segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Má consciência em Nietzsche

Compilação de textos e comentários: Amauri Ferreira

“Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro – isto é o que chamo de interiorização do homem. [...] Todo o mundo interior [...] foi se expandindo e se extendendo, adquirindo profundidade, largura e altura, na medida em que o homem foi inibido em sua descarga para fora. Aqueles terríveis bastiões com que a organização do Estado se protegia dos velhos instintos de liberdade – os castigos, sobretudo, estão entre esses bastiões – fizeram com que todos aqueles instintos do homem selvagem, livre e errante se voltassem para trás, contra o homem mesmo. A hostilidade, a crueldade, o prazer na perseguição, no assalto, na mudança, na destruição – tudo isso se voltando contra os possuidores de tais instintos: esta é a origem da má consciência. [...] esse animal que querem ‘amansar’, que se fere nas barras da própria jaula, este ser carente [...] esse tolo, esse prisioneiro presa da ânsia e do desespero tornou-se o inventor da ‘má consciência’. Com ela, porém foi introduzida a maior e mais sinistra doença, da qual até hoje não se curou a humanidade, o sofrimento do homem com o homem, consigo: como resultado de uma violenta separação do seu passado animal, como que um salto e uma queda em novas situações e condições de existência, resultado de uma declaração de guerra aos velhos instintos nos quais até então se baseava sua força, seu prazer e o temor que inspirava.” Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 16.
[Interiorização das forças ativas: impedidas de serem vazadas, as forças ativas tornam-se reativas, voltando-se para dentro do próprio homem, multiplicando as dores. Esse primeiro aspecto da má consciência é uma operação efetuada através dos castigos impostos pelo Estado – castigos realizados pela vingança, pelo ódio. Através dos castigos produziu-se uma memória: a da obrigação pessoal. Somente assim o homem tornou-se domesticado, culminando no homem civilizado moderno. Diagnóstico de Nietzsche: o homem moderno degenera porque ainda não se curou da má consciência – essa sinistra doença. É através da interiorização dessas forças ativas que o homem faz uma concepção fictícia de um desejo como falta. Ora (como é evidente), separado da capacidade de afirmar a sua natureza, o homem moderno continua a ser movido por uma vontade de potência, porém, sob o signo da carência. É a potência como representação, como objetivo, como alvo, como solução para os tormentos]

Neles [os fundadores de Estado] não nasceu a má consciência, isto é mais do que claro – mas sem eles ela não teria nascido, essa planta hedionda, ela não existiria se, sob o peso dos seus golpes de martelo, da sua violência de artistas, um enorme quantum de liberdade não tivesse sido eliminado do mundo, ou ao menos do campo da visão, e tornado como que latente. Esse instinto de liberdade tornado latente à força – já compreendemos –, esse instinto de liberdade reprimido, recuado, encarcerado no íntimo, por fim capaz de desafogar-se somente em si mesmo: isto, apenas isto, foi em seus começos a má consciência. Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 16.

“[...] pois todo sofredor busca instintivamente uma causa para seu sofrimento; mais precisamente, um agente culpado suscetível de sofrimento – em suma, algo vivo, no qual possa sob algum pretexto descarregar os seus afetos [...] pois a descarga de afeto é para o sofredor a maior tentativa de alívio, de entorpecimento, seu involuntariamente ansiado narcótico para tormentos de qualquer espécie.” Genealogia da Moral, Terceira dissertação, 15.
[Como as forças ativas, interiorizadas, não cessam de multiplicar as dores, o sofredor precisa de um alívio, por isso quer encontrar um culpado. O sacerdote judaico realiza o ressentimento como tipo, como forma, como criação de valores, ao apontar o indivíduo “mau”, que age de modo egoísta, feliz por si mesmo, como objeto de ódio do seu rebanho impotente. Já o sacerdote cristão realiza a má consciência também como tipo - ou forma - ao interpretar a dor do sofredor como uma falta, um pecado, ou seja,
o sofredor mesmo é culpado pela dor que sente]

