O Menino Vestido de Soldado
Há um tijolo não posto;
Há desejos ardentes recatados;
Há sentimentos represados;
Só a guerra está livre.
O Menino vestido de soldado.
A luz do sol ilumina o mundo,
Mas não podemos vê-la.
Queria frequentá-la, ficar ao lado dela,
Mas as pessoas não saem da frente de suas calçadas.
O Menino vestido de soldado.
Os ataques terroristas tornaram-se frequentes;
A violência vive à esquina;
As mulheres e os homens só pintam auto-retratos,
Mas alguns ainda têm esperança.
O Menino vestido de soldado.
Há crise de hemorragia verbal.
Os espaços foram ocupados por cartazes
Virtualmente há espaço para todos.
Mas os ouvidos não cresceram.
O Menino vestido de soldado.
Eles querem gritar, mas como soldados
Perderam as cordas vocais nas guerras.
Não tem papel, não tem cartaz,
Não se protesta contra o carinho do carrasco.
O Menino vestido de soldado.
Muitas bombas caíram.
As crianças ficaram surdas.
Ótimo! Os soldados estão mudos!
No mundo, não há diálogo.
O Menino vestido de soldado.
Pelo balancim, vejo uma mulher.
A água manchando os seios
A procura de sexo. Fui mutilado
Na guerra. Mas ainda vejo.
O Menino vestido de soldado.
A cidade está fechada. Os homens
Estão aquartelados. Seria
Um bombardeio? A esquadrilha?
Não! Tenho certeza, algo nasceu!
O Menino vestido de soldado.
Os desejos são mediatos.
Não se tem mais ânimo para o último tijolo.
O indivíduo é que vale.
Mesmo assim, sei, algo nasceu.
O Menino vestido de soldado.
O marchar dos soldados
Abafa os gritos. Mesmo as pessoas gritando
“Umbigo maior que o mundo”
Acredito (iludo-me?), algo nasceu.
O Menino vestido de soldado.
Do lodaçal, da eterna guerra,
Das relações líquidas, entre amores cegos,
Relacionamentos surdos, uma justiça muda,
Ouso dizer: algo nasceu!
O Menino vestido de soldado.
Alguns dirão: “Impossível!”
O que pode sair de uma
Salgada terra de sombras?
“Uma flor?!”
O Menino vestido de soldado.
Não são todos os dias
Que temos a sensibilidade para ler jornais.
A corrupção, o sangue, os fluidos corporais,
As atitudes artísticas, a queda da bolsa, os protestos,
O Menino vestido de soldado,
Os protestos e os objetos dos protestos.
A globalização, as barrigas vazias,
As crônicas de Amor,
Tergiversaremos tudo. Até sobre
O Menino vestido de soldado.
Do pelotão de fuzilamento,
O mundo baixa suas calças
E balança seu pênis, vindo nos currar.
E apenas lamentamos.
O Menino vestido de soldado
Está no pelotão. A infância corre
Entre seu fuzil e o muro:
Suas pipas, seus jogos, seu Navio Pirata
Aportando na ilha das sereias dos seios fartos.
O Menino vestido de soldado.
Não sabemos como terminar
O trabalho. Não porque temos a limitação
Dos quebra-cabeças, mas porque os tijolos
Não tem arestas e o ar é limite.
O Menino vestido de soldado
Não conhece o poeta.
O mundo não conhece o poeta.
O paredão não sabe do poeta.
A flor nasceu sem saber do poeta.
O Menino vestido de soldado.
Aguardemos! Amanhã o prédio terá
Mais um pavimento.
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Quero ser lírico!
O Menino vestido de soldado!
Corpos esquartejados, metralhados.
Rimas desgastadas, retalhadas.
Uma agulha para costurar
As cordas vocais do poeta.
O Menino vestido de soldado.
Não estava fardado.
Estava vestido. Entoava
Um hino de guerra de “som e fúria”,
Com sua voz tati-bi-tati.
O Menino vestido de soldado
Deseja Belém;
Lembra-se do Iraque;
Inventa Rio de Janeiros.
Em São Paulo, longe do Eldorado,
O Menino vestido de soldado
Assiste a um Teatro de ódio.
Um mundo a duzentos quilômetros por segundo
E as pessoas só se dão as mãos
Quando se saturam o peso do andar.
O Menino vestido de soldado.
Falarei de sexo e de cidades.
Versificarei o amor, insônia, solidão.
Bardo de coisas não vividas e indignidades. Gritei
Ideias que queriam antes explicar e não mudar o mundo.
O Menino vestido de soldado.
Mas não escrevi muitas dores,
Ou sobre lugares queridos, entes queridos.
Falta falar da angustia do amor e sexo.
E da relativização das minhas ideias.
O Menino vestido de soldado
Impõe a mira nas fuças dos desertores.
O paredão está disputado. Mas a flor
Enfrenta os tijolos; fura o paredão.
Agride o mundo e a guerra e se entrega a
O Menino vestido de soldado,
Que joga a arma, deserta, desposa
A prisioneira. E a flor?
Talvez uma esperança, o Salvador, a liberdade.
Amor? Ou não mais que um poeta?
O Menino se despiu!
Iniciado em: 19/09/2007
Transcrito em: 17/04/2010.
Marcadores: Literatura, Poema, Poesia