Sessão de formação de 2º Ciclo de hoje adiada por conta de umas reuniões intercalares coincidentes... O dia estendido de mais algumas horas sem horário marcado, sem necessidade de sair a correr para estar em Setúbal às 15:30 e regressar já de noite.
Posso vir à teia...
Dizer do X (que exaspera tudo e todos desde o início do ano... professores, direcção, colegas) uma história tranquila. Aquelas de que mais gosto porque se vestem de esperança no que há-de vir. Mais uma vez fui cedo para a aula... Agora a maioria vem mesmo atrás de mim. Que não é preciso, que podem esticar o intervalo de almoço mais um bocadinho, mas quem quiser... desde que venha com espírito de aula e não de recreio... pode aparecer. Adiantamos coisas, conversamos um pouco. Começa a ser ritual. O X também veio. Pela primeira vez. Só há pouco tempo eu e o X encontrámos uma forma um pouco mais serena de conviver em aula. Mesmo no Clube era complicado... mas gradualmente fomos encontrando os fiozinhos necessários para o tempo se passar com menos zangas e mais coisas de aprender. Esses fiozinhos foram também caminhando até à aula, mas ainda não de forma completamente estável. A agitação e a fala sem controlo continuaram, embora o trabalho e organização tenham vindo a melhorar aos poucos.
Hoje entrou agitado. Mais uma vez e outra e outra... chamada de atenção. Levantou-se e veio dizer-me baixinho que tinha razão para estar eléctrico (já se habituou a uns quantos rótulos que escutou e usa-os como arma e desculpa): Sabe, professora, a minha Mãe foi operada ontem... Pois é, X, não concordo nada contigo... Não devias estar mais eléctrico... Olhos baralhados, atenção captada (ainda não tinha tocado para a entrada, estavamos no nosso tempinho "pré"). Vou contar-te uma história... Tive uma vez uma aluna que passou pelo mesmo