Os pássaros, no outono,
quando as árvores
perdem todas as folhas
e ficam nuas.
À tarde, em bando, pousam
nos ramos parecendo
folhas tenras ao vento.
29 de dezembro de 2009
Pra que serve os pássaros
As curvas do meu rio
Saudade de um tempo?
Não tenho, não!
Tenho saudade de não haver um tempo
para lembrar tudo que me aconteceu.
O tempo não existe.
O tempo é o que acontece.
O meu coração só reclama
dos dias felizes na infância,
dos amigos que ficaram nas minhas costas,
das estradas que passei caminhando ou andando,
dos rios que me banhei
nos dias quentes e nas madrugadas frias,
das vigílias nas noites escuras,
das visitas nos cemitérios
e das muitas mortes em vão.
A vida sempre quis me levar
para as margens esquerdas dos rios,
que é saber quando a bebida é certa
e a companhia errada.
Andei a minha vida toda
Nas margens direitas dos rios.
Onde os pássaros cantam.
Os preás procriam e engordam.
Os rebanhos pastam livremente.
E os ingás curvam seus galhos.
Só depois de muito tempo
aprendi que as cinzas
não têm asas ou destino
são os ventos que as levam
para os campos e o horizonte.
Os mesmos olhos
Quero falar
daqueles sábados
e daquelas tardes
que sonhávamos
democratizar o País
e mudar o mundo
que girava ao nosso redor.
Quero falar
daquelas viagens
e daqueles passeios
que imaginávamos
fazer nas férias regulamentares
e passear nas noites claras
iluminadas pela lua cheia.
Quero falar
dos teus cabelos escuros
e dos teus olhos miúdos
que escondiam
todo o seu encanto.
Quero falar
da tua voz meiga
e dos teus trejeitos audazes
que agitavam
as nossa conversas amigáveis.
Quero falar
quando construímos sozinhos
não aqui na terra nem no céu
mas nossos ingênuos corações
um lugar muito melhor e feliz.
Quero falar
que não tenho mais
aquele coração audaz
mas ainda tenho os mesmos olhos
e o mesmo jeito selvagem
de olhar o mundo.
28 de dezembro de 2009
Ritual
Enquanto a água
ferve no fogão à gás,
minha mulher,
obedece a um ritual:
na xícara esmaltada,
põe o saquinho
das ervas
e despeja um pouquinho
de água quente.
Deixa alguns instantes
e joga tudo fora;
só então, depois,
despeja o resto e faz o chá.
É um tanto para o santo
E, um outro tanto,
para esquentar garganta.
Meus medos
Chove tanto neste verão
Que nem parece
Que é o mesmo céu
Que cobria
a minha infância
de escuridão.
E a minha mãe,
sempre zelosa,
com a lamparina de lata
afastava meus medos.
Os primeiros clarões
Quase invisíveis
25 de dezembro de 2009
Luz suave de sóis
Quando olho para atrás
Vem na minha mente
A minha infância
Tempos dourados
Não precisava sonhar
Bastava correr rua abaixo
Para chegar à beira do rio
Levantar de madrugada
Para buscar madeira no mato.
Sou o que Mia Couto falou:
Sou madeira que tomou chuva
Por isso precisa secar à luz suave
De sóis que nascem toda manhã.
22 de dezembro de 2009
haicais
A voz
16 de dezembro de 2009
O bailarino
O bailarino cigano
com o corpo esguio
joga a cabeleira para o lado;
para o outro, um pedaço da lua
e pisoteia com todo furor
as estrelas que caíram do céu.
O bailarino cigano
leva a arte, a tradição
e a canção de um povo
que não existe mais.
6 de dezembro de 2009
Minha história
Minhas estradas
são de ferro.
Meus caminhos
são de montanhas.
E assim eu sigo
vida afora
percorrendo distâncias
acordando manhãs
despertando noites
e desvendando horizontes.
Essa é minha vida,
essa é minha história.
Repouso
minha mãe avisto bem mais distante
e meus avós já foram para muito longe,
lá no longe dos longes.
Agora meus tios também se foram.
A terra escavada virou lençóis finos.
Onde moram meus antepassados.
Há moradas sim, depois do nada,
mas ainda não sei que estrada me leva para esse lugar.
Já me imagino nos longes
Onde, até a doçura, é azul.
Onde, ao pé da serra, a manhã
desce suavemente sobre a relva florida.
Já me imagino nas noites veladas
pelas estrelas salpicando raios brilhantes
e a luz clara, muito clara iluminando o infinito distante.
E eu, silencioso e calmo, apreciando a lua.
Já me imagino num vilarejo rural
onde as mulheres plantam flores,
dormem sempre ao cair da tarde
e acordam antes dos primeiros raios do dia.
Já me imagino afastado da rigidez
de ter que matar um leão todo dia,
ser alforriado dos ponteiros do relógio
e dos janeiros que caem como fruta madura.
As cigarras não podem ser domadas
As cigarras não podem ser domadas
Elas nasceram para cantar até morrer.
No mês que começa a primavera
as cigarras invadem as árvores do jardim
E sob as suas asas transparentes
Saem cantos e sons sem fins.
As cigarras não podem ser domadas
Porque os seus cantos são longos
e as suas vidas muito breves.
Apenas um sopro
Maiakosvski tem toda razão
Nunca acabarão com o amor.
Não há distância que o separe
Não há beleza que o esmaeça.
Ainda há muitos poetas
Que falam todos os dias sobre o amor.
Ainda há muitos enamorados
Que ardem em paixão provocada pelo amor.
Ainda há muitos juramentos
Que entrelaçam corações puros e sinceros.
Nunca acabarão com o amor
Porque o amor não é um objeto
Mas, apenas um breve sopro do vento.
3 de dezembro de 2009
10 de setembro
1 de dezembro de 2009
Fim de ano
Navegação
ancoro meu barco.
Em teus olhos
miro meu horizonte.
Em teus peitos
alimento meu corpo.
Em teu regaço
descanso meu ser.
E o resto é tempestade
e abismo.