sábado, 31 de julho de 2010

TÁ CERTO, MESTRE!


Tá certo, seu Rubem, “da tristeza é que brota a poesia” *
Onde então, meu mestre, enfio eu a minha alegria
quando, incontida, me invadir o peito?
Numa prosa desvairada, num canto de euforia?

Eu faço uns versos com tristeza, isso eu faço sim
Mas também tem momentos que o que me contagia
É um desafogo, uma mania fora de contexto
não me resta outra saída, enfim

Descarrego então, com júbilo, sem pretexto
de ensinar ou dividir, é apenas sentimento
E vai saindo um ou outro excerto
dos confins de meu pensamento.

Deixo ao sabor do vento,
que sopra dos olhos de quem lê
E concedo  a quem acredita e a quem não crê
a prerrogativa do depoimento.

* Rubem Alves , no livro A  Pedagogia dos Caracóis.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

FALANDO SOZINHO


Eu era cliente e não fiz nada além de reclamar algumas vezes de atendimentos ruins, de produtos estragados, de validades vencidas e pesos adulterados. Além, claro, de pedir desconto sempre que comprava à vista. Aí, nasceu depois de muitos abusos, um código de defesa dos clientes e desde então passei a ser consumidor. Ocorre que, de lá para cá muita coisa mudou, melhorou bastante a relação em termos de lisura e as muitas vezes em que ainda há  engodo severas penas são impostas pelos Procons, os grandes cavaleiros da defesa dos fracos e oprimidos consumidores.

Na época do cliente eu era chamado de rei. Podia não ter tapete vermelho, coroa nem trono, mas simbolizava um rei depois que eu mostrava que tinha lastro monetário, também conhecido como condições financeiras para pagar as compras. O tratamento do empregado ou dono do estabelecimento era especial. Educação, acima de tudo. Tinha até lugares que estampavam slogans do tipo “satisfação garantida ou seu dinheiro de volta.” A gente até podia ser enganado, mas costumava sair satisfeito só de ser bem tratado. Agora, como consumidor, o dono ou o empregado, já sabendo que eu tenho onde recorrer contra enrolação, fraude ou maus tratos, parece que não está nem aí. Esta é a sensação que eu tenho todas as vezes que entro num estabelecimento. Não há mais nenhuma pessoalidade nas relações de troca. Salvo ainda os comércios de bairro, onde a gente está quase todos os dias e acaba conhecendo todo mundo. Até e consegue trocar umas palavrinhas amistosas... “Tá frio, que calorão, será que vai chover”? Menina, você está esperando um bebê, que beleza? Será que o seu Geraldo não vai lhe demitir?” Isso, no entanto acontece nos comércios mais tradicionais, onde os empregados duram mais tempo no serviço. A maioria hoje em dia não está nem ligando para manter o emprego, tem uma padaria lá perto da minha casa que cada dia que a gente chega é uma funcionária nova. Dizem que o cara paga muito mal e ainda por cima não paga horas extras, não assina a carteira de trabalho e ainda gosta de gritar com elas. Deve ser por isso que sempre tem uns pães escuros, quase marrons, a um grau de queimarem. Ainda bem que temos três, quatro padarias no bairro e não precisa agüentar pão com gosto de carvão.

Nas grandes redes de lojas de departamentos e hipermercados, essas que vivem infernizando a nossa vida com propaganda dia e noite, seja no rádio, tv ou internet, a coisa é bem pior. Os vendedores são uns brucutus, indiferentes com quem chega ou sai e sequer nos cumprimentam. Sem contar que mal sabem explicar o funcionamento de alguma coisa. Pergunte a ele sobre características de um computador. Os recursos de um celular. Não sabem nada. Nada! Há exceções, é verdade, mas tão poucas que até agradeço quando sou bem tratado.

Outro dia eu ia no ônibus e sentou uma menina bonita ao meu lado que tinha um espelhinho na mão e um batom. Como a gente estava conversando, cada vez que a palavra passava para a minha boca ela passava o batom na boca dela. Me disse que era exigência da loja. Salto alto, brinco, batom e unhas impecáveis. Eles se importam mais com a apresentação. Tudo passou a ser vitrine. Os produtos e os vendedores. A  gente fica com aquela cara de estar frequentando um desfile de marcas com gente misturada no meio. Cara de admiração vã, porque depois que chega em casa com o produto você vai ver que não sabe instalar, o manual, mesmo traduzido para o português, está numa seqüência incompreensível e acaba usando só 10% dos recursos que o aparelho lhe oferece. Sei, lá, dizem que com o cérebro da gente também é assim, então tá tudo certo.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

BOM EM QUALQUER ÉPOCA - A VACA


Há tanta produção literária por esse mundão, tanta coisa que tanta gente tem acesso e muito mais coisa que tanta gente não tem que pelo bem do conhecimento humano e da literatura, acho que toda oportunidade que tivermos para aumentar a visibilidade de textos bons não pode ser perdida. Selecionei alguns que acho que precisam de quando em vez ser divulgados pelas suas qualidades inumeráveis. É só mais uma forma de dar ainda mais vida à sua imortalidade. Só lendo para qualificar. E isso cabe ao leitor.