“De fato, ele defende muito bem o seu rebanho enfermo, esse estranho pastor – ele o defende também de si mesmo [...] ele combate, de modo sagaz, duro e secreto, a anarquia e a autodissolução que a todo momento ameaçam o rebanho, no qual aquele mais perigoso dos explosivos, o ressentimento, é continuamente acumulado. Descarregar este explosivo, de modo que não faça saltar pelos ares o rebanho e o pastor, é a sua peculiar habilidade, e suprema utilidade; querendo-se resumir numa breve fórmula o valor da existência sacerdotal, pode-se dizer simplesmente: o sacerdote é aquele que muda a direção do ressentimento.” . Genealogia da Moral, Terceira dissertação, 15.

“Apenas nas mãos do sacerdote, esse verdadeiro artista em sentimentos de culpa, ele veio a tomar forma – e que forma! O ‘pecado’ – pois assim se chama a interpretação sacerdotal da ‘má consciência’ animal (da crueldade voltada para trás) – foi até agora o maior acontecimento na história da alma enferma: nele temos o mais perigoso e fatal artifício da interpretação religiosa” Genealogia da Moral, Terceira dissertação, 20.

“[...] com Paulo, o sacerdote quis mais uma vez o poder – e só podia utilizar conceitos, doutrinas, símbolos, por meio dos quais se tiranizam as multidões e se formam rebanhos”. O Anticristo, 42

“Paulo [...] contra Roma, contra o ‘mundo’, o judeu, o judeu errante par excellence... O que ele adivinhou foi o modo como poderia atear um ‘incêndio universal’ com a ajuda do pequeno movimento sectário dos cristãos, à parte do judaísmo; como com o símbolo ‘Deus na cruz’ conseguira reunir num poder imenso tudo quanto era inferior.” O Anticristo, 58.

“[...] o próprio Deus se sacrificando pela culpa dos homens, o próprio Deus pagando a si mesmo, Deus como o único que pode redimir o homem daquilo que para o próprio homem se tornou irredimível – o credor se sacrificando por seu devedor, por amor (é de se dar crédito?), por amor a seu devedor!...” Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 21.
[O golpe de gênio do cristianismo, diz Nietzsche. Paulo de Tarso estabelece uma interpretação da crucificação de Jesus como um ato de amor... aos fracos, oprimidos, amargurados, pisoteados, enfermos. O ódio judeu dá lugar ao “amor” cristão (‘Perdoai-os Pai, pois eles não sabem o que fazem’). Mas esse “amor” é abastecido por um imenso ódio à vida, aos indivíduos fortes e saudáveis; ódio tornado explícito como nessa frase de Tomás de Aquino (que Nietzsche cita na Genealogia da Moral, primeira dissertação, 15): ‘Os abençoados no reino dos céus verão as penas dos danados, para que sua beatitude lhes dê maior satisfação’. O ‘Juízo Final’, reino dos céus e inferno como armadilhas sacerdotais que servem para capturar a massa enferma. A dor interna passa a ser espiritualizada, encontra-se até benefícios ascéticos para continuar a experimentá-la, pois, desse modo, a alma enferma será curada no ‘além’ e será finalmente feliz - é sempre por vontade de potência que essas sandices são investidas...]

