Ontem vi um corpo estendido, estava frio, São Paulo cinza, fitas coloridas bloqueavam a avenida, ele estava lá, estendido ele e lençol, estendidos um sobre o outro, e eu sem entender, o que haveria havido, procurei nas paredes por marca de tiro, mas não achei, vi pedaços do morto estampando a parede, nacos de carne pela calçada, ninguém querendo dizer anda, ninguém sabe, ninguém viu, alguns diziam que ouviram o barulho, não era tiro, era um, "PÁ" estalando naquela manhã de quarta feira, me aproximei de alguns policiais, na maioria pálidos, alguns franzinos, SP disseca o ser humano, fábrica de loucos, um deles falava ao rádio de olhos arregalados, foi quando perguntei, foi aassassinato? um olhar cabisbaixo, de baixo para cima, como quem me fitava, mas não, ele mesmo não estava acreditando, foi suicídio, me disse com a fala pausada, fui me afastando, e tentando entender, o porque, não levei muito tempo, dois ou três passos foram suficientes, quantas vezes, por motivos diferentes quis matar minha vida, que vá em paz essa alma, que tenha sido melhor, só pensar assim me acalma, mais 2 ou 3 passos, olhei para trás, num último contato, fixei no corpo estatelado, me chamou atenção um rastro que vinha em minha direção, acompanhando o líquido incolor que manchava o chão, pude ver próximos aos meus pés, miolos, não estavam espalhados, ainda emaranhados, agarrados, como quem não quer abrir mão, em cada gomo, em cada naco, cada história, tanta coisa pensada, talvez uma pessoa amada, talvez uma alma cansada, uma pessoa fadada, uma fada aprisionada, ninguém saberá, seja o que for, faça boa viagem.
Douglas Campigotto