perigosas (Público):
O Ministério Público (MP) pediu a dissolução do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) numa acção que deu entrada este mês junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, disseram hoje à agência Lusa fontes judiciais.
Democracia parlamentar suspensa no Reino Unido
por
Miguel Madeira
Brexit: Boris Johnson anuncia suspensão do Parlamento até 14 de outubro (Sapo 24):
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, anunciou hoje que o Parlamento vai ser suspenso durante a segunda semana de setembro e até 14 de outubro, duas semanas antes da data prevista para o ‘Brexit’, a 31 de outubro.
26/08/19
Bandeiras no Twitter
por
Miguel Madeira
Correct, 🇧🇷🇮🇱🇺🇲 doesn't mean "I'm Brazilian and Jewish and American," it (almost always) means "I'm a right-wing Brazilian Christian" https://t.co/eQSv6hWXr9— Vincent Bevins (@Vinncent) 25 de agosto de 2019
25/08/19
As experiências de Stanford e de Milgran
por
Miguel Madeira
As revelações de que a experiência de Stanford foi fraudulenta acabam por reforçar as conclusões da experiência de Milgram.
17/08/19
No limite pode não haver diferença entre o direito à greve e a negação desse direito. (actualizado)
por
José Guinote
A greve dos motoristas tem sido pasto para uma sucessão de acontecimentos que alguns meses atrás poderíamos facilmente classificar como impossíveis.
O tema que caracterizou a actuação dos diversos actores, com excepção dos motoristas, foi o do fingimento. Os motoristas não fingiram querer causar o maior dano possível, marcando a greve para um período de férias, com muita gente no país - turistas e emigrantes - e os incómodos causados a subirem exponencialmente. Marcaram uma greve por tempo indeterminado o que, nesta altura, poderia ter consequências graves. Não tem nada de mal. As greves destinam-se a forçar a negociação e o acordo e a capitalizar os problemas que causam. A maior fragilidade dos trabalhadores reside na personagem que "lidera" o sndicato, Pardal Henriques, um advogado com manifestas ambições políticas que nem motorista é. Bom será o motorista do seu Maseratti. Mas não lhes terá sido indiferente a clara opção feita pelo Governo.
Os patrões fingiram sempre que estavam a negociar condições decentes para os seus motoristas e que já tinham cedido muito, muito mais do que aquilo que seria razoável. Era mentira, mas o fingimento mantêm-se activo na comunicação social. O representante dos patrões, André Almeida de seu nome, vomitou ódio aos trabalhadores em cada intervenção que fez, na feliz expressão de Ana Gomes
Para ajudar nesta narrativa muito conveniente os patrões contaram com a colaboração de alguns sindicatos - amarelos? - que fingiram terem obtido grandes vitórias nessas negociações. Tanto quanto se sabe são falsas essas conquistas. Elas traduzem-se, no essencial, na manutenção de um salário base muito baixo e várias gratificações dependentes de muita coisa. Um mau acordo para os motoristas que o cidadão comum achará que ganham tanto como deputados ou ministros. Nada de mais errado, mas a propaganda é forte e eficaz.
Depois há o PS a fingir que o país enfrentava uma emergência energética. A fingir que os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos. A fingir equidistância entre motoristas e patrões. A fingir que lhe interessa o país quando na verdade julga ter descoberto o caminho mais rápido para a maioria absoluta. A fingir que o país enfrenta uma situação que justifica o recurso às Forças Armadas, com a cumplicidade do Presidente da República. A fingir que defende o direito à greve, como direito inegociável, sendo que nos períodos em que o PS governa esse direito pode ser no limite suspenso, como ficámos a saber. Como? Impondo, no limite, serviços mínimos que não sejam diferentes dos serviços normais. O quê? Pois é, a pura retórica, pouco elaborada, diga-se, ao serviço do mais descarado ataque ao direito à greve feito por algum Governo desde o 25 de Abril. Imagino as voltas que Mário Soares terá dado no túmulo. Vale tudo para uma maioria absoluta.
Depois vem o BE, o supra-sumo do fingimento. O BE finge que toma posição embora tenha optado pelo silêncio profundo. Face à emergência energética disse nada. Face aos serviços mínimos que podem ir até 100% disse nada, Face à requisição civil disse que tinha que haver negociação. Uma declaração que testemunha a confusão que tolhe o BE. O recurso às forças armadas para furar uma greve mereceu do BE um silêncio absoluto. Os votos próximos e o medo que a campanha musculada organizada pelo governo de António Costa contra os grevistas provoca tolhem o BE radicalmente.
Que diria o BE, que coisas extraordinárias teria o BE feito, se o Governo fosse o da coligação PSD/PP com a Troika a supervisionar?
No final vem o PCP, que parece atacado por uma esquizofrenia irreparável. O partido não parece conseguir recuperar do desaire sofrido nas europeias. Na mesma declaração Jerónimo de Sousa conseguiu culpar os motoristas pelo ataque ao direito à greve que terão consentido e o PS - cujo Governo apoia - por estar a concretizar essa ataque.
O PCP, fora do quadro de actuação da CGTP, não é capaz de lidar com as injustiças que afectam cada vez mais trabalhadores. Que diria o PCP, que mobilizações solidárias com os grevistas organizaria, se o Governo fosse o da coligação PSD/PP, com a Troika a supervisionar?
Há depois o PSD e o CDS. O primeiro não disse nada - aterrorizado que ficou com o processo dos professores - e quando fingiu que disse, disse o óbvio que toda a gente já tinha percebido: o governo tomou partido - pelos patrões - embora fingindo que estava a mediar. Não se pode dizer que tenha sido grande contributo para o maior partido da oposição.Toda a gente já o tinha percebido. O CDS foi um pouco mais longe, mas com o azar de o PS estar a fazer aquilo de que eles apenas falam: pediu a mudança da lei da greve, a forma romântica que Mota Soares escolheu para pedir o fim do direito à greve, sem a maçada de ter que decretar requisições civis, de legalidade mais que duvidosa, ou serviços mínimos iguais aos normais, uma inovação semântica que os socialistas se propõem patentear.
