UM VELHO PROBLEMA DE LEITURA
A violência das imagens parece ser uma das duas questões fundamentais em torno do "The Passion of the Christ" de Mel Gibson. Este é, depois de "A Última Tentação de Cristo" e de "Je Vous Salue Marie", em definitivo, um caso de inultrapassável discussão. Enquanto isso e entre a perspectiva desconfiada de Judeus acusados, o silêncio de Católicos que fingem não ligar e o histérico palavreado do costume posto a circular pela esquerda intelectualóide, a facturação de "The Passion of the Christ" é qualquer coisa de assombroso.
Já em relação à discussão da "coisa" em si, tudo se vai repartir entre a acusação das incoerências históricas dos Evangelhos (é pelos vistos verdade que há um maior recurso ao evangelho de Mateus), a questão da fidelidade à fé (no caso de Gibson particularmente atrasada em relação ao Concílio Vaticano II), da busca de pormenores que muitos interpretarão como violência gratuita, de uma revisita à culpa dos Judeus (apesar da pequena vitória do lobby Judeu de Hollywood que conseguiu a supressão da famosa frase: "que o seu sangue caia sobre os nossos filhos").
Resta-me deixar um apontamento (quem sabe se não o modificarei quando finalmente vir o filme?) sobre o facto de ser tudo fruto de lermos de formas diferentes o mesmo livro. A Bíblia (na sua esmagadora maioria, comum a Judeus e Cristãos) não é um documento histórico, nem pode ser lido como tal. Fonte histórica de absoluta importância é um livro de e sobre fé. E este problema de leituras diferentes já foi responsável por muitas divisões, demasiado sangue e continuará a oferecer ao futuro motivo para mais polémicas.
Para mal dos pecados do prêambulo da futura Constituição Europeia...
Post Scriptum 1 - Um aspecto curioso de muitas linhas gastas com esta questão é o facto de o filme desviar a culpa da crucificação de Jesus de Pôncio Pilatos para os Judeus. Em primeiro lugar, a crucificação era, inegavelmente, uma condenação romana; em segundo lugar, se Jesus era Judeu, viveu e doutrinou no meio do seu povo, como é que não havia de haver Judeus metidos no assunto? Estavam à espera do que? Que fossem Lusitanos em digressão pela Judeia?
Mais polémica só vai levar mais dólares para o bolso do radical Mel Gibson.
Post Scriptum 2 - O
Guia dos Perplexos tem um trecho sobre este tema num post de Sexta-feira, 27 de Fevereiro, que é de leitura obrigatória.