13 agosto 2006 

que me perdoem ...
























Amizade.
À Tereza Matoso


...
De tantas viagens...
Encontros de sentimentos verdadeiros,
Vidas entrelaçadas, ricas harmonias!
Do porto deserto-solidão, desatraco.

Cantei paixões, vivi poesias,
Amei corações de lindas mulheres,
Verdadeiros, tensos mas verdadeiros,
Vivi-os todos, saboreei-os como devia.

Tantas paixões, tantos abraços,
Fortes emoções, lindas canções,
E me calho torto, faltando pedaços...
Faltava-me tu, oh! inerme companhia!

Busquei-te nas colinas verdejantes,
Na relva triste e perdida,
Ao longe fui, e perto estavas...
E em saber-te aqui, veio a alegria galopante.

Esperei... tanto, tanto, tanto...
Teu nome é Amizade!
Nunca dantes em ti esbarrei, de ti não sabia!
Mas sim, meu coração esperançoso procurou-te,
Ele, acreditou que um dia achar-te-ia!

E hoje chamo-te, e respondes-me por amizade,
Atenta, aqui esbarras, e prevês o meu sofrer, o meu pesar;
Estás agora contida na alegria do meu olhar,
No meu pensar, agora tornas-te minha companhia!
E na tua ternura encontro esteio, amparo, decoro,
Simpatia, solidariedade... cumplicidade.

Tatiano Maviton Soares ("O Poeta")

08 agosto 2006 

Picolli Appuntamenti di viaggio

Rimini












Regressar de Itália e não dizer que estive em Rimini, a praia mais "in" do 'jetessete' arrivista italiano e afins?
Em Rimini, a praia é privada; todos os hotéis têm a sua língua de areia, onde os "ombrelloni" se "acavalam" de tal forma, que é impossível ver-se o sol. Também o meu parque de campismo tinha a sua praia, mesmo ao lado da de um sumptuoso lar de idosos. Interditar um pai, usufruir de herança antecipada, mas depositá-lo em Rimini, é uma acção louvável.

A minha praia estava praticamene deserta (Maio ainda não acabara).Esparramei-me ao sol, mamocas ao léu, fechei os olhos, inspirei com prazer o fresco ar do mar Adriático. Uma voz lascivamente rouca sussurrou ao meu ouvido "che belle tette che ha". A minha irritação desvaneceu-se numa onda de ternura. "Grazie", respondo ao velhinho de bengala junto a mim. Porém, de um princípio básico me esquecera: ao responder a um cumprimento, "mai dire grazie" a um italiano, mesmo que moribundo! Sentou-se imediatamente e começou a falar comigo, donde era, donde não era, donde vinha, para onde ia ... e o nariz a aproximar-se cada vez mais das minhas "tette". Não me preocupei grandemente. Não corria o risco de uma dentada... quanto muito de uma 'gengivada'. Contudo, quando a baba começou a escorrer pelas minhas "belle" mamas, aí a sensação não foi agradável e, num toque de génio, acrescentei: "eu sou portuguesa, mas o meu marido é sicilano". O velhinho, com uma agilidade impensável, ergueu-se a uma velocidade supersónica e com "mille escuse, signora" partiu bengalando pela praia fora, qual Valentino Rossi em final de corrida.

07 agosto 2006 

















Escreve!
Sou árabe e o meu bilhete de identidade é o cinquenta mil;
tenho oito filhos e o nono chegará no final do Verão.
Vais zangar-te?

Escreve!
Sou árabe.
Trabalho na pedreira
com os meus companheiros de infortúnio.
Arranco das rochas o pão,
as roupas e os livros para os meus oito filhos.
Não mendigo caridade à tua porta,
nem me humilho nas tuas antecâmaras.
Vais zangar-te?

Escreve!
Sou árabe.
Sou um homem sem título.
Espero, paciente, num país em que tudo o que há existe em raiva.
As minhas raízes,
foram enterradas antes do início dos tempos antes da abertura das eras,
antes dos pinheiros e das oliveiras,
antes que tivesse nascido a erva.

O meu pai descende do arado,
e não de senhores poderosos.
O meu avô foi lavrador,
sem honras nem títulos,
e ensinou-me o orgulho do sol antes de me ensinar a ler.
A minha casa é uma cabana,
feita de ramos e de canas.
Estás feliz com o meu estatuto?
Tenho um nome, não tenho título.

Escreve!
Sou árabe.
Roubaste os pomares dos meus antepassados e a terra que eu cultivava com os meus filhos;
não me deixaste nada,
apenas estas rochas;
O governo vai tirar-me as rochas,
como me disseram?

Escreve, então,
no cimo da primeira página:
a ninguém odeio, a ninguém roubo.
Mas, se tiver fome,
devorarei a carne do usurpador.
Tem cuidado!
Cuidado com a minha fome,
Cuidado com a minha ira!"

(Mahmud Darwish)

05 agosto 2006 



















Véspera de viagem, campaínha...
Não me sobreavisem estridentemente!
Quero gozar o repouso da gare da alma que tenho
Antes de ver avançar para mim a chegada de ferro
Do comboio definitivo,
Antes de sentir a partida verdadeira nas goelas do estômago,
Antes de pôr no estribo um pé
Que nunca aprendeu a não ter emoção sempre que teve que partir.
Quero, neste momento, fumando no apeadeiro de hoje,
Estar ainda um bocado agarrado à velha vida.
Vida inútil, que era melhor deixar, que é uma cela?
Que importa?
Todo o Universo é uma cela, e o estar preso não tem que ver com o tamanho da cela.

Sabe-me a náusea próxima o cigarro. O comboio já partiu da outra estação...
Adeus, adeus, adeus, toda a gente que não veio despedir-se de mim,
Minha família abstracta e impossível...
Adeus dia de hoje, adeus apeadeiro de hoje, adeus vida, adeus vida!
Ficar como um volume rotulado esquecido,
Ao canto do resguardo de passageiros do outro lado da linha.
Ser encontrado pelo guarda casual depois da partida -
"E esta? Então não houve um tipo que deixou isto aqui?" -
Ficar só a pensar em partir,
Ficar e ter razão,
Ficar e morrer menos ...

Vou para o futuro como para um exame difícil.
Se o comboio nunca chegasse e Deus tivesse pena de mim?

Já me vejo na estação até aqui simples metáfora.
Sou uma pessoa perfeitamente apresentável.
Vê-se - dizem - que tenho vivido no estrangeiro.

Os meus modos são de homem educado, evidentemente.
Pego na mala, rejeitando o moço, como a um vício vil.
E a mão com que pego na mala treme-me e a ela.

Partir!
Nunca voltarei,
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.

Partir! Meu Deus, partir! Tenho medo de partir!...

Álvaro de Campos