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

ESQUIZOANÁLISE: CURSOS AGOSTO/DEZEMBRO

Coordenação: Valter A. Rodrigues

A constituição da modernidade enquanto projeto social, histórico, político e cultural, se sustenta num conjunto de proposições articuladas entre si para a produção de uma maneira específica de organização dos modos de vida, a saber, aquele amparado no princípio da racionalidade humana e seus desdobramentos (identidade, ordem, perfeição, saúde etc.). Disso decorre o desenvolvimento de saberes e práticas hegemônicos, responsáveis por forjar um novo modelo político (democracia representativa), uma nova economia (capitalista), um novo conhecimento (as ciências humanas) e, particularmente, a fabricação do sujeito (individual, interior, racional etc.), talvez a invenção mais contundente e importante desse arcabouço.
Se por um lado a psicanálise, também resultante deste processo, promove uma ruptura nas bases do projeto moderno - ao desvelar a aparência de verdade erigida em torno do sujeito da razão -, por outro ela institui um novo lugar de verdade, inscrevendo o sujeito moderno no registro inflexível da triangulação edipiana como inexorável determinação, totalmente respaldada pelo discurso psicanalítico, instrumento privilegiado de exercicio de poder na contemporaneidade. Assim, a psicanálise opera um deslocamento do saber e da prática que vai da ruptura à institucionalização, passando, com Lacan, por uma releitura dos textos freudianos em composição com o pensamento estruturalista.
Uma contrapartida crítica se apresenta com o surgimento da esquizoanálise, um modo de pensamento que se compõe a partir de conversações entre filosofia, ciência e arte, ultrapassando e mesmo diluindo as fronteiras convencionalmente supostas entre estes campos do saber. Estabelecendo conversações com a filosofia dos pré-socráticos (principalmente dos estóicos e de Epicuro), de Espinosa, Leibniz, Hume, Nietzsche, Bergson, Foucault e outros que têm como traço comum a oposição à tradição racionalista/transcendente na história da filosofia, tal postura crítica se expande e se multiplica rizomaticamente (sem origem, sem hierarquia... em transversalidade) ao incorporar a produção científica cujo paradigma já se desloca da tradição moderna (biologia molecular, física quântica...) e, num movimento mais ousado, o diálogo sempre aberto com a arte, da literatura ao cinema.
Resultante do encontro entre o filósofo Gilles Deleuze e o psicanalista/militante político Félix Guattari, a esquizoanálise produz suas questões em meio às problemáticas do presente, com uma preocupaçao ética, estética e política sobre a existência, tensionada pela idéia de que o desejo - entendido aqui como produção, e não como falta - efetua o impulso criativo de subjetivações outras, potencializando a vida em múltiplas direções, sem o apelo a sobredeterminações normativas ou a essencialidades naturalizantes, mas sempre ligada ao imanente pensamento da diferença. Daí emerge uma nova sensibilidade estética (a vida como obra de arte), uma nova possibilidade ética (a ética do acontecimento) e, sobretudo, uma atenção à expressão de modos de vida singulares em sua processualidade.
Em parte pela relativa "novidade" das idéias, propostas e articulações, mas principalmente pela marcada resistência - recíproca, diga-se - existente entre este novo modo de pensar e a academia tradicional, a esquizoanálise ainda é pouco difundida nas instituições universitárias, o que não tem impedido sua difusão crescente no Brasil e na América Latina como um todo. Suas contribuições têm sido cada vez mais notadas nas práticas desenvolvidas no sentido da promoção da autonomia e da produção de modos de vida ativos, seja no âmbito social, comunitário, grupal, individual etc. A esquizoanálise é uma maneira outra de pensar, sentir e fazer. Uma nova ética.

1 - ESQUIZOANÁLISE - Módulo I: UMA INTRODUÇÃO
Vejo o inconsciente como algo que se derramaria um pouco em toda a parte ao nosso redor, tanto nos gestos, nos objetos cotidianos, na tevê, no clima do tempo e mesmo, e talvez principalmente, nos grandes problemas do momento. Logo, um inconsciente trabalhando tanto no interior dos indivíduos, na sua maneira de perceber o mundo, de viver seus corpos, seu território, seu sexo, quanto no interior do casal, da família, da escola, do bairro, das usinas, dos estádios, das universidades [...] Um inconsciente cuja trama não seria senão o próprio possível, o possível à flor da pele, à flor do socius, à flor do cosmos... [Felix Guattari]

O curso tem como objetivo principal apresentar aos participantes o panorama contextual em que surge a esquizoanálise, a partir do cenário histórico e conceitual que se desenha na modernidade, bem como uma introdução aos fundamentos e proposições que delineiam o território de expressão deste pensamento. Com isso, abre-se aos participantes uma primeira via de estudo e discussão da produção do pensamento micropolítico de Deleuze e Guattari.