O PS apostou forte nesta greve como uma oportunidade para mostrar de que lado está. Sendo uma greve envolvendo empresas privadas e os seus trabalhadores tomou claramente partido. Recorreu ao poder do Estado para limitar um direito explorando a cumplicidade do Presidente da República. Foi dado um primeiro passo para limitar severamente o direito à greve. O trabalho sujo já foi feito. Mais tarde um governo de direita passará a escrito aquilo que agora foi feito. Marcelo na bancada aplaudirá embevecido.
O tempo não está fácil para os trabalhadores.
Adenda (19.08): A greve acabou. O Governo decretou o "fim da emergência energética". Vale a pena ler este texto sobre o thatcherismo de fachada socialista". O PS fiel à sua versão mais nefasta: uma cópia desfocada do Blairismo e da sua terceira via.
O tema que caracterizou a actuação dos diversos actores, com excepção dos motoristas, foi o do fingimento. Os motoristas não fingiram querer causar o maior dano possível, marcando a greve para um período de férias, com muita gente no país - turistas e emigrantes - e os incómodos causados a subirem exponencialmente. Marcaram uma greve por tempo indeterminado o que, nesta altura, poderia ter consequências graves. Não tem nada de mal. As greves destinam-se a forçar a negociação e o acordo e a capitalizar os problemas que causam. A maior fragilidade dos trabalhadores reside na personagem que "lidera" o sndicato, Pardal Henriques, um advogado com manifestas ambições políticas que nem motorista é. Bom será o motorista do seu Maseratti. Mas não lhes terá sido indiferente a clara opção feita pelo Governo.
Os patrões fingiram sempre que estavam a negociar condições decentes para os seus motoristas e que já tinham cedido muito, muito mais do que aquilo que seria razoável. Era mentira, mas o fingimento mantêm-se activo na comunicação social. O representante dos patrões, André Almeida de seu nome, vomitou ódio aos trabalhadores em cada intervenção que fez, na feliz expressão de Ana Gomes
Para ajudar nesta narrativa muito conveniente os patrões contaram com a colaboração de alguns sindicatos - amarelos? - que fingiram terem obtido grandes vitórias nessas negociações. Tanto quanto se sabe são falsas essas conquistas. Elas traduzem-se, no essencial, na manutenção de um salário base muito baixo e várias gratificações dependentes de muita coisa. Um mau acordo para os motoristas que o cidadão comum achará que ganham tanto como deputados ou ministros. Nada de mais errado, mas a propaganda é forte e eficaz.
Depois há o PS a fingir que o país enfrentava uma emergência energética. A fingir que os serviços mínimos não estavam a ser cumpridos. A fingir equidistância entre motoristas e patrões. A fingir que lhe interessa o país quando na verdade julga ter descoberto o caminho mais rápido para a maioria absoluta. A fingir que o país enfrenta uma situação que justifica o recurso às Forças Armadas, com a cumplicidade do Presidente da República. A fingir que defende o direito à greve, como direito inegociável, sendo que nos períodos em que o PS governa esse direito pode ser no limite suspenso, como ficámos a saber. Como? Impondo, no limite, serviços mínimos que não sejam diferentes dos serviços normais. O quê? Pois é, a pura retórica, pouco elaborada, diga-se, ao serviço do mais descarado ataque ao direito à greve feito por algum Governo desde o 25 de Abril. Imagino as voltas que Mário Soares terá dado no túmulo. Vale tudo para uma maioria absoluta.
Depois vem o BE, o supra-sumo do fingimento. O BE finge que toma posição embora tenha optado pelo silêncio profundo. Face à emergência energética disse nada. Face aos serviços mínimos que podem ir até 100% disse nada, Face à requisição civil disse que tinha que haver negociação. Uma declaração que testemunha a confusão que tolhe o BE. O recurso às forças armadas para furar uma greve mereceu do BE um silêncio absoluto. Os votos próximos e o medo que a campanha musculada organizada pelo governo de António Costa contra os grevistas provoca tolhem o BE radicalmente.
Que diria o BE, que coisas extraordinárias teria o BE feito, se o Governo fosse o da coligação PSD/PP com a Troika a supervisionar?
No final vem o PCP, que parece atacado por uma esquizofrenia irreparável. O partido não parece conseguir recuperar do desaire sofrido nas europeias. Na mesma declaração Jerónimo de Sousa conseguiu culpar os motoristas pelo ataque ao direito à greve que terão consentido e o PS - cujo Governo apoia - por estar a concretizar essa ataque.
O PCP, fora do quadro de actuação da CGTP, não é capaz de lidar com as injustiças que afectam cada vez mais trabalhadores. Que diria o PCP, que mobilizações solidárias com os grevistas organizaria, se o Governo fosse o da coligação PSD/PP, com a Troika a supervisionar?
Há depois o PSD e o CDS. O primeiro não disse nada - aterrorizado que ficou com o processo dos professores - e quando fingiu que disse, disse o óbvio que toda a gente já tinha percebido: o governo tomou partido - pelos patrões - embora fingindo que estava a mediar. Não se pode dizer que tenha sido grande contributo para o maior partido da oposição.Toda a gente já o tinha percebido. O CDS foi um pouco mais longe, mas com o azar de o PS estar a fazer aquilo de que eles apenas falam: pediu a mudança da lei da greve, a forma romântica que Mota Soares escolheu para pedir o fim do direito à greve, sem a maçada de ter que decretar requisições civis, de legalidade mais que duvidosa, ou serviços mínimos iguais aos normais, uma inovação semântica que os socialistas se propõem patentear.
O PS apostou forte nesta greve como uma oportunidade para mostrar de que lado está. Sendo uma greve envolvendo empresas privadas e os seus trabalhadores tomou claramente partido. Recorreu ao poder do Estado para limitar um direito explorando a cumplicidade do Presidente da República. Foi dado um primeiro passo para limitar severamente o direito à greve. O trabalho sujo já foi feito. Mais tarde um governo de direita passará a escrito aquilo que agora foi feito. Marcelo na bancada aplaudirá embevecido.
O tempo não está fácil para os trabalhadores.
Adenda (19.08): A greve acabou. O Governo decretou o "fim da emergência energética". Vale a pena ler este texto sobre o thatcherismo de fachada socialista". O PS fiel à sua versão mais nefasta: uma cópia desfocada do Blairismo e da sua terceira via.
15/08/19
13/08/19
Hong Kong à beira de uma intervenção militar?
por
Miguel Madeira
O exército chinês parece estar a reunir bastantes tanques junto ao território.
