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Há dias em que a dor é tão intensa
que só sabemos gritar para dentro!
Dali, Persistência da Memória
Porque o chedre sempre torna à sua urzeira
Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos
Rómulo de Carvalho faria hoje anos. O cientista e o professor são um com o poeta Gedeão que me acompanhou na descoberta da poesia. É dele uma das sínteses mais poderosas acerca do ser português: "provo-me e saibo-me a sal". Bem-haja por ela, uma vez que "não se nasce impunemente nas prais de Portugal."
O Homem de Neandertal, no entanto, não é um de nós. Assim ficou provado pela descodificação do seu ADN mitocondrial.
Há revelações científicas que entristecem. Esta entristeceu-me, porque me habituei a estudar os artefactos produzidos pelo Homo Sapiens Neandertalensis, a mirar-lhe os ossos, a tentar perceber-lhe o modo de vida… e a querer-lhe bem. Em tudo me convenci de que era um ancestral e que as diferenças no esqueleto se deviam a etapas distintas de evolução. Com toda a propriedade, era um sapiens, e com toda a certeza era um ser religioso porque sepultava os seus mortos, embelezando-lhes o corpo com ocre e cobrindo-os com pedras. Isso, acima de tudo, faz dele humano. Outro, que não um de nós, mas não menos que nós!
As primeiras ossadas apareceram antes de Darwin ter publicado As Origens das Espécies: primeiro na Bélgica (1833) e depois em Gibraltar (1848), mas ninguém lhes ligou meia. Em 1855 acharam-se aquelas que viriam a dar o nome à espécie, no vale (Tal) do Neander, na Alemanha, faz este ano 150 anos mas, de início, a comunidade científica interpretou-o como um ser humano deficiente. Só muito mais tarde, à medida que as teorias evolucionistas ganhavam credibilidade, é que se começou a dar-lhe importância.
Sabemos que viveu até há 30 000 anos e que o seu último refúgio foi a Península Ibérica. Pensou-se, devido à semelhança física, que se poderia ter cruzado com o Homo Sapiens Sapiens (Cro-Magnon, na Europa), e até se encontraram esqueletos que comprovavam tal hipótese, como a criança do Lapedo em Portugal e mais outros, na Croácia. Que isso não é verdade, é o que nos dizem agora os biólogos. Como contra factos não há argumentos, teremos de começar a tecer novas hipóteses para as ossadas que conhecemos, embora haja arqueólogos e paleontólogos que põem em causa as conclusões dos testes porque eles só permitiram recuar até há cem mil anos.
Não tendo havido cruzamento de espécies, o Homem de Neandertal passa a integrar o grupo dos hominídeos sem sucesso. Sobre a minha mesa pesam, agora, duas perguntas: extinguiu-se por si (por inadaptação, pelas mudanças climáticas que houve e provocaram alterações no seu habitat) ou extinguiu-se por ser incapaz de competir com a nova espécie que chegou aos lugares que ele ocupava? É verdade que a utensilagem lítica do Homem de Neandertal, sendo muito variada (lâminas, furadores, raspadores, pontas de lança, machados…) praticamente não evoluiu ao longo dos 150 000 anos da sua presença na Europa!
Tal como o Neandertal, o Sapiens saiu de África e dirigiu-se para a Ásia e para a Europa. De início, os utensílios que este fabricava eram semelhantes aos do primeiro, mas rapidamente foram aperfeiçoados e outros foram inventados, permitindo-lhe, por exemplo, caçar à distância e com maior eficácia devido ao uso do propulsor. Caçava sem se expor demasiado e, em competição, quem caça à distância não corre o risco de espantar a caça nem de ser ferido por ela. Quem não dispõe destas armas perde a capacidade de sobreviver e parte em busca de novos territórios, enquanto o mar lhe não barrar o avanço. O litoral português, sabemo-lo, foi o último refúgio do Homem de Neandertal.
Houve, afinal, segundo Génesis?