A Vaca

A vaca é um bicho de quatro patas que dá carne de vaca.
Tem um rabo pra espantar as moscas e uma cara muito séria de quem está fazendo sempre essa coisa importante que é o leite.
O marido da vaca é intitulado boi.
A vaca tem dois estômagos e por isso fica sempre com a comida indo e vindo na boca que, quando a gente faz, a mamãe diz: que porcaria!
Já vi ordenhar vaca, que é quando ela faz aquela cara fingindo que não está gostando nada.
Vaca dizem que já custa muito cara viva, agora no açougue custa muito mais e em bife então nem se fala.
A vaca a professora ensina que ela dá leite mas nas horas de tirar é que a gente vê que ela dá mas custa.
Vaca só se alimenta de grama e daí eu não sei porque o leite não é verde.
Se a gente fica perto ela fica olhando com olhar de que a gente fez alguma coisa com ela e ela está muito magoada.
Eu acho que todas as vacas vieram dos Estados Unidos porque ainda não perderam o jeitão de quem masca chiclete.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

REVISTINHAS EM QUADRINHOS

Luluzinha agora é “teen”. Se fossem reeditar hoje a antiga revista quando ela e o Bolinha eram crianças, seria uma espécie de bullying impresso, um atentado aos bons costumes da magreza recomendada ao padrão de beleza feminino. Quem não se lembra dos dois? E da Bolota, hein?

Por falar em bullying, eu abro um parêntese aqui. Fico pensando no limite da sinceridade de quem diz que não tem meios termos, meias palavras, fala o que o que lhe dá vontade e o que sente. Será que não corre o risco de incorrer no bullying? Chamar o outro de feio, com propriedade, por exemplo? E trocar pelo  “simpático” de forma conciliadora não passa a ser um eufemismo? Na sociedade em que vivemos não é a imagem o que conta, acima de tudo? Fique à vontade para fechar o parêntese.

Me lembro do Mickey, do Tio Patinhas, Donald, aquela turma que nasceu, cresceu e frutificou sem nunca ter nos mostrado pais, mães, a gente não sabia se os sobrinhos do Donald eram adotados, o mesmo acontecendo com as meninas sobrinhas da Margarida e o solitário Pateta e seu sobrinho Gilberto. Era um festival de “politicamente incorreto”, que era uma maravilha. Aliás, as revistinhas não perderam espaço para a internet, eu acho que foi para o advento do “politicamente correto”. Uma onda que começou a varrer o ocidente contra coisas que estimulavam o preconceito, mas que também tinham subliminarmente o desejo de enquadrar os comportamentos para o bem do desenvolvimento pacífico e ordeiro do capital, dono e senhor de tudo.

Como pode um menino que não gostava de banho (Cascão) e ainda fazia disso a sua fama? Uma gorducha e dentuça (a Mônica) que é ridicularizada o tempo inteiro pelos seus amigos; o Riquinho, com o sacana epíteto de “o pobre menino rico”, esnobe e que só andava de limusine e tinha um empregado para cada órgão de seu corpo? Os gordinhos e os machistas clubes de meninos e meninas? Fora a imagem que ajudaram a consolidar do Brasil através do indefectível Zé Carioca, o malandro dos morros cariocas, que se dava bem passando a perna em todo mundo, não pagando as contas e se arranjando através da vadiagem, cheio de golpes baixos. Isso é bullyng contra o país inteiro! O seu contraste americano era o Gastão, o primo do Donald, também um bon vivant, mas dotado de uma sorte que me dava a impressão quando criança que esse negócio de trabalhar era mesmo pra otários. O cara não fazia nada a recebia tudo por obra e graça do acaso que o cercava. Escapava da chuva, do sol, da lama, do frio e calor, da sede e da fome e... do trabalho.

Eu acredito que o bullying, gêmeo siamês do preconceito, se não nasceu daí, ele foi reforçado e passado de geração para geração, impregnando-se na cultura ocidental. Mas a esta altura do campeonato eu dizer que foi o Disney ou os americanos os grandes responsáveis por essa coisa toda, já estarei querendo a minha danação eterna. São poderosos demais. E onde ficava o meu discernimento e livre arbítrio que vão alegar necessário? Criança tem?

terça-feira, 27 de julho de 2010

EM OUTRA GALÁXIA


Existirá alguma outra forma de vida em algum lugar no espaço? Essa pergunta acompanha o homem há séculos e séculos na história da humanidade. De deuses que habitariam estrelas, passamos - com o avanço da tecnologia- a acreditar em ovnis e marcianos. Agora chegamos ao ponto de tentar descobrir pela mais sensata das hipóteses: procurar onde tem água. Esse poderá ser um lugar habitável. Pelo menos para uma espécie com as características como a nossa. Que precise beber. Comer já é outra história. Partindo do princípio de que somos uma porção de água em 70% e que precisa de constante reposição sob pena da secura mortal, comida a gente pode se preocupar depois. 

