VISTO DA DIREITA
JOÃO PEREIRA COUTINHO
A anedota da Europa
"Mário Soares foi ao Porto para mostrar fidelidade ao PS. E, entre outras pérolas, lá foi dizendo que Sócrates era estimado na Europa, ou coisa do género. Não sei exactamente a que Europa o Dr. Soares se referia. Mas não era à Europa que usualmente escreve sobre a parvónia e que anda estupefacta com as sondagens nativas. Ontem mesmo, por exemplo, o Financial Times dedicou-nos umas linhas. Para constatar, em tom de gozo, que uma eventual vitória de Sócrates seria caso histórico na crise corrente.Na Grécia, quem fez falir o país foi corrido a pontapé. O mesmo na Irlanda. Será Portugal a primeira grande excepção?
Saberemos no dia 5 de Junho. E, no dia 6, se a excepção se confirmar, saberemos também que Portugal deixará de ser apenas mais um país pobre e irresponsável da periferia. Será, com toda a certeza, a maior anedota da Europa."
João Pereira Coutinho, Correio da Manhã, 31/05/2011, página 21
PÚBLICO
JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
A nódoa
"1. Espero que Mário Soares tenha oportunidade de participar noutra campanha eleitoral, noutro ciclo de vida do seu partido. Isto porque deixar como testamento político um apelo ao voto em José Sócrates seria um final particularmente triste para um homem com a sua carreira e com a sua visão política. Seria a prova que na política a má moeda expulsa a boa moeda, em Portugal ou na Europa, como os tempos parecem insistir em nos provar.
É verdade que aquilo que Soares encontrou para dizer de positivo a propósito de Sócrates foi prudentemente escasso ("ganhou uma experiência excepcional, tem amigos na Europa e conhece toda a gente") e que a sustentação do seu apelo ao voto no PS foi "apenas" a sua fidelidade "ao Partido Socialista que ajudou a criar". Mas a intervenção do líder histórico do PS no Palácio de Cristal serviu para mostrar de que forma todo o partido -com raríssimas excepções- está refém de Sócrates. Será porque acham que Sócrates é de facto o melhor líder possível para o governo de Portugal? Porque acreditam de facto que Sócrates defenderá o Estado Social? Porque acham que o prestígio internacional de Sócrates lhe permitirá renegociar os empréstimos em melhores condições? Porque acreditam na sua competência técnica? Na sua honestidade? Não. As razões são outras. Antes de mais, porque acham que Sócrates é o único líder socialista que pode ganhar estas eleições e o que o PS quer neste momento é ganhar as eleições (aconteça o que acontecer ao país). Depois, porque receiam o conhecido carácter vingativo do chefe...que ainda tem os cordelinhos do partido nas mãos. Só depois de Sócrates cair aparecerão os seus oposicionistas. Aparecerão em bando, quando tiverem a certeza de que já não respira.
As razões do apoio dos socialistas do PS a Sócrates são, assim, as piores possíveis: ou o medo ou o sectarismo partidário. E a razão invocada no apelo ao voto é a única possível: o PSD é ainda pior do que nós.
2. Não percebo o que pode levar um dirigente socialista a defender o seu apoio a José Sócrates com base no argumento de que ele "é o líder do meu partido". Não perceberão estas pessoas, de quem se esperaria alguma cultura política, que esse argumento, que os estalinistas utilizaram de forma extensiva durante décadas, se encontra na raiz dos maiores crimes políticos jamais perpetrados? Não perceberão que esse argumento, sectário por excelência, não é um argumento? Não percebem que esse falso argumento justificaria todos os crimes? Que ele é amoral? Até que ponto irão apoiar Sócrates? Vão continuar a apoiá-lo faça o que fizer? Se um dia, em vez de disparar grosserias no Parlamento, como se acostumou a fazer, pegar numa caçadeira e começar a disparar umas cartuchadas a eito no meio da multidão, dirão que quem o criticar está apenas a servir os interesses do PSD e a atacar o Estado Social?
Achará o PS que os benefícios da acção governativa do PS (também os houve) compensam e devem fazer esquecer as aldrabices, as manipulações, as negociatas? Quererá o PS adoptar oficialmente a atitude dos autarcas corruptos que "roubam mas fazem"? Serão os ajustes directos aos amigos, as PPP sem controlo e a sonegação de informação, uma espécie de "imposto revolucionário" que o povo deve pagar directamente para o bolso de alguns beneficiários, em contrapartida de ainda termos o Serviço Nacional de Saúde? Acha o PS que as benesses que concede ao país devem ter como paga a sua absoluta impunidade? Defenderá o PS a monarquia absoluta?
Não sei se o PS percebe a nódoa que o consulado socratista constitui para si, a desvergonha que representa e que transformou em bandeira, o descrédito que trouxe para a política e aos políticos, o autêntico escarro que significa na cara do eleitorado em geral e dos socialistas em particular. Parece que não."
José Vítor Malheiros, Público, 31/05/2011, página 37. jvmalheiros@gmail.com