Para lá da injustiça e da
infelicidade de uma equipa brava mas inevitavelmente imatura, para além, muito
além das declarações parvas de um moleque ingrato que se houver vergonha, amor-próprio
e respeito pela nossa história, não mais vestirá a mítica camisola do Benfica,
fica-me na retina as bancadas meio-vestidas (ou meio-despidas?) na Luz, um
sector inteiro fechado, a Catedral longe muito longe das suas históricas noites
de gala.
É isto o benfiquismo dos dias que
correm: sócios e adeptos que exigem este mundo e o outro mas faltam quando a
ausência deveria ser proibida.
Gente que desconhece ou não quer
sequer saber que “noite europeia” era sinónimo de enchente, da presença de uma
multidão vibrante, frenética, quase irracional na paixão pelo clube, construindo
assim as mais belas páginas da sua história.
Foi assim, dizem-me, nos anos 60,
foi assim, pude depois confirmar nos anos 70 e 80.
Desenganem-se, porém, os que
pensam que o mito das noites europeias se construiu apenas com vitórias como os 6-0 em 1962 ao Nuremberga, os 5-1 em 1972 ao Feyenoord ou a noite no final dos
anos 80 em que Vata enlouqueceu 120.000.
A história europeia do Benfica fez-se
também de derrotas e eliminações absolutamente míticas, algumas delas
dramáticas até: a eliminação por moeda ao ar perante o Celtic, as célebres
eliminatórias com o Ajax, a noite em que Ian Rush destruiu a Luz, ou até uma
vitória amarga perante um cinzento Carl Zeiss Jena que nos custou a presença na
final da saudosa Taça das Taças.
Outros tempos: antes de tudo
exigir a quem comanda o clube, os sócios e adeptos sabiam que aquelas noites de
gala eram a essência da história e do mito do Benfica.
Verdadeiramente era naquelas
noites de romaria em direcção à Luz que o Benfica se cumpria; o Inferno da Luz
não era uma invenção folclórica de uma comunicação social alucinada ou
subserviente: era apenas o Benfica.
Hoje, tudo é diferente: o
benfiquismo exarcebado aparece ciclicamente no estádio quando faltam 5 ou 6
jornadas para o fim e cheira a festa.
A Champions é para ver de
traseiro sentado no sofá no remanso do lar, pagando sem protestar a mensalidade
à Sportv; se aparecer um dos tubarões do futebol europeu, então sim, enche o
estádio e faz-se a festa, gritando à Europa do futebol o que é o Benfica e o
inferno da Luz.
Sem querer dar lições de benfiquismo
a quem quer que seja, seria bom que muitos dos sócios repensassem o Benfica que
pretendem: se apenas o Benfiquinha para consumo interno, vítima da constante
guerrilha invejosa e ressabiada de adversários menores, ou o verdadeiro Benfica, disposto a honrar
uma gloriosa caminhada europeia iniciada num mágico fim de tarde no Jamor.
Enquanto não nos decidimos sobre
o que queremos para o nosso clube, fica claro para mim como certamente para os outros 42.125 que lá estiveram ontem, que vamos à Luz para e pelo Benfica; que o jogo seja da fase de grupos ou das meias-finais, que o adversário se chame Ludogorets, Linfield, Besiktas, Real Madrid ou Bayern de Munique é apenas um pequeno detalhe.
RC