Pois eis que cientistas europeus acabam de descobrir três estrelas de dimensões tremendamente gigantescas. Uma delas chega a ser mais de 265 vezes maior do que o sol. Imagine um planeta que abrigaria folgadamente os quase 7 bilhões de terráqueos com uma natureza exuberante e virgem! Eu fico pensando que Deus, na sua sabedoria infinita, bem que pode ter feito uma espécie de “plano B” planetário. Criou um lugar, uma espécie de reserva moral em forma de terra e água só para os mais merecedores daqui. Será lá o caminho do paraíso sem a gente precisar morrer antes? Aguardemos novas pesquisas dos especialistas. O problema é como resolver o custo do transporte. Não se faz nada de graça hoje em dia, tudo tem que ter alguém ganhando algum! Teletransporte seria o ideal. Aquela máquina do tempo de H. G. Wells, em vez de nos levar para o futuro, nos levaria para o presente mesmo, porém em outro lugar da galáxia. (até lá já terão dado um nome a esta estrela gigante).  Creio que será só fazer uns ajustes, trocar aquelas velhas válvulas por chips eletrônicos, mudarmos o itinerário de tempo para espaço e lá estaremos nós. Quer dizer, alguns de nós, né?

segunda-feira, 26 de julho de 2010

PELA NONA VEZ


Como se diz nove vezes campeão de alguma coisa? Eu só sabia até hepta e o vôlei do Brasil está me deixando mais letrado. Fui procurar e encontrei a explicação de que os prefixos são de origem grega e significam a quantidade de vezes que alguém ou uma equipe sagrou-se campeã de uma modalidade esportiva. Então, o Brasil ontem se tornou Enea-campeão da liga mundial ou Ena-campeão. Ao contrário da rapaziada que não fez bonito lá na África do Sul com o futebol e do Massa, que amarelou só os colhões ontem, quando a Ferrari mandou-lhe abrir caminho para Alonso e ele abriu literalmente as pernas, no jargão esportivo, deixando-o tomar a dianteira e deixando muito brasileiro envergonhado, a turma do vôlei está de parabéns. Aliás, se tem um esporte nacional onde a turma deixa a gente amarelo apenas de falta de ar, de tanto gritar “é campeão” é o vôlei.  E olhe que eles nem estão (ainda bem) na categoria de celebridades milionárias de dinheiro, vazias de propósitos e figurinhas fáceis em tudo quanto é canto como a maioria de alguns esportes por ai, hein!

AOS ARTISTAS DA ESCRITA


Categorizar alguém como escritor é diferente de definir o que seja um escritor no meu tosco entendimento. Uma espécie em extinção é fácil a gente identificar. Está lá a raça do bicho ou planta, há estudos e minúcias bem definidas que lhes dão a conformação como tal ou qual. Já o escritor, eu considero uma espécie em formação. Não me leve ao pé da letra pensando que estou comparando-o a vegetais ou animais. Se bem que animais racionais, tá de bom tamanho. Mas a categoria, a ponto de ter um dia comemorativo é que me deixa assim meio de soslaio, formando opinião ainda. Um escritor com dia, tal como uma mãe, por exemplo, não pode ser considerado um imperativo categórico. Se bem que poderão dizer que ele da à luz obras de literatura. Mas há aquele negócio: você não escreve uma obra e fica ali alimentando-a depois de pronta, ensinando como se comportar no mundo. Trafega exatamente pelo caminho oposto ao de uma mãe. Põe o filho no mundo e solta ele para se virar sozinho, tornando-se potencial vítima de qualquer um que botar as mãos e os olhos, para devorar, abominar, ignorar, amar mais do que você, chegando em alguns casos extremos de psicopatia literária a rasgar e botar fogo.

A menos que seja um caso de sobrevivência exclusiva por conta da escrita, como há muitos poucos seres alçados a esta condição, o dia do escritor deve sim, ser comemorado sem nenhuma preocupação com o rotulo. Também, não devemos nos preocupar se nos sentimos escritores. Vamos ganhar parabéns de quem nos considera. A maioria tem a escrita como hobby, terapia, lazer, diversão...

O poeta: vejamos o caso dos poetas: eles são uns nefelibatas, uns sibaritas, uns doidivanas da melhor qualidade, escritores e construtores de sonhos, demolidores de ilusões, fazedores de magia, apanágios, mezinhas e muitos outros adjetivos da mais alta recomendação. E mais, tem o seu próprio dia, além do dia da poesia.

Já ouviu dizer que tem dia da prosa, da redação, da dissertação, do romance ou da ficção? Pois é. Um brinde e desculpem a brincadeira. Foi o que me ocorreu para homenagear quem encanta o mundo com a palavra. Parabéns amplos, gerais  e irrestritos a todos os que alinhavam a palavra, transformando-a em alimento para a alma, conhecimento, diversão, versos e prosas de encanto.

