sexta-feira, 30 de julho de 2010
Sozinho
quinta-feira, 29 de julho de 2010
domingo, 25 de julho de 2010
A resposta
- A vida pode ser melhor que o sonho?
A pergunta soou estranha. Estavam na cozinha envolvidas com os preparativos de um almoço em família. Uma picando temperos, a outra no fogão fazendo uma farofa maravilhosa.
Os aromas na cozinha despertavam sensações perdidas na lembrança: festas de aniversário, crianças correndo, festas de natal com todo mundo reunido. Ano novo! Quando ela terminava as rabanadas pouco antes da meia-noite, apavorada com medo de passar o ano na cozinha.
Na panela, tempero verde, cebola, alho, manteiga, cenoura e por fim a farinha. No forno o cheiro do assado. Do espesso molho, que a todo o momento é generosamente espalhado sobre a carne.
As crianças correm pelo quintal. De vez em quando uma entra e rouba alguma coisa na cozinha. Molecagem pura! Na sala, o marido e o genro assistem à tv e conversam animadamente. Serve-lhes uns petiscos para acompanhar a cervejinha.
A ampla sala, sempre bem arrumada, tem um gostoso desalinho do tempo dos filhos pequenos. O barulho do portão anuncia a chegada do filho, dos outros netos e da nora. Família completa! O filho logo se reúne na sala. Mais cerveja! A nora vem trazendo os ingredientes para a sobremesa. A única coisa que faz na cozinha. Estão animadas.
Gemas, açúcar, coco ralado, manteiga. No fogo uma calda fervente em ponto de fio. As forminhas espalhadas sobre a mesa são untadas e polvilhadas com açúcar. Entram no forno em banho-maria.
Olha para a filha arrumando os pratos com esmero. Fazendo uma delicada flor com a beterraba que vai sobre a maionese, enfeitando o assado com farofa e coloridas tiras de pimentão, salpicando cheiro-verde sobre o arroz. Até a nora faz seus quindins com visível prazer.
A campainha toca. Estranhamente, os homens não a atendem. Chamam por ela. No portão um rapaz está escondido atrás de um belíssimo vaso de orquídea. Adora orquídeas! Emociona-se. Presente do marido. Todos a observam da varanda.
Reúnem-se em torno da mesa cuidadosamente arrumada. Falam alto, disputam a comida, riem, deixam cair migalhas sobre a mesa e no chão. Mais uma vez, ela tudo observa.
Depois do almoço, as crianças tiram a mesa e arrumam a sala. Os maridos lavam a louça.
Juntas, na varanda, as mulheres são cúmplices de um mudo acordo. Cada uma, ao seu jeito, mantém unida a família. Entreolham-se ao ouvir o barulho que vem da casa. Sorriem.
-A vida pode sim ser melhor! Cada vez melhor que o sonho!
Esticam-se confortavelmente nas cadeiras de vime, todas com os pés sobre a mesa.
É a hora delas tomarem cervejinhas e fazerem fofoca.
domingo, 11 de julho de 2010
Desencontros III - A traição
- Traidor! Isso é o que ele é!
- Calma.
-Calma?! Como? Por quê? Nós sempre estivemos juntos. E a nossa viagem? E o nosso pacto? Ele quebrou! Ele me traiu!
Ninguém conseguia acalmá-la. Estava desesperada, inconformada. Na verdade, ela e o marido eram o que se podia chamar de casal perfeito. Invejados por todos. Queridos por todos. Estavam casados há 25 anos. Desde então, mantinham um ritual de voltarem à cidade da lua de mel, ficarem no mesmo hotel e renovarem os votos de fidelidade eterna.
É claro que muita coisa aconteceu durante esses anos. Tiveram filhos. Mudaram várias vezes de endereço por circunstâncias diversas. Ela já foi morena, ruiva, castanha, loira em vários tons. Ele engordou e emagreceu uma dezena de vezes. Brigaram sim. Quando compraram o primeiro carro. Ela queria outra cor. A escolha dos móveis da casa também foi responsável por brigas entre eles. E os filhos? Nossa! Como brigaram por causa dos filhos. Mas na hora da decisão sempre decidiam estar juntos. Amavam-se e ponto final. Ninguém esperaria vê-los separados.
O constrangimento era geral. Os amigos, os filhos... O que dizer? Ela não os ouvia.
- Traidor! Miserável! O que eu vou fazer agora?
- Tenha paciência... isso tudo vai passar.
- Não. Não vai. Eu o avisei. Pedi a ele que se cuidasse...
- Homem é assim mesmo. Não pensa muito nas consequências.
- Ele não pensou em mim.O que eu vou fazer agora?
Não havia resposta. A indignação dela entristecia, cortava o coração de todos.
Impassível diante da cena, o marido vestido num terno preto, jazia no centro da sala, vítima de um infarto fulminante.
Quebrara o pacto. Deixara-a no meio do caminho.