Entretanto os voos do aeroporto voltaram a ser suspensos.Disturbing video taken in #Shenzhen just across the boarder with #HongKong. Something extraordinarily bad is about happen. #China #HongKongProtests #Democracy #SaveHongKong pic.twitter.com/Gad5R5HVZL— Alexandre Krauss (@AlexandreKrausz) 12 de agosto de 2019
Ainda sobre os ajustes directos
por
José Guinote
Uma proposta decente que um Governo decente deveria considerar aplicar seria a seguinte:
"o Governo firmemente mobilizado para o combate à corrupção e ao tráfico de influência decide suspender por tempo ilimitado a possibilidade inscrita no Código da Contratação Pública de a Administração Pública nos seus diferentes níveis poder recorrer aos ajustes directos no âmbito da contratação pública.
A forma preferencial de contratação deverá ser o Concurso Público."
"Esta medida será reavaliada a cada dois anos pelo Governo e pelo Tribunal de Contas. Serão ouvidas as entidades públicas e as organizações não governamentais que se dedicam ao combate à corrupção e à promoção da transparência na sociedade portuguesa."
"o Governo firmemente mobilizado para o combate à corrupção e ao tráfico de influência decide suspender por tempo ilimitado a possibilidade inscrita no Código da Contratação Pública de a Administração Pública nos seus diferentes níveis poder recorrer aos ajustes directos no âmbito da contratação pública.
A forma preferencial de contratação deverá ser o Concurso Público."
"Esta medida será reavaliada a cada dois anos pelo Governo e pelo Tribunal de Contas. Serão ouvidas as entidades públicas e as organizações não governamentais que se dedicam ao combate à corrupção e à promoção da transparência na sociedade portuguesa."
12/08/19
Ainda a respeito de esquerda, direita e intervenção do Estado
por
Miguel Madeira
N'O Delito de Opinião, Alexandre Guerra escreve que «[e]m tese, e dando um exemplo clássico, poder-se-á presumir que alguém ideologicamente de “esquerda” seja mais favorável à intervenção do Estado nos assuntos da “polis” do que alguém de “direita”, ou vice-versa.» e que «[n]a óptica do tal quadro de análise “esquerda-direita”, não seria descabido prognosticar, há umas semanas, que, perante um cenário extremado de greve, o Governo (esquerda) assumisse uma posição suavizada perante aquilo que tem historicamente considerado um princípio constitucional intocável ainda herdeiro da boa e velha tradição sindicalista dos tempos do “proletariado” marxista. Partindo dessa “fórmula”, dir-se-ia também que a oposição (direita) seria menos conivente com o tom radicalizado dos grevistas e viesse defender uma acção mais “musculada” por parte das autoridades no garante da normalidade da sociedade».
Não sei se Alexandre Guerra se apercebeu que a segunda passagem entra em contradição com a primeira - afina, se em teoria seria de esperar que um governo de direita fosse mais "musculado" para reduzir o impacto de uma greve de que um de esquerda, isso quer dizer que nem sempre se está à espera que alguém de esquerda seja mais a favor da intervenção do Estado do que alguém de direita (o resto do post é a dizer que a direita e a esquerda não estão a ter a posição esperada neste assunto, mas o próprio facto de ele achar que a posição esperada era a direita tentar restringir a greve e a esquerda ser mais permissiva refuta a passagem inicial sobre a intervenção do Estado).
[Há uns tempos, num contexto completamente diferente, eu escrevia - acerca de Margaret Thatcher, Robert Taft e Barry Goldwater - que «há um assunto em que todos os "liberais económicos" atrás referidos até eram bastante estatistas: greves e sindicatos; mas haver defensores do liberalismo económico a defenderem que o Estado deve intervir para restringir a ação dos sindicatos é tão comum que...»; eu não faço a mínima ideia de qual o posicionamento político de Alexandre Guerra, nem da sua opinião sobre a greve em si, mas essa parte do post parece um sintoma da tal tendência geral para não contar o intervencionismo estatal contra as greves como intervencionismo estatal]
Não sei se Alexandre Guerra se apercebeu que a segunda passagem entra em contradição com a primeira - afina, se em teoria seria de esperar que um governo de direita fosse mais "musculado" para reduzir o impacto de uma greve de que um de esquerda, isso quer dizer que nem sempre se está à espera que alguém de esquerda seja mais a favor da intervenção do Estado do que alguém de direita (o resto do post é a dizer que a direita e a esquerda não estão a ter a posição esperada neste assunto, mas o próprio facto de ele achar que a posição esperada era a direita tentar restringir a greve e a esquerda ser mais permissiva refuta a passagem inicial sobre a intervenção do Estado).
[Há uns tempos, num contexto completamente diferente, eu escrevia - acerca de Margaret Thatcher, Robert Taft e Barry Goldwater - que «há um assunto em que todos os "liberais económicos" atrás referidos até eram bastante estatistas: greves e sindicatos; mas haver defensores do liberalismo económico a defenderem que o Estado deve intervir para restringir a ação dos sindicatos é tão comum que...»; eu não faço a mínima ideia de qual o posicionamento político de Alexandre Guerra, nem da sua opinião sobre a greve em si, mas essa parte do post parece um sintoma da tal tendência geral para não contar o intervencionismo estatal contra as greves como intervencionismo estatal]
11/08/19
Lei da Duocidade Sindical
por
Miguel Madeira
Deste estar para breve uma lei dizendo que só os sindicatos da CGTP ou da UGT podem fazer greves.
Trump e "The Hunt"
por
Miguel Madeira
Suspeito que o problema de Trump e dos seus apoiantes com o filme "The Hunt" é que, do ponto de vista deles até dá uma visão positiva dos "progressistas" - que em vez de loosers e snowflakes, aparecem quase como sendo real men (ok, a cabecilha parece ser uma mulher - tal como aliás a dos "deploráveis" - mas pronto...), que gostam de perseguir e matar outras pessoas (e imagino que por vezes até usem armas de fogo).
Ou numa visão mais benevolente, pelo menos não têm aquele impulso de torcer pelo que parece ser o lado mais fraco (isso é mais para loosers e snowflakes) e por isso não percebem que os "deploráveis" são suposto ser os bons da fita.