Homenagem ao dia do escritor: 25/07/10


domingo, 25 de julho de 2010

DEU A LOUCA


Dirigir nas estradas brasileiras requer uma série de cuidados que só cuidamos, às vezes de falar mal das condições precárias da sinalização, buracos, traçados mal feitos e outras coisas ruins. Elas existem mesmo e devem ser faladas e cobradas, claro! Mas, quem viaja pelo menos de vez em quando, pode prestar atenção, que a grande maioria dos desastres que desgraçam muitas vidas e famílias é culpa exclusiva dos maus motoristas. Imprudência, equívocos de toda espécie, impaciência, competição e o sentimento de poder que o carro dá, são ingredientes que, misturados ao transito, dão uma receita indigesta a qualquer um. Quer um exemplo desagradável? Faça uma viagem saindo de BH em direção ao Espírito Santo, Bahia, Rio, São Paulo ou Brasília. Com muito cuidado e com um olho na direção e outro na circulação em geral para observar as atrocidades cometidas pelos aventureiros que parecem estar praticando esses esportes radicais, aliás, muito menos perigosos, pois só arriscam a vida do praticante.

sábado, 24 de julho de 2010

DEVAGAR E SEMPRE


Um simples corte no dedo para mim hoje em dia, é um "Deus nos acuda". Quando trabalhava em outras atividades pesadas, por exemplo, sem nenhuma blasfêmia ou heresia, se eu cortasse os dedos diria que Deus me acudiu daquele sofrimento físico para me garantir alguns dias de atividades em trabalhos menos penosos. Agora que vivo a digitar e ler, exercendo aquele trabalho que acredito enobrece o homem de verdade, ou seja,  por puro prazer, nem imagino a hipótese ficar capenga das mãos ou dos olhos.

Acho que descobri porque jogadores fazem seguros de suas pernas, as modelos de suas partes mais chamativas. Só que não meu caso, de que adiantaria um seguro? indenização para desfrutar a desgraça? Não, obrigado! Tem uns seguros que são o consolo material para o infortúnio que dinheiro nenhum dá jeito.

Também não quer dizer que seja o fim do mundo. Comecei a escrever este texto enfurecido e maldizendo a dor e o acaso por causa de uns cortes que tive na mão que me deixaram meio bravo por não poder fazer o meu ofício mais caro, até que me deparei com  o pensamento de que “o que não me destrói me fortalece”. Vai gostar de sofrer assim hein, Niesztche?

 O potencial de superação que possuímos pode não ser infinito mas há muitos meios de se driblar deficiências, especialmente quando elas são o motivo de obstrução do que nos mantêm vivos, ativos e operantes. Para quem quer, aleijão não se torna obstáculo intransponível. Há muito tempo assisti a um filme muito bom chamado Meu Pé Esquerdo,  onde tudo o que um homem fazia era com o pé esquerdo por causa de uma atrofia no restante dos seus órgãos. E o seu mais valioso fazer era escrever e pintar quadros. A história é baseada em uma biografia de um escritor e pintor irlandês. Filme emocionante e estimulante para qualquer um que tenha algum embaraço com seus órgãos.

Então fiquei relaxado, porém demorando mais a fazer o que faço normalmente com mais ligeireza e consolado da aflição besta. Cá estou, cheio dos curativos “catando” as teclas com os famosos dois dedos igual a quem não fez curso de datilografia ou digitação. Dentro da média histórica de 400 toques por minuto no teclado, não estou conseguindo nem a metade Você que me lê, saiba que vou lá no seu blog ou responder por e-mail. Se demorar, não fique nervoso (a) comigo.. Obrigado, muita paz e muito bem.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

FEMINISMO E MPB


Muita coisa no comportamento de homens e mulheres mudou definitivamente com o movimento feminista que ganhou força avassaladora a partir dos anos sessenta do século passado. Vou me ater à música para ilustrar os momentos mais marcantes da mudança da condição da mulher objeto para a mulher agente.

 AI , QUE SAUDADES DA AMÉLIA, o famoso hino machista de Ataulfo Alves foi a primeira a cair em desgraça no gosto das novas “sem sutiã” da praça. Virou um inimigo poderoso, combatido em todas as frentes de audição. Já vi muita mulher quebrar vitrolas antigas por causa dela. Ela era o alvo preferido e considerada tão machista que outras acabaram ficando no esquecimento da perseguição. Tivemos por exemplo, o Agepê, que cantava JEITO DE FELICIDADE. Coisa impensável hoje em dia:

 “Acorda amor, já é hora de fazer o café
Sabe como é que é
Eu tenho que pegar o trem das seis
Senão não chego as sete lá
Eu já falei pra você
Deixar de assistir a novela das dez
Esquece de lembrar do compromisso
Quem não tem nada com isso
Fica sem café”,

Até o Chico Buarque, considerado o alter ego feminino deu a sua derrapada em FEIJOADA COMPLETA. Não estou defendendo-o, mas acho que ele queria era falar de uma festa regada a uma boa feijoada. Ocorre que acabou colocando a mulher  sozinha para fazer tudo e ele só entrou com os amigos e a bebedeira e ainda por cima, sem aviso prévio, mandando botar mais água no feijão. Fazia-me lembrar das raivas que a minha mãe tinha quando meu pai chegava meio tonto aos domingos levando um amigo para o almoço depois que todo mundo em casa já havia comido e lavado as louças. 