Início: 16 de agosto de 2008 / Horário: todos os sábados, das 9 às 12 horas / Carga horária: 60 h/a (20 encontros de 3h/a) / Certificação: FTC - Colegiado de Psicologia / Valor: 1 + 4 de R$ 90,00. / Vagas: 25 [vinte e cinco] / Local: FTC - Faculdade de Tecnologia e Ciências, campus Vitória da Conquista Rua Ubaldino Figueira, no. 200, Exposição - Vitória da Conquista - BA

2 - ESQUIZOANÁLISE - Módulo II: MICROPOLÍTICAS DO DESEJO
O dualismo conservar/transformar ocupa todo o espaço da percepção política comum; dificilmente se concebe uma atitude política que não vise nem a conservar nem a transformar, tampouco – como no caso do reformismo – a transformar o que se conserva ou a conservar o que se transforma, quer dizer, a adaptar. [...] Deleuze sempre evitou propor o que quer que fosse, embora essa abstenção tranqüila não exprimisse, a seus olhos, nenhum vazio, nenhuma carência. Em política, como em arte ou em filosofia, ele via em uma certa “decepção” a condição subjetiva propícia para algo de efetivo (um “devir”, um “processo”) [F. Zourabichvili]

Início: 09 de agosto de 2008 / Horário: todos os sábados, das 15 às 18 horas / Carga horária: 60 h/a (20 encontros de 3h/a) / Certificação: FTC - Colegiado de Psicologia / Valor: 1 + 4 de R$ 90,00 / Vagas: 20 [vinte] - fechado / Local: Av. Expedicionários, 798 - Recreio.

3 - A DIMENSÃO ÉTICO-AFETIVA DA CLÍNICA [estudos e supervisão]
O trabalho da clínica é acompanhar os movimentos afetivos da existência, construindo cartas de intensidade ou cartografias existenciais que registram menos os estados que os fluxos, menos as formas que as forças, menos as propriedades de si que os devires para fora de si. Traçamos, então, as linhas sedentárias, nômades, de fuga. Estas são as que se evadem dos territórios, que desmancham estados pelo efeito do aumento dos quanta afectivos de uma dada existência. Linhas de fuga que correm o risco constante de se tornar linhas de abolição e, nesse caso, os saltos qualitativos, as fendas criadas no contínuo de uma existência, podem nos precipitar em um buraco negro improdutivo. [...] [Eduardo Passos e Regina Benevides, Passagens da clínica]

No. vagas: 8 [oito] / Duração: indeterminado / Periodicidade: encontros semanais de 2:30 h / Valor: R$ 250,00 mensais / Público-alvo: psicoterapeutas, médicos e demais profissionais que se dedicam à clínica / Início: data e horário a definir com o grupo / Local: Centro Médico Itamaraty - Av. Octavio Santos, 381, sala 502.Tel.: (77) 8817-5456 e (77) 9136-6808

INSCRIÇÕES: Preencha a FICHA DE INSCRIÇÃO, indicando o curso escolhido, e envie para usinagrupodetudos@gmail.com
Maiores informações, ligue (77) 8817-5456 e (77) 9136-6808

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Ressentimento em Nietzsche

Compilação de textos e comentários: Amauri Ferreira

“E nenhuma chama nos devora tão rapidamente quanto os afetos do ressentimento. O aborrecimento, a suscetibilidade doentia, a impotência de vingança, o desejo, a sede de vingança, o revolver venenos em todo sentido [...] O ressentimento é o proibido em si para o doente – seu mal: infelizmente também sua mais natural inclinação.” Ecce Homo, Por que sou tão sábio, 6.