Já agora, se este filme alguma vez chegar a ser visto, não me admirava que com o tempo tenha uma evolução parecida com a de Há Lodo no Cais (um filme que na altura foi feito com uma clara marca de direita, a atacar os sindicatos - e na altura em que o filme foi feito o sindicato dos estivadores estava nas mãos de uma esquerda relativamente radical - e a elogiar os denunciantes - pouco depois de o realizador ter deposto na comissão de McCarthy - mas que hoje em dia quase ninguém descobre essa marca ideológica ao vê-lo, e até poderá julgar que é mais um dos filmes de denúncia "liberais" dos anos 50/60) - daqui a umas décadas, quem o vejo ignorando o contexto político do momento, até associará mais os ricos elitistas (e que - pelo trailer - acham que podem fazer tudo porque são eles que "pagam tudo") com a direita e as pessoas comuns (a lutarem para não serem mortas pelos ricos) com a esquerda.
Claro que há sempre a possibilidade de no fim do filme haver um plot twist com este que Matthew Yglesias sugere...
Ou numa visão mais benevolente, pelo menos não têm aquele impulso de torcer pelo que parece ser o lado mais fraco (isso é mais para loosers e snowflakes) e por isso não percebem que os "deploráveis" são suposto ser os bons da fita.
Já agora, se este filme alguma vez chegar a ser visto, não me admirava que com o tempo tenha uma evolução parecida com a de Há Lodo no Cais (um filme que na altura foi feito com uma clara marca de direita, a atacar os sindicatos - e na altura em que o filme foi feito o sindicato dos estivadores estava nas mãos de uma esquerda relativamente radical - e a elogiar os denunciantes - pouco depois de o realizador ter deposto na comissão de McCarthy - mas que hoje em dia quase ninguém descobre essa marca ideológica ao vê-lo, e até poderá julgar que é mais um dos filmes de denúncia "liberais" dos anos 50/60) - daqui a umas décadas, quem o vejo ignorando o contexto político do momento, até associará mais os ricos elitistas (e que - pelo trailer - acham que podem fazer tudo porque são eles que "pagam tudo") com a direita e as pessoas comuns (a lutarem para não serem mortas pelos ricos) com a esquerda.
Claro que há sempre a possibilidade de no fim do filme haver um plot twist com este que Matthew Yglesias sugere...
A próspera democracia e os Ajustes Directos.
por
José Guinote
Os ajustes directos ocuparam o penúltimo capítulo da "agenda mediática" enquanto efeito colateral do famigerado caso do "famlygate", antes da greve dos camionistas ter varrido o assunto para o arquivo morto. As regras da bolha mediática que ocupa o espaço caricaturalmente designado nas democracias degradadas ou em acelerado estado de degradação por "espaço público" são estas. Nas democracias que definham as regras não se discutem.
Admita-se pois, para início de conversa, que os ajustes directos estiveram mais ou menos na moda, entre um dia qualquer do presente mês e o dia em que o Governo decretou o estado de emergência energética, uma designação bastante cool que liga muito bem com o ar exausto, dir-se-ia exaurido, com que Vieira da Silva e Matos Fernandes alertaram o país para a coisa.
Alguns cronistas dos "jornais de referência" mostraram nesse curto espaço temporal, nessa estreita janela de oportunidade, um grande interesse pelo tema. Grande como são grandes os interesses que se organizam nos termos e nas medidas determinadas pela agenda mediática. O mais notório, aquele que mais insistiu messe jogo entre linhas-mediáticas, foi o João Miguel Tavares no Público, que articulou nos seus escritos mais recentes a denúncia do familygate e os ajustes directos, enquanto mecanismo legal de contratação pública. (aqui e aqui e aqui )
Os ajustes directos, como já escrevi algumas vezes aqui no Vias de Facto, são desde há muito - desde muito antes da Troika, mais exactamente desde a aprovação do Código da Contratação Pública, no Governo de José Sócrates, em 2008 - um dos mais danosos mecanismos de contratação pública. São o mecanismo de eleição de todos os que contratam no âmbito das funções em que foram investidos, quer por eleição, no caso dos autarcas, quer por delegação no caso dos organismos desconcentrados da Administração Central.
Danosos porquê? Porque conferem ao Senhor Manuel e à senhora Maria, que para o caso podem ser o Dr Manuel e a Drª Maria, ou o Engenheiro Manuel e a Engenheira Maria, ou o Arquitecto Manuel e a Arquitecta Maria, ou pura e simplesmente o nosso presidente Manuel e a nossa Presidente Maria, que se podem chamar Medina, Moreira, Francisco, António, Nuno, ou qualquer outro nome, um poder absoluto não escrutinável. Não escrutinável como assim?
Nesta época em que a Administração Pública atingiu o zénite da simplificação administrativa em que o Simplex veio "facilitar" as nossas vidas, como se pode afirmar que alguma coisa não é escrutinável, quando essa coisa e todas as coisas que se identificam com "ajustes directos" estão plasmadas no Base.Gov, para poderem ser fiscalizados por toda a gente?
Poder absoluto porquê? Como é que uma democracia consolidada pode viver paredes meias com poderes absolutos distribuídos por todo o território nacional tendo apenas que observar o devido respeito pelas fronteiras concelhias? Não se vá dar o caso de aparecer alguém a "ajustar" directamente no concelho do vizinho.
Temos que ser sérios. Quando alguém recorre aos ajustes directos para adjudicar um estudo sobre a mobilidade urbana do seu concelho à empresa A, é a urgência que o obriga. A necessidade "imperiosa, inadiável, de compreender os mecanismos que determinam as formas de mobilidade adoptadas pelos cidadãos e pelas empresas, bem como uma necessidade urgente de definir uma estratégia para uma nova mobilidade que possa ainda beneficiar dos apoios do quadro comunitário em curso" leva a que esse estudo seja "ajustado directamente" com a empresa A por 74,5 mil euros. Não podia ser por mais porque a lei impunha os 75 mil euros como limite aos ajustes directos, quando se tratava de prestação de serviços. Generosa lei que a União Europeia veio obrigar a rever. Uma maçada. Agora com a imaginação que nos caracteriza cada ajuste directo pode dar até três ajustes mais pequenos para que tudo continue a fazer-se da mesma maneira.
A escolha da empresa A também não tinha ciência nenhuma. Basta ir ao Base.Gov e consultar algumas dezenas de milhares de ajustes directos. Encontrar-se-á uma explicação muito simples e até recorrente na sua simplicidade: recorre-se ao ajuste directo à empresa A, tendo presente o carácter urgente do trabalho, por não se encontrar localmente empresas ou técnicos capazes com as capacidades requeridas.