 “Mulher, você vai gostar
Tô levando uns amigos pra conversar
Eles vão com uma fome que nem me contem
Ele vão com uma sede de anteontem
Bota a cerveja estupidamente gelada prum batalhão
E vamos botar água no feijão...” 
E o triunfo feminino veio com os próprios homens, alguns interpretando o momento de poder feminino com classe, feito Ivan Lins em BILHETE, se bem que serve para ambos os sexos, mas as mulheres se apropriaram dela primeiro. Fafá de Belém foi rápida no gatilho e gravou: 
“Quebrei o teu prato, tranquei o meu quarto
Bebi teu licor
Arrumei a sala, já fiz tua mala
Pus no corredor
Eu limpei minha vida, te tirei do meu corpo
Te tirei das entranhas
Fiz um tipo de aborto
E por fim nosso caso acabou, está morto
Jogue a cópia da chave por debaixo da porta
Que é pra não ter motivo
De pensar numa volta
Fique junto dos teus
Boa sorte, adeus”

E também uns com menos recursos argumentativos ou se sentindo derrotados, fizeram músicas que são chamadas “de corno”. Será que foi vingança delas? Olhem o hino deles com o Reginaldo Rossi:
“Garçom! Aqui!
Nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor...
Garçom!
No bar todo mundo é igual
Meu caso é mais um, é banal
Mas preste atenção por favor...
Saiba que o meu grande amor
Hoje vai se casar
Mandou uma carta pra me avisar
Deixou em pedaços meu coração...”

quinta-feira, 22 de julho de 2010

HOJE É DIA DO RISO CHORAR *


Não é uma alegria estar ausente daqui um dia sequer. A menos que o motivo seja outra alegria tão grande; e ainda maior se estiver relacionada com aquilo que faço aqui blog. Hoje vou estar ausente. Daqui a poucas horas farei mais um lançamento do meu livro “A vida do Bebê...de 40 Para Frente”, no Festival de Inverno de Ouro Preto/Mariana, a convite da organização do evento. É mais um dia de expectativas e apreensão . Porém todo esse frisson é proveniente de uma adrenalina que, se não matar de alegria, me engordará um pouco mais o espírito.
Um ótimo dia! Paz e bem a todos.


* O título é uma referência a uma frase da música É HOJE, de Caetano Veloso


LENHA NA FOGUEIRA


“O pior tipo de solidão é a companhia de um paulista.”
“O carioca é um ser encantado. No Rio, dois sujeitos que nunca se viram tornam-se como que súbitos amigos de infância e caem nos braços um do outro, aos soluços.”
(Frases de Nélson Rodrigues, considerado o mais carioca dos pernambucanos).

 

Há uma rivalidade tola e falsa entre estados e regiões brasileiras. Em alguns casos esse caldeirão de pensamentos e atitudes chega ao absurdo preconceito, como no caso com nordestinos retirantes. Infelizmente é um espelho do que é o Brasil como um todo. Uma grande bobagem que acaba sendo prejudicial à formação de um sentimento de nação homogênea em afetos no meio da população.

Entre cariocas e paulistas, as rusgas são freqüentes, por serem os estados de maior destaque no cenário nacional, sendo o primeiro por causa da herança como capital, pela beleza geográfica e pelo cabedal cultural que amealhou e por outro lado, São Paulo, pelo poderio econômico. Tudo começou no século dezoito, quando um governador, recém nomeado pela coroa portuguesa disse que os paulistas eram uns preguiçosos. Ele havia desembarcado primeiro no Rio, viu e entusiasmou-se com a riqueza da cidade e quando rumou para seu destino, “soltou os cachorros” nos paulistas, segundo ele, terra depravada nos costumes, gente sem lei, sem fé e inconciliável com o trabalho.

Muito depois, com o desenvolvimento espetacular de São Paulo, a rivalidade foi crescendo e as provocações também. Os paulistas passaram a ser trabalhadores e os cariocas preguiçosos.  Eu acho que isso serve somente a interesses muito econômicos, ajuda a muito poucos, exatamente os que ganham com isso e eles mesmos não estão nem aí. Fomentam a disputa mas vivem na ponte aérea, faturando muito nos dois estados.

Como brincadeira somente, é aceitável. Eu vejo, por exemplo o que se faz no Brasil com relação aos argentinos por causa do futebol e com Portugal com relação às piadas, mas na hora da integração, seria inaceitável se déssemos as costas aos povos irmãos ou eles nos fizessem isso. Bom humor é saudável, desde que não atinja o sarcasmo com fins de superioridade.

Um levantamento feito pela Revista de História da Biblioteca Nacional* diz que os cariocas trabalham mais que os paulistas, em termos de horas semanais. A diferença, no entanto é irrelevante. Eu fui um pouquinho além e resolvi enfiar Minas nessa fogueira de vaidades dos explorados, só que quebrei a cara: quem é o campeão, pasmem, é a Bahia**, com quem todo mundo faz piada de que são preguiçosos.