Desencontros II - A amizade.
Primeiro dia de aula. Sente-se desconfortável. Não conhece ninguém. Repara nas meninas da turma, vê se tem alguma gatinha pra azarar. Procura pelo fundo da sala. Percebe que todos se conhecem. Definitivamente ele é o estranho. Na frente está uma menina de sorriso fácil que logo puxa conversa. Muito simpática. Apresentam-se. Por causa dela outras se aproximam. Aos poucos vai conhecendo toda a turma.
Boa aluna, presta atenção em tudo. Adora o movimento da turma, da escola, mas mantém certo distanciamento de quem não quer ser parte de tudo que acontece. Amam música!
Ele traduz algumas pra ela. Cantam as que mais gostam. Gosto sempre igual.
O menino logo se apaixona por alguém da escola. A menina da carteira da frente torna-se sua confidente. Falam o tempo todo. Estão juntos todo o tempo. Ela sabe tudo sobre ele. Ele sabe quase tudo sobre ela. Os dois se divertem tanto que começam a ser alvo de brincadeiras. A primeira a comentar é uma das professoras que os apelida de Super homem e Mulher maravilha. Ficam constrangidos. Ela teme que ele desista de ser seu amigo. Ele teme que alguém ache que está apaixonado por ela.
Ele leva um fora. O ombro da amiga é o melhor lugar do mundo. Até se esquece de que está sofrendo quando estão juntos.
Longe, o assunto preferido dela é ele. A melhor amiga já percebeu e diz que ela está apaixonada. Desmente. São só amigos, mas sozinha, em seu quarto, caminha com ele de mãos dadas e o ouve dizer que a ama. Atravessa todo o pátio do colégio como a namorada. Suspira... “ele nunca demonstrou nada”. É só amizade.
Longe, ele se arrisca a pensar nela de um jeito diferente: no sorriso límpido, na pele negra, no belo corpo, na cumplicidade... “Não! A zoação vai ser enorme!” E ela só é amiga dele. Nunca percebeu nada de diferente no comportamento dela.
Na escola, o disfarce faz parte do show. Nada nem ninguém podem abalar a amizade dos dois. Nem mesmo eles.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Luares
Desculpa
As palavras não têm culpa
De serem ditas
De não serem ditas
Mal ditas
Bem ditas
As palavras não têm culpa.
A boca que se abre
A língua que as pronuncia
Limpa
Comprida
Viscosa
Venenosa
A boca não tem culpa
O cérebro que as cria
Simples
Claras
Belas
Ofensivas
Cruéis
O cérebro não tem culpa
Tem culpa a alma
Misteriosa
Profunda
Alva
Límpida
Obscura
Perversa
A culpa da alma está nas palavras.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
E
C
B
A - B - C - D - E
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Desencontros I - O perfume.
Olha ao redor. Verifica se não esqueceu nada. Sai. No coração um misto de tristeza e alívio. Do táxi, vê pela última vez o prédio, a rua, as pessoas com quem se encontra todos os dias.
Aos poucos, tudo vai ficando pra trás. O sofrimento, a decepção... o amor!
Ele quer chegar em casa o mais rapidamente possível. Está animado. Inscreveu-se em um grupo de apoio, o chefe lhe deu uma nova chance. Tudo vai mudar! Tudo vai melhorar!
Sobe as escadas pulando os degraus. Quase quebra a chave de tão ansioso. Ela não está.
“Deve ter ido à casa da irmã”. Pensa em ligar. Controla-se. Joga fora todas as garrafas de bebida, o baralho da sorte e a agenda com o telefone dos amigos de balada. Prepara um jantarzinho para dois. Luz de velas, flores, música suave. Espera. Espera. Adormece.
Do outro lado da cidade, o ônibus parte. Finalmente, ela chora. “Se ao menos ele tivesse me ouvido... procurado ajuda... abandonado os amigos...”
Ele acorda sobressaltado. Abre as gavetas, os armários. Nada! Apenas um frasco de perfume francês que ele lhe dera no primeiro ano juntos. Ela adorava aquela fragrância, ele adorava senti-la no seu corpo. Chora. Perdeu-a. Sabe que não mais a verá. “Se ao menos eu a tivesse ouvido... procurado ajuda quando me pediu... abandonado os amigos a tempo...”
A viagem apenas começa, abre a bolsa, pega um pequeno vidro. Há nele um pouco de perfume francês que pegara antes de sair. Passa-o, delicadamente, pelo colo. Arrepia-se. Tem certeza de que não haverá mais amor como aquele. Guarda o pequeno vidro com cuidado. Adormece.
Olha mais uma vez para o vazio do guarda-roupa. Percebe que está molhado. Passa a mão. É o perfume! Levou um pouco dele junto com ela! Cheira-o insistentemente. Sente-a ali. Odeia-se por perdê-la. Guarda cuidadosamente o perfume. Na sala, as velas se apagam. Somente as flores ainda têm vida.
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