Contrariamente ao que se pensa este mecanismo é na maior parte dos casos utilizada para excluir empresas locais - que não se encontrem alinhadas com os poderes autárquicos do momento - e/ou para beneficiar empresas "amigas", sendo que neste caso a base geográfica não interessa.
Com base na localização do contratante e do contratado pode-se começar a traçar uma "geografia da corrupção na Administração Pública no pós aprovação do Código da Contratação Pública". Talvez esteja em marcha, sem que se possa dar por isso, uma forma sórdida de regionalização.
Com base no carácter perene das empresas escolhidas - uma graça de cada um dos senhores ou senhoras que escolhem - podemos traçar um diagnóstico sobre a "longevidade empresarial, e novas formas de empreendedorismo de base local. O contributo dos ajustes directos".
Já aqui escrevi que depois de muitos anos em que o urbanismo foi a mais utilizada via para transferir bens públicos para mãos privadas, através de um esquema corrupto centrado na captura das mais-valias urbanísticas. os ajustes directos conquistaram o primeiro lugar entre as prácticas preferidas para concretizar o tráfico de influências, o compadrio, a corrupção, a sobrefacturação e a transferência de bens públicos para mãos-privadas. Toda a gente sabe disso. Há por esta via a destruição de qualquer ideia de mercado concorrencial e de eficiência na gestão dos recursos públicos e do dinheiro dos contribuintes. O nepotismo, a promoção da mediocridade e da incompetêmcia, a corrupção pura e dura sem apelo nem agravo são estruturantes da desigualdade existente e garantem uma desigualdade duradoura.
Há muita gente que utiliza os lugares para os quais foi eleito para favorecer este ou aquele cidadão - pequeno ou médio empresário, amigo do partido e financiador das suas campanhas, sócio de um familiar e amigo generoso da família, técnico cujas opiniões públicas são muito favoráveis à orientação política dominante - ou para punir este adversário político ou aquela empresa indesejável recorrendo a um poder quase absoluto - dentro dos generosos limites legais que a lei fixou e que a União Europeia tem paulatinamente mas ineficazmente tentado limitar - de decidir "quem pode e quem não pode", quem "deve ser contratado e quem não deve ser".
Em Portugal as coisas acontecem e, passados anos de estragos pesados, os escândalos acumulados obrigam a que alguma coisa mude. Normalmente a "mudança" começa com a denúncia na imprensa de referência de casos chocantes porque envolvem o autarca fulano de tal, a sua jovem esposa e as empresas de consultadoria que ela, com a sua capacidade empreendedora inata, criou para poder ajustar directamente ... com ele. Depois surgem algumas opiniões que aparecem com o carácter de descobertas de uma realidade "velha e relha" que se pensava ser imune a qualquer descoberta. Passados poucos dias uma qualquer crise energética, ou outra porra qualquer, lança um manto de silêncio sobre a coisa. A vida volta à sua normalidade.
Aqui no Vias de Facto há muito que variados autores denunciaram a corrupção implícita na utilização dos ajustes directos. Nem a justiça - limitada nos meios de investigação, como aconteceu com os crimes urbanísticos - nem a classe política, nem o jornalismo de referência, alguma vez passaram algum cartão ao tema. Ficam aqui um conjunto de links para vários desses textos que, inclusivé, questionam a Geringonça por nada ter feito para colocar um ponto final nesta questão. Do mesmo modo que Alvaro Santos Pereira, o ministro de Passos-Portas, nada fez para os limitar, apesar de recentemente ter renascido equipado - poder-se-ia dizer, subjugado - com enormíssimas preocupações com a corrupção em Portugal.
Portugal é um país muito marcado pela corrupção. É um velho hábito. Há quem ganhe e há quem perca. Quem ganha naturalmente não pretende mudar nada. Ninguém muda a realidade da qual é um dos maiores beneficiados.
A falta de separação entre o sistema de justiça e o poder político levou-nos a esta pós-democracia na qual uns recebem do povo o poder para o representar e agirem em sua defesa e dos seus interesses colectivos, optando por, uma vez investidos nesse poder, tratarem da sua vidinha, o que pode apenas significar "ajustar directamente" com as pessoas e as empresas certas.
A degradação da democracia não se combate dando 10 euros por mês aos mais necessitados e colocando o acento tónico na distribuição de verdadeiras misérias que o sistema fiscal se encarrega de reduzir a ... zero. Combate-se com uma mudança de fundo na forma como o Estado se relaciona com a coisa pública. Obriga a restaurar urgentemente a ética perdida. Apenas dessa forma será possível combater a desigualdade de forma séria e promover a justiça social . Se não se conseguir promover esta mudança de fundo podemos continuar a viver como agora à sombra da bananeira.
(Para consultar por antiguidade pode clicar aqui, aqui , aqui, aqui , aqui , aqui entre outros textos publicados).
Declaração de Interesses: tive uma empresa de prestação de serviços que desde 2005 até ao final do "reinado", do então senhor todo poderoso do município, foi excluída de todos os ajustes directos. Depois do final do reinado com a mudança política a empresa continuou "sem ajustar" sendo obrigada a encerrar.
Não há forma de trabalhar junto da administração local para as pequenas e médias empresas que não passe pelos ajustes directos.
Admita-se pois, para início de conversa, que os ajustes directos estiveram mais ou menos na moda, entre um dia qualquer do presente mês e o dia em que o Governo decretou o estado de emergência energética, uma designação bastante cool que liga muito bem com o ar exausto, dir-se-ia exaurido, com que Vieira da Silva e Matos Fernandes alertaram o país para a coisa.
Alguns cronistas dos "jornais de referência" mostraram nesse curto espaço temporal, nessa estreita janela de oportunidade, um grande interesse pelo tema. Grande como são grandes os interesses que se organizam nos termos e nas medidas determinadas pela agenda mediática. O mais notório, aquele que mais insistiu messe jogo entre linhas-mediáticas, foi o João Miguel Tavares no Público, que articulou nos seus escritos mais recentes a denúncia do familygate e os ajustes directos, enquanto mecanismo legal de contratação pública. (aqui e aqui e aqui )
Os ajustes directos, como já escrevi algumas vezes aqui no Vias de Facto, são desde há muito - desde muito antes da Troika, mais exactamente desde a aprovação do Código da Contratação Pública, no Governo de José Sócrates, em 2008 - um dos mais danosos mecanismos de contratação pública. São o mecanismo de eleição de todos os que contratam no âmbito das funções em que foram investidos, quer por eleição, no caso dos autarcas, quer por delegação no caso dos organismos desconcentrados da Administração Central.