Afinal, o que nos é apresentado como vitrine do trabalho é aquele do ar condicionado das salas confortáveis dos escritórios. O mundo da indústria, dos fundos do comércio ou dos plantadores e criadores da nossa agricultura mais os carregadores de piano da prestação de serviço não é levado em conta na hora que dizem que o brasileiro não gosta de trabalhar.



*     Ano 4, nº 49 – Jul/2009, pg 43
**   Dados do Dieese


quarta-feira, 21 de julho de 2010

A MORTE DO JUQUITA


"É a perda da memória, e não o culto à memória, que nos fará prisioneiros do passado". Isabel Allende

ESTA É UMA HISTÓRIA REAL, contada a partir das minhas lembranças do dia em que estava a passeio na fazenda.

A primeira vez que vivenciamos um acontecimento bom não esquecemos e ainda ansiamos pela repetição. A primeira vez que convivemos com a barbárie, com a brutalidade, a gente também não esquece. Deseja esquecer, anseia para não se repetir. Mas parece que a barbárie está em alguns genes humanos. Ainda não sabemos se irremediavelmente. Sabemos apenas que os remédios que temos visto a humanidade indicar para esse estado de selvageria parecem ainda não terem surtido efeito mitigador. Tem sido reprimida, escomoteada, vingada, mas curada, creio que ainda não. Eu demorei muito tempo para falar desse assunto. Preciso, no entanto, expurgar, drenar, depurar isso de dentro de mim.  Na época, tudo o que consegui deixar como marca para ver se aplacava a minha dor e principalmente das famílias envolvidas foram uns versos. Mesmo assim, me pediram para que guardasse. O choque fora tremendamente não absorvido pela falta de costume de lidar com a violência , pelo placidez da vida a que se acostumaram, pelo assombro e pavor que provocou em todos a morte do Juquita. Ele mesmo,  na face de semblante suave, no corpo langoroso e nos gestos, principalmente nestes, um cara que se podia chamar de “a paz em pessoa”.

Juquita era um amigo de muitos anos do Seu Modesto, então meu sogro, fazendeiro ali pela bandas de Pimenta, uma cidadezinha encravada no centro oeste das Minas Gerais. Fica na região que é banhada pelo lago artificial que construíram no Rio Grande para ser a hidrelétrica de Furnas. No seu entorno proliferam fazendas onde se produz de tudo. São mais de trinta cidades que compõem o anel em volta do lago. As outras, as águas engoliram quando foram represadas. O meu sogro produzia leite tão somente. Estava já velho, os filhos, todos os dez, cada um cuidando de sua vida. Juquita morava na vizinha Piumhi e havia se aposentado de uma atividade urbana. Seu sonho sempre fora a roça, nunca havia gostado de ter ido para a cidade. Se o fez foi por causa dos filhos que assim exigiram. A presença dos pais por perto para eles tocarem a vida nos afazeres urbanos ou sei lá se havia dado algum problema com sua roça. Mas depois voltou. E voltou para a satisfação do amigo, que tinha um homem integro, ainda trabalhador de braços fortes apesar de seus já avançados sessenta e poucos anos para ajudar a cuidar das centenas de hectares de roça que sustentava a casa. A aposentadoria, mísero salário mínimo era muito modesta para seu Modesto, a esposa, o filho adotivo, um agregado adoentado e uns empregados que ajudavam na lida com o gado.

Rotina é uma repetição de procedimentos, que se pratica até de forma mecânica, feito um relógio andando num só sentido. Ritual já é mais litúrgico, inseparável da rotina, quando se quer digamos, enfeitar uma rotina, ou lhe dar um caráter mais aprazível. Era o que cumpria nosso homem religiosamente. Vinha todos os dias, de segunda a sábado, no mesmo horário, no mesmo ônibus que o deixava à beira da rodovia. Dali, uma caminhada de três quilômetros exatos até a sede da fazenda, onde tomava novamente o café com o pessoal da casa, depois dava alimentação às galinhas, aos porcos, cuidava de verificar se o leite já havia sido retirado, pois o caminhão do laticínio buscava bem cedinho. Nada lhe escapava no cuidado com a roça. A bomba d’agua carneiro era rigorosamente verificada. Mandava água para abastecer a casa e regar a horta viçosa e farta. Matava também a sede das pessoas e dos bichos. À tarde, depois do almoço, um tempo para uma prosa, uma conferida em tudo e a volta para casa, no mesmo ônibus, no mesmo horário, à beira da rodovia. Conheciam-se todos, motorista, trocador, passageiros (quase sempre os mesmos). Vida Feliz a do Juquita. Quem dizia eram  seus olhos de um verde que riam de alegria. Segundo ele mesmo, renovada, depois que pode voltar a trabalhar com aquilo que mais gostava. E ainda por cima junto do amigo de tantos anos. Não fazia isso por dinheiro. Sua imponente casa da cidade mostrava que não se tratava de necessidade material Seus olhos e sua fala mansa e o sorriso tímido mas sempre disponível evidenciavam a sua alegria de viver.  

