CORRE"DORES"
...no corredor esperando por um leito, enquanto babava, entre enfermos,
enfermeiras e muita gente de contas pagas, tendo que passar por mais uma
prova, sem poder se jogar fora, sem poder, pacientes terminais olhavam
para o nada, como que vissem uma passagem pra fora dali, de si, qualquer
coisa menos o agora, com luvas infladas feito bola, não é possível
brincar, aos pouco fui entendendo, calcanhares esfolados de tanta cama,
bolha de sangue, entendi a sonda, vi o sebo, convivi com a murrinha, e
aquele cheiro, o hálito que já não enjôa, ojeriza de outrora agora me
faz pensar, um pensamento triste, não há nada de prático numa hora
dessas, muitas práticas, táticas do jogo. Até hospital tem seus
parasitas, seus hóspedes ilustres, os habituês, na cadeira de rodas
sondava quem ia passando e indagava na medida que sua desconfiança
crescia, "tem um pacote de bolacha aí?!" alguns diziam que ele havia
quebrado a própria perna, é rir pra não chorar, tanta miséria, tantos
guerreiros, tantos, vejo Lulas, Josés, Reinaldos, ovacionados como
bravos, saibam que Antonio é foda, comeu pão sovado, feito rato, num
canto, ele e tantos, bons, mas sem os melhores acompanhando, sem
dignidade, implorando por exames, de cabeça raspada, costurada, no fio
na navalha, de fraldas, punk! Nada de colorido, nem o lençol, apenas as
feridas, expostos, fracos, empilhados numa sala, um feixe de sol entra,
mas o frio não passa, sorte de quem vai, sofre quem fica, pena de quem
tenta, mas não consegue partir, passar de porta em porta, ver gente boa,
gente má, maltratada, magra, sem afeto, com expressão de nada, gente
velha, gente nova, gente, uma garota que aparenta 13, outro acabou de
casar, o gigante, vizinho de quarto, alemão, só faz esperar, os gemidos
de dor são uma sinfonia dispensável, para quem escuta, pra quem sente é
necessário, uma alívio temporário, as vezes imaginário, um alento em
meio a tanto sofrimento, os sorrisos desaparecem a medida que as luzes
se apagam, alguns poucos conseguem descançar, é então que constato, que a
tristeza sabe falar...
Douglas Campigotto
Um comentário:
Muito bom texto, me trouxe a memória dois dias que passei internada com minha mãe num hospital público do Rio... Vi tudo isso e mais um pouco.
Abçs!!!
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