Danosos porquê? Porque conferem ao Senhor Manuel e à senhora Maria, que para o caso podem ser o Dr Manuel e a Drª Maria, ou o Engenheiro Manuel e a Engenheira Maria, ou o Arquitecto Manuel e a Arquitecta Maria, ou pura e simplesmente o nosso presidente Manuel e a nossa Presidente Maria, que se podem chamar Medina, Moreira, Francisco, António, Nuno, ou qualquer outro nome, um poder absoluto não escrutinável. Não escrutinável como assim?
Nesta época em que a Administração Pública atingiu o zénite da simplificação administrativa em que o Simplex veio "facilitar" as nossas vidas, como se pode afirmar que alguma coisa não é escrutinável, quando essa coisa e todas as coisas que se identificam com "ajustes directos" estão plasmadas no Base.Gov, para poderem ser fiscalizados por toda a gente?
Poder absoluto porquê? Como é que uma democracia consolidada pode viver paredes meias com poderes absolutos distribuídos por todo o território nacional tendo apenas que observar o devido respeito pelas fronteiras concelhias? Não se vá dar o caso de aparecer alguém a "ajustar" directamente no concelho do vizinho.
Temos que ser sérios. Quando alguém recorre aos ajustes directos para adjudicar um estudo sobre a mobilidade urbana do seu concelho à empresa A, é a urgência que o obriga. A necessidade "imperiosa, inadiável, de compreender os mecanismos que determinam as formas de mobilidade adoptadas pelos cidadãos e pelas empresas, bem como uma necessidade urgente de definir uma estratégia para uma nova mobilidade que possa ainda beneficiar dos apoios do quadro comunitário em curso" leva a que esse estudo seja "ajustado directamente" com a empresa A por 74,5 mil euros. Não podia ser por mais porque a lei impunha os 75 mil euros como limite aos ajustes directos, quando se tratava de prestação de serviços. Generosa lei que a União Europeia veio obrigar a rever. Uma maçada. Agora com a imaginação que nos caracteriza cada ajuste directo pode dar até três ajustes mais pequenos para que tudo continue a fazer-se da mesma maneira.
A escolha da empresa A também não tinha ciência nenhuma. Basta ir ao Base.Gov e consultar algumas dezenas de milhares de ajustes directos. Encontrar-se-á uma explicação muito simples e até recorrente na sua simplicidade: recorre-se ao ajuste directo à empresa A, tendo presente o carácter urgente do trabalho, por não se encontrar localmente empresas ou técnicos capazes com as capacidades requeridas.
Contrariamente ao que se pensa este mecanismo é na maior parte dos casos utilizada para excluir empresas locais - que não se encontrem alinhadas com os poderes autárquicos do momento - e/ou para beneficiar empresas "amigas", sendo que neste caso a base geográfica não interessa.
Com base na localização do contratante e do contratado pode-se começar a traçar uma "geografia da corrupção na Administração Pública no pós aprovação do Código da Contratação Pública". Talvez esteja em marcha, sem que se possa dar por isso, uma forma sórdida de regionalização.
Com base no carácter perene das empresas escolhidas - uma graça de cada um dos senhores ou senhoras que escolhem - podemos traçar um diagnóstico sobre a "longevidade empresarial, e novas formas de empreendedorismo de base local. O contributo dos ajustes directos".
Já aqui escrevi que depois de muitos anos em que o urbanismo foi a mais utilizada via para transferir bens públicos para mãos privadas, através de um esquema corrupto centrado na captura das mais-valias urbanísticas. os ajustes directos conquistaram o primeiro lugar entre as prácticas preferidas para concretizar o tráfico de influências, o compadrio, a corrupção, a sobrefacturação e a transferência de bens públicos para mãos-privadas. Toda a gente sabe disso. Há por esta via a destruição de qualquer ideia de mercado concorrencial e de eficiência na gestão dos recursos públicos e do dinheiro dos contribuintes. O nepotismo, a promoção da mediocridade e da incompetêmcia, a corrupção pura e dura sem apelo nem agravo são estruturantes da desigualdade existente e garantem uma desigualdade duradoura.
Há muita gente que utiliza os lugares para os quais foi eleito para favorecer este ou aquele cidadão - pequeno ou médio empresário, amigo do partido e financiador das suas campanhas, sócio de um familiar e amigo generoso da família, técnico cujas opiniões públicas são muito favoráveis à orientação política dominante - ou para punir este adversário político ou aquela empresa indesejável recorrendo a um poder quase absoluto - dentro dos generosos limites legais que a lei fixou e que a União Europeia tem paulatinamente mas ineficazmente tentado limitar - de decidir "quem pode e quem não pode", quem "deve ser contratado e quem não deve ser".
Em Portugal as coisas acontecem e, passados anos de estragos pesados, os escândalos acumulados obrigam a que alguma coisa mude. Normalmente a "mudança" começa com a denúncia na imprensa de referência de casos chocantes porque envolvem o autarca fulano de tal, a sua jovem esposa e as empresas de consultadoria que ela, com a sua capacidade empreendedora inata, criou para poder ajustar directamente ... com ele. Depois surgem algumas opiniões que aparecem com o carácter de descobertas de uma realidade "velha e relha" que se pensava ser imune a qualquer descoberta. Passados poucos dias uma qualquer crise energética, ou outra porra qualquer, lança um manto de silêncio sobre a coisa. A vida volta à sua normalidade.
Aqui no Vias de Facto há muito que variados autores denunciaram a corrupção implícita na utilização dos ajustes directos. Nem a justiça - limitada nos meios de investigação, como aconteceu com os crimes urbanísticos - nem a classe política, nem o jornalismo de referência, alguma vez passaram algum cartão ao tema. Ficam aqui um conjunto de links para vários desses textos que, inclusivé, questionam a Geringonça por nada ter feito para colocar um ponto final nesta questão. Do mesmo modo que Alvaro Santos Pereira, o ministro de Passos-Portas, nada fez para os limitar, apesar de recentemente ter renascido equipado - poder-se-ia dizer, subjugado - com enormíssimas preocupações com a corrupção em Portugal.