Numa quarta-feira feira, o Juquita não havia aparecido e já causou preocupação. Um dos filhos foi até a cidade-destino perguntar ao motorista do ônibus. Era o mais indicado a confirmar se ele não tivesse ido. Para piorar ele confirmara que tal como nos demais dias, o havia deixado no mesmo lugar, com sua inconfundível tira colo de couro, onde guardava seu dinheirinho da passagem , sua escova de dentes, umas chaves, pente para os já raros e ralos cabelos, os óculos que usava para descanso das vistas, uma pequena garrafa térmica e um copo feito de lata.  Apenas isso. Então o pensamento passou a ser de que ele poderia ter sofrido um mal súbito e estar caído em algum canto da estrada. Deixou o carro à beira da estrada e saiu a pé à procura. Mais ou menos pela metade do caminho, avistou uma porção de mato meio amassado, com marcas formando uma trilha, como se tivesse sido amassado por algum peso arrastado. Sob uma árvore meio baixa, meio ressecada, encontrou um corpo completamente desfigurado, irreconhecível, as mãos amarradas para trás com o próprio cinto da calça, o crânio esfacelado, a calça arriada e um pedaço de pau enfiado no ânus, um dos olhos fora de sua órbita, dentes quase todos quebrados, muito, muito, muito sangue. De engulho em engulho conseguiu chegar à sede da fazenda e ligar ao celular (que só emitia e recebia sinais em um ponto específico) para a polícia a fim de  verificar o estranho e tenebroso ocorrido. Como poderia naquele lugar ter acontecido algo tão tenebroso que jamais ocorrera à imaginação de alguém? Quem poderia praticar tal maldade?

Eu fiquei me lembrando dos Crimes da Rua Morgue, de Alan Poe. Mas ali não havia gorilas, não havia circos na região, não havia possibilidade. Tinha que ser obra de um humano. Não havia também hipótese de suicídio. As mãos estavam amarradas para trás, precisava que alguém  estivesse junto a ele. Uma volta pela rodovia, após uma parada em uma lanchonete perguntando se haviam visto alguém com cara de pavor, sujo de sangue ou algo semelhante, veio a informação de que um andarilho passara pedindo para encher uma garrafa térmica com café e com uma bolsa a tira colo de couro com a qual demonstrava muita alegria e apego. Na delegacia para onde fora conduzido depois de ser apanhado andando lento e inabalável pela estrada, não demonstrou sequer alteração, sinal de arrependimento, tristeza, pesar, nada, ao confirmar o assassinato. Apenas disse que queria a bolsa e o homem recusara-se a entregá-lo.

HOJE O JUQUITA NÃO VEIO
03/09/2001

Hoje o Juquita não veio.
Quer dizer, veio mas não chegou.
O Juquita fechou os olhos verdes,
Quer dizer, fecharam os seus olhos verdes
O doce sorriso do Juquita desdentou
Quer dizer, desdentaram o sorriso do Juquita
A fala mansa do Juquita se calou
Quer dizer, suas últimas palavras foram muitos ais
As mãos frias do pau e faca
Amarraram as mãos obreiras e calorosas do Juquita
O Juquita era a anti violência
A negação da brutalidade humana
As mãos que alimentavam os bichos e revolviam a terra
Cruzaram-se sobre o peito inchado
Só o seu carisma ficou
Na triste mas perene lembrança de todos nós
Nós que dilaceramos nossos corações
Pela dor, não pela brutalidade.

terça-feira, 20 de julho de 2010

AOS AMIGOS, NÃO AMIGOS, POTENCIAIS AMIGOS...


Minha singela homenagem a todos os que conquistei, aos que por ventura cruzarem meu caminho com  intenção amigável, aos que amo, aos que ainda não pude amar, aos que me odeiam e a todos os meus amigos de verdade.
DESEJO - Victor Hugo
Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.


Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.


E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro. 

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé. 

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros. 

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E
que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós. 

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano. 

Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta. 

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada. 

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore. 

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem. 

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar. 

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar ".

FILHOS, FILHOS...

Era muito comum ver nas casas das cidades do interior um quadro inusitado na parece. Um pensamento poético em molduras de diferentes tipos. Eu, menino de pouca idade, mas já alfabetizado me encantava com as palavras e me assustava um pouco com o apelo que elas traziam (imaginava) para os pais.. Começava assim: “ vossos filhos não são vossos filhos. São filhos da ânsia da vida por si mesma...” Mal sabia eu que as proles daquele tempo tinham que, em algum momento, desgrudar-se das asas protetoras de seus ninhos e irem buscar um sonho ou , no mínimo uma forma de ajudarem a construir o que os pais iniciaram. Era, ao mesmo tempo um desapego consolado que os pais encontravam naquelas palavras e uma espécie de aviso aos filhos:



“Olhem, meus filhos, leiam tanto quanto puderem esses ensinamentos e, chegada a idade certa, busquem seus caminhos que nós daqui continuaremos velando por vocês; amor não lhes faltará, mas a continuidade de criação se dará por conta própria.”