“Fechar temporariamente as portas e janelas da consciência [...] para que novamente haja lugar para o novo.” Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 1.
[As marcas duráveis, no estado de “digestão”, não penetram mais em uma consciência com “portas e janelas” fechadas. O esquecimento torna-se primordial para estabelecer essa saúde psíquica]

“Mesmo o ressentimento do homem nobre, quando nele aparece, se consome e se exaure numa reação imediata, por isso não envenena: por outro lado, nem sequer aparece, em inúmeros casos em que é inevitável nos impotentes e fracos. Não conseguir levar a sério por muito tempo seus inimigos, suas desventuras, seus malfeitos inclusive – eis o indício de naturezas fortes e plenas, em que há um excesso de força plástica, modeladora, regeneradora, propiciadora do esquecimento.” Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 10.
[O deslocamento das marcas duráveis do inconsciente para a consciência é inevitável, em muitos casos. A diferença é que, para quem é ativo, as impressões alojadas na consciência não chegam a envenenar, o que não constitui um
tipo ressentido. Nietzsche, ao dizer que a vida saudável é aquela que sabe esquecer, não quer negar em absoluto que certas impressões estejam na consciência (por isso ele diz “fechar temporariamente” as portas e janelas da consciência). Embora essa questão não tenha sido abordada com profundidade por ele (o filósofo Henri Bergson, por exemplo, fez uma análise profunda sobre isso na obra “Matéria e Memória”), o problema se passa no uso das impressões alojadas na consciência: se for para julgar a vida, isso é nocivo; se for para a produção do futuro, aí já é um sintoma de uma vida saudável. Essa é uma reação imediata do homem ativo; o riso, também é uma outra reação imediata ativa]

“O homem no qual esse aparelho inibidor é danificado e deixa de funcionar pode ser comparado (e não só comparado) a um dispéptico – de nada consegue ‘dar conta’...” Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 1.
[Analogia que Nietzsche faz com a assimilação psíquica (marcas duráveis no estado inconsciente) com a assimilação física (alimentos no estado de digestão, portanto, um processo inconsciente do corpo). O ressentimento estabelece-se como uma dispepsia, isto é, a ruminação constante das marcas na consciência, bloqueando as novas excitações que chegam ao nosso corpo. Tudo que é novo submete-se à marca durável alojada na consciência. A marca é re-sentida]

“Enquanto toda moral nobre nasce de um triunfante Sim a si mesma, já de início a moral escrava diz Não a um ‘fora’, um ‘outro, um ‘não-eu’ – e este Não é seu ato criador. Esta inversão do olhar que estabelece valores – este necessário dirigir-se para fora, em vez de voltar-se para si – é algo próprio do ressentimento: a moral escrava sempre requer, para nascer, um mundo oposto e exterior, para poder agir em absoluto – sua ação é no fundo reação.” Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 10.
[Aqui, Nietzsche utiliza a expressão “moral nobre” (como modo de vida ativo) apenas para contrapor à “moral dos escravos”, já que é evidente o sentido da palavra “moral” na filosofia de Nietzsche: sempre o lugar do “bem” e do “mal”. O ressentimento, já no seu segundo aspecto, passa a criar valores, ou seja, há uma inversão dos valores nobres pelos valores plebeus]

“[...] imaginemos ‘o inimigo’ tal como o concebe o homem do ressentimento – e precisamente nisso está seu feito, sua criação: ele concebeu ‘o inimigo mau’, ‘o mau’, e isto como conceito básico, a partir do qual também elabora, como imagem equivalente, um ‘bom’ – ele mesmo!...” Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 10.
[Mau, pelo modo de valorar do ressentimento, é todo aquele que age de modo egoísta, sem pensar nas conseqüências. Portanto, mau é aquele que expressa a força que possui. Ora, tudo na natureza é um conflito de forças, de vontade de potência. Recebemos efeitos dos outros corpos sobre o nosso corpo, ou seja, inevitavelmente recebemos impressões de forças exteriores à nossa. Tudo que nos atinge é expressão de uma vontade de potência: a força do frio, do vento, do calor, da fome, da sede, etc. A impressão produzida em nós em um encontro com outra pessoa (voz, som, imagem, etc.), nada mais é do que o efeito de uma potência em choque com a nossa. Daí Nietzsche dizer que só há vontade de potência nas relações, que implicam, necessariamente, conflitos e resistências. Toda força está em relação com outra força. O tipo ressentido, já dominado por uma impressão, passa a acusar a “injustiça” da vida]