Portugal é um país muito marcado pela corrupção. É um velho hábito. Há quem ganhe e há quem perca. Quem ganha naturalmente não pretende mudar nada. Ninguém muda a realidade da qual é um dos maiores beneficiados.
A falta de separação entre o sistema de justiça e o poder político levou-nos a esta pós-democracia na qual uns recebem do povo o poder para o representar e agirem em sua defesa e dos seus interesses colectivos, optando por, uma vez investidos nesse poder, tratarem da sua vidinha, o que pode apenas significar "ajustar directamente" com as pessoas e as empresas certas.
A degradação da democracia não se combate dando 10 euros por mês aos mais necessitados e colocando o acento tónico na distribuição de verdadeiras misérias que o sistema fiscal se encarrega de reduzir a ... zero. Combate-se com uma mudança de fundo na forma como o Estado se relaciona com a coisa pública. Obriga a restaurar urgentemente a ética perdida. Apenas dessa forma será possível combater a desigualdade de forma séria e promover a justiça social . Se não se conseguir promover esta mudança de fundo podemos continuar a viver como agora à sombra da bananeira.
(Para consultar por antiguidade pode clicar aqui, aqui , aqui, aqui , aqui , aqui entre outros textos publicados).
Declaração de Interesses: tive uma empresa de prestação de serviços que desde 2005 até ao final do "reinado", do então senhor todo poderoso do município, foi excluída de todos os ajustes directos. Depois do final do reinado com a mudança política a empresa continuou "sem ajustar" sendo obrigada a encerrar.
Não há forma de trabalhar junto da administração local para as pequenas e médias empresas que não passe pelos ajustes directos.
09/08/19
Esquerda versus direita, luta de classes versus guerras culturais
por
Miguel Madeira
Helena Matos, no Blasfémias, cita João Távora, do Corta-fitas: «A questão que deixa livre o terreno para o crescimento do BE aqui referido por José Manuel Fernandes é que ela deixou de ser a economia – esse assalto fica adiado para futuras núpcias, se a coisa se proporcionar. O BE socialdemocratalizou-se (o modelo económico obrigatório em Portugal) e cavalga, entranhado com outros “progressistas” nas redacções dos media de massas (Observador incluído), a batalha cultural.»
De há uns anos para cá, variantes dessa conversa são muito populares à direita (ver, já agora, este artigo do José Carlos Alexandre n'A Destreza das Dúvidas e a minha resposta), de que a esquerda (ou alguma partido de esquerda específico) abandonou as questões económicas e a luta de classes e só se preocupa com causas fraturantes/guerras culturais/políticas de identidade; mas a mim é a direita quem me parece viver quase completamente obcecada com questões como “revista académica feminista publicou artigo sobre a masculinidade dos icebergs”, casas de banho, “boas festas” vs. “feliz natal”, “ideologia do género”, etc. , enquanto, pelo menos no século XXI é a esquerda que parece pôr as questões económicas no centro do programa político; desde a crise financeira de 2008 e a crise das dívidas soberanas a seguir, isso parece-me indiscutível; mas mesmo desde a "Batalha de Seattle" em 1999 e a luta contra a "globalização capitalista" que a questão económica parece ser preponderante na agenda da esquerda. Mas, pronto, admito que nos anos 90 (e antes, nos anos 60, pelo menos nos países mais desenvolvidos), a esquerda (ou partes dela) estivesse efetivamente mais concentrada nos costumes do que na economia.
Mas vamos deixar-nos de paleio e tentar comprovar isto empiricamente; abaixo, tenho os 10 artigos mais recentes (por volta das 13:45 de hoje) do Esquerda.net e do Blasfémias; tentei classificá-los em quatro rubricas - ambiente, economia (incluindo tudo o que tenha a ver com luta de classes ou com o "Estado Social"), cultura (tudo o que tenha a ver com "guerras culturais", imigração, raças e etnias, "costumes" ou lei-e-ordem) e outros (tudo o resto, mas acabou por incluir muitas coisas relacionadas com o aspeto mais institucional da política)
Esquerda.net:
Alterações climáticas obrigam a repensar agricultura e alimentação do planeta (ambiente)
É tempo de acabar com as injeções de liquidez (economia)
INEM entrega socorro aos bombeiros por falta de técnicos (economia)
De há uns anos para cá, variantes dessa conversa são muito populares à direita (ver, já agora, este artigo do José Carlos Alexandre n'A Destreza das Dúvidas e a minha resposta), de que a esquerda (ou alguma partido de esquerda específico) abandonou as questões económicas e a luta de classes e só se preocupa com causas fraturantes/guerras culturais/políticas de identidade; mas a mim é a direita quem me parece viver quase completamente obcecada com questões como “revista académica feminista publicou artigo sobre a masculinidade dos icebergs”, casas de banho, “boas festas” vs. “feliz natal”, “ideologia do género”, etc. , enquanto, pelo menos no século XXI é a esquerda que parece pôr as questões económicas no centro do programa político; desde a crise financeira de 2008 e a crise das dívidas soberanas a seguir, isso parece-me indiscutível; mas mesmo desde a "Batalha de Seattle" em 1999 e a luta contra a "globalização capitalista" que a questão económica parece ser preponderante na agenda da esquerda. Mas, pronto, admito que nos anos 90 (e antes, nos anos 60, pelo menos nos países mais desenvolvidos), a esquerda (ou partes dela) estivesse efetivamente mais concentrada nos costumes do que na economia.
Mas vamos deixar-nos de paleio e tentar comprovar isto empiricamente; abaixo, tenho os 10 artigos mais recentes (por volta das 13:45 de hoje) do Esquerda.net e do Blasfémias; tentei classificá-los em quatro rubricas - ambiente, economia (incluindo tudo o que tenha a ver com luta de classes ou com o "Estado Social"), cultura (tudo o que tenha a ver com "guerras culturais", imigração, raças e etnias, "costumes" ou lei-e-ordem) e outros (tudo o resto, mas acabou por incluir muitas coisas relacionadas com o aspeto mais institucional da política)
Esquerda.net:
Alterações climáticas obrigam a repensar agricultura e alimentação do planeta (ambiente)
Panificadora de Fiães fecha sem avisar (economia)
O socialismo democrático (outros)
Um triste exemplo de pobreza política (economia)
O tabu do Presidente (outros)
Segredos e apagões (outros)
Blasfémias:
O festival da política (cultura)
Não estou cansado, estou de férias! (outros)
É isto (outros)
Nausea (economia)
Pelas minhas contas, o Esquerda.net tem 4 artigos sobre "economia" (no tal sentido amplo), 4 artigos sobre "outros", 1 sobre "cultura" e 1 sobre "ambiente"; já o Blasfémias tem 4 artigos sobre "outros" (incluindo aquele a que estou a responder), 3 artigos sobre "cultura" e 3 sobre "economia" (inclui como "economia" - na sub-variante "Estado Social" - posts do tipo "Os outrora activistas fazem uma bandeira com uma alteração legislativa irrelevante - Já não precisa esperar para voltar a casar - e se calam com a regressão da qualidade de vida do povo - Consultas a grávidas recusadas em Lisboa", embora também tenham uma componente de "cultura").
Ou seja, confirma-se a minha impressão original - o Blasfémias está muito mais obcecado com questões culturais e menos interessado em questões económicas de que o Bloco de Esquerda.
De qualquer maneira, como já escrevi noutros sítios, isso faz sentido, em termos de comportamento racional - o programa económico da esquerda é popular, o cultural nem tanto, logo é natural que a esquerda tenda a enfatizar a economia e a direita a cultura.
Mas então o que leva a direita a alimentar a fantasia (que talvez fizesse sentido há uns 25 anos, mas completamente desfasada hoje em dia) que a esquerda abandonou a economia e só se preocupa com "questões fraturantes"? A hipótese mais simples é que mesmo isso faz parte da campanha para levar o debate político para as guerras culturais, onde a direita está mais à vontade; mas ocorre-me que possa haver outro fator em ação - grande parte dos comentadores de direita (tal como os de esquerda) vivem (independentemente da sua classe social de origem) numa elite social, económica e política que é onde estão concentrados os para aí 1 ou 2% da população que simpatizam com o programa económica da direita e com o programa cultural da esquerda. Ou seja, talvez entre os amigos e conhecidos deles haja mesmo muitas pessoas a votar BE por causa dos "costumes" (ainda que sem grande entusiasmo pela agenda económica) e outras a votar CDS por causa da economia (ainda que sem grande entusiasmo pela agenda "de costumes"?).
07/08/19
06/08/19
Os manifestos dos terroristas
por
Miguel Madeira
Uma coisa que não me agrada muito é esta mania que se estabeleceu agora de apagar todos os vestígios dos "manifestos" que alguns terroristas e assassinos em massa divulgam.
Percebo a ideia - não premiar o terrorismo com divulgação gratuita das suas mensagens, mas o resultado é que torna muito mais difícil analisar a discutir quais as raízes e motivações desses atos, já que um elemento fundamental (o que o próprio terrorista diz) deixa de estar disponível para consulta direta, passando a discussão a estar controlada pelas poucas pessoas que o leram (e frequentemente muito dependente do diz-que-disse).
Percebo a ideia - não premiar o terrorismo com divulgação gratuita das suas mensagens, mas o resultado é que torna muito mais difícil analisar a discutir quais as raízes e motivações desses atos, já que um elemento fundamental (o que o próprio terrorista diz) deixa de estar disponível para consulta direta, passando a discussão a estar controlada pelas poucas pessoas que o leram (e frequentemente muito dependente do diz-que-disse).
01/08/19
A proposta do CDS para vender vagas nas universidades públicas
por
Miguel Madeira
O CDS propôs que alunos que não tenham nota suficiente para entrar na universidade pública possam pagar para entrarem à mesma.
Mas, vamos lá, ver - se os alunos não entram numa dada universidade pública é porque não há vagas nessa universidade; logo, se além dos alunos que entraram nas vagas que foram a concurso, as universidades forem passar a ter uma espécie de "quotas" para alunos sem nota mas que paguem, isso quer dizer que vão ficar sobrelotadas, já que vão passar a ter mais alunos do que aqueles para que inicialmente abriram vagas.
A menos que, claro, para arranjar lugar para os clientes premium, as universidades comecem a reduzir as reduzir as vagas que inicialmente vão a concurso (estilo "nós temos lugar para uns 500 alunos, mas como hão de aparecer uns 100 clientes premium, vamos abrir só 400 vagas, porque se não isto nem se consegue respirar aqui dentro"), o que na prática significa que alguns alunos com melhores notas vão deixar de entrar em beneficio de alunos com mais dinheiro.
E é fácil imaginar que, quando chegar uma altura de austeridade, se decida reduzir as vagas nas universidades públicas ("infelizmente não há dinheiro"), abrindo assim lugar para mais alunos premium, até se chegar a uma altura em que a situação se inverta e o default passa a ser os alunos pagarem o custo total do curso, e depois haver exames de entrada para escolher meia dúzia de alunos que irão pagar com desconto.
Mas, vamos lá, ver - se os alunos não entram numa dada universidade pública é porque não há vagas nessa universidade; logo, se além dos alunos que entraram nas vagas que foram a concurso, as universidades forem passar a ter uma espécie de "quotas" para alunos sem nota mas que paguem, isso quer dizer que vão ficar sobrelotadas, já que vão passar a ter mais alunos do que aqueles para que inicialmente abriram vagas.
A menos que, claro, para arranjar lugar para os clientes premium, as universidades comecem a reduzir as reduzir as vagas que inicialmente vão a concurso (estilo "nós temos lugar para uns 500 alunos, mas como hão de aparecer uns 100 clientes premium, vamos abrir só 400 vagas, porque se não isto nem se consegue respirar aqui dentro"), o que na prática significa que alguns alunos com melhores notas vão deixar de entrar em beneficio de alunos com mais dinheiro.
E é fácil imaginar que, quando chegar uma altura de austeridade, se decida reduzir as vagas nas universidades públicas ("infelizmente não há dinheiro"), abrindo assim lugar para mais alunos premium, até se chegar a uma altura em que a situação se inverta e o default passa a ser os alunos pagarem o custo total do curso, e depois haver exames de entrada para escolher meia dúzia de alunos que irão pagar com desconto.
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