Não sei se tinha esta lógica racionalizada. Sei é que me alterou para sempre.



Gibran Khalil Gibran escreveu um texto/poema que para a minha infância e depois adolescência, foi uma coisa que deixou uma marca, a princípio incompreendida. Só viria a entender o motivo muito mais tarde. Agora, nesses tempos quem que a filharada anda cada vez mais grudada nos pais ou sem muita perspectiva de buscar uma independência, com medo da rua, do trabalho e da vida, eu reforço ainda mais o que sinto com relação ao significado que os pais têm na vida dos filhos e vice-versa.
Da minha infância para cá, no entanto, muita coisa mudou.



As famílias já não são tão numerosas;



Os pais não são mais tão repressores;



Os sonhos mudaram de rota: de idealismo abstrato, vontade de mudar o mundo, passamos para uma espécie de idealismo material, vontade de, literalmente, comprar o mundo. Para isso, basta apenas trabalhar e juntar dinheiro. Não sair da casa dos pais nesse aspecto é um motivo a mais de economizar;



A violência urbana ganhou contornos assustadores, o que aumentou o temor dos pais de soltarem seu filhos tão cedo na vida;



A desconfiança e a intolerância estão fazendo com que os filhos, mesmo depois de casados não se distanciem muito dos pais, afinal, em muitos casos, são eles que vão cuidar dos netos enquanto os pais garantem o sustento no trabalho. Quando a gente vê babás espancado crianças na TV, acho que isso assusta um pouco.



“Filhos, filhos,melhor não tê-los, mas se não os temos, como sabê-los?” já questionava o Vinícius de Moraes em outro poema que ela chamou com deliberado deboche metafórico de Poema Enjoadinho. No entanto, o mesmo Vinícius (se redimiria depois?) compôs O Filho que eu Quero ter, numa afirmação em que escancarou o desejo paternal.



O resumo dessa ópera toda é o permanente estado de inquietação que acomete a gente quando se para pra pensar o que é mesmo que estamos fazendo aqui no mundo além de viver o momento presente, esquecer o passado e não divagar sobre o futuro. Pelo menos comigo é assim, com todo o respeito com o que pensa cada um e suas particularidades.
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GIBRAN KHALIL GIBRAN

“Vossos filhos não são vossos filhos.

São os filhos e as filhas da ânsia da Vida por si mesma.

Vêm através de vós, mas não são de vós.

E embora convivam convosco, não vos pertencem.

Podeis outorgar-lhes o vosso amor, mas não vossos pensamentos,

Porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;

Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós;

Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda Sua força para que Suas flechas se projetem, rápidas para longe.

Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:

Pois assim como Ele ama a flecha que voa, também ama o arco que permanece estável.”

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POEMA ENJOADINHO
(Vinícius de Moraes)


Filhos... Filhos?

Melhor não tê-los!

Mas se não os temos

Como sabê-lo?

Se não os temos

Que de consulta

Quanto silêncio

Como os queremos!

Banho de mar

Diz que é um porrete...

Cônjuge voa

Transpõe o espaço

Engole água

Fica salgada

Se iodifica

Depois, que boa

Que morenaço

Que a esposa fica!

Resultado: filho.

E então começa

A aporrinhação:

Cocô está branco

Cocô está preto

Bebe amoníaco

Comeu botão.

Filhos? Filhos

Melhor não tê-los

Noites de insônia

Cãs prematuras

Prantos convulsos

Meu Deus, salvai-o!

Filhos são o demo

Melhor não tê-los...

Mas se não os temos

Como sabê-los?

Como saber

Que macieza

Nos seus cabelos

Que cheiro morno

Na sua carne
Que gosto doce
na sua boca!
Chupam gilete

Bebem shampoo

Ateiam fogo

No quarteirão

Porém, que coisa

Que coisa louca

Que coisa linda

Que os filhos são!

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O FILHO QUE EU QUERO TER
(Vinícius de Moraes)


É comum a gente sonhar, eu sei

Quando vem o entardecer

Pois eu também dei de sonhar

Um sonho lindo de morrer

Vejo um berço e nele eu me debruçar

Com o pranto a me correr

E assim, chorando, acalentar

O filho que eu quero ter

Dorme, meu pequenininho

Dorme que a noite já vem

Teu pai está muito sozinho

De tanto amor que ele tem

De repente o vejo se transformar

Num menino igual a mim

Que vem correndo me beijar

Quando eu chegar lá de onde vim

Um menino sempre a me perguntar

Um porquê que não tem fim

Um filho a quem só queira bem

E a quem só diga que sim

Dorme, menino levado

Dorme que a vida já vem

Teu pai está muito cansado

De tanta dor que ele tem

Quando a vida enfim me quiser levar

Pelo tanto que me deu

Sentir-lhe a barba me roçar

No derradeiro beijo seu

E ao sentir também sua mão vedar

Meu olhar dos olhos seus

Ouvir-lhe a voz a me embalar
Num acalanto de adeus

Dorme, meu pai, sem cuidado

Dorme que ao entardecer

Teu filho sonha acordado

Com o filho que ele quer ter
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