“’[...] sejamos outra coisa que não os maus, sejamos bons! E bom é todo aquele que não ultraja, que a ninguém fere, que não ataca, que não acerta contas, que remete a Deus a vingança, que se mantém na sombra como nós, os pacientes, humildes, justos’.” Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 13
[Neste trecho, Nietzsche nos diz sobre como a vingativa astúcia da impotência passa a inverter a imagem das coisas: o bom, agora, é aquele que degenera, que não efetua mais as suas forças]

“Exigir da força que não se expresse como força, que não seja um querer-dominar, um querer-vencer, um querer-subjugar, uma sede de inimigos, resistências, triunfos, é tão absurdo quanto exigir da fraqueza que se expresse como força [...] apenas sob a sedução da linguagem [...] a qual entende ou mal-entende que todo atuar é determinado por um atuante, um ‘sujeito’ é que pode parecer diferente.” Genealogia da Moral, Primeira dissertação, 13.
[O tipo ressentido, ou homem reativo, encontra uma maneira de impedir a ação dos homens ativos: atribuir a culpa a eles por um dano sofrido. Isso significa que o homem ativo poderia não ter agido, poderia ter escolhido livremente não efetuar a força que possui. Ora, isso é uma ficção, já que não há um substrato anterior à ação. Não há livre-arbítrio. O homem ativo, quando deixa de agir, não é porque ele “escolheu” não ser mais ativo,
mas sim porque as forças ativas foram interiorizadas nele através da acusação realizada pelo homem do ressentimento. É somente assim que as forças reativas, e a moral do ressentimento, acabam triunfando: por subtração das forças ativas dos homens fortes]

“O homem ativo, violento, excessivo, está sempre bem mais próximo da justiça que o homem reativo; pois ele não necessita em absoluto avaliar seu objeto de modo falso e parcial, como faz, como tem que fazer o homem reativo.” Genealogia da Moral, Segunda dissertação, 11
[O homem ativo, por já efetuar a sua força, alegra-se com isso. Ele diz para si mesmo que é bom. Ele não precisa de um julgamento exterior que validaria a ação que efetua]

“São para mim desagradáveis as pessoas nas quais todo pendor natural se transforma em doença, em algo deformante e ignominioso - elas nos induziram a crer que os pendores e impulsos do ser humano são maus; elas são a causa de nossa grande injustiça para com a nossa natureza, para com toda natureza! Há pessoas bastantes que podem se entregar a seus impulsos com graça e despreocupação: mas não o fazem, por medo dessa imaginária ‘má essência’ da natureza!” A Gaia Ciência, 294.
[O padre (ou qualquer sistema de poder) ensina a antinatureza. Assim, os instintos são “maus” e devem ser controlados, vigiados]

domingo, 3 de agosto de 2008

Cartografias da diferença: vida, pensamento e invenção.



O grupo de leitura Cartografias da diferença: vida, pensamento e invenção se propõe a discutir a constituição do pensamento ocidental a partir da emergência da filosofia no mundo grego e dos desdobramentos práticos deste processo na contemporaneidade, percebendo as relações entre poder e saber daí resultantes. A idéia é criar possibilidades para um modo de pensar que desvie do paradigma da transcendência, tecendo um plano de pensamento autônomo, que dispense a exigência de qualquer referente que esteja além das práticas que estabelecemos na vida cotidiana. Esse grupo emerge numa atmosfera de inventividade para propiciar articulações com a filosofia da diferença, modo de pensar e viver à maneira do artista, criador de outros conceitos, outras idéias, outras sensibilidades, outras práticas. Esse coletivo deseja ativar o encontro com a potência singular da vida alegre.

Coordenador: Maicon Barbosa
Início: 3o de agosto
Local: FTC (módulo II, sala 204) - Rua Ubaldino Figueira, 200 - Exposição
Funcionamento: 20 encontros, com 2 h de duração cada, aos sábados.
Certificação: carga horária de 40 horas.
Valor: R$ 20,00 mensais.
Inscrições: neste blog [preencha a FICHA DE INSCRIÇÃO e envie para usinagrupodetudos@gmail.com] ou na Letras & Prosa Livraria e Café.
Informações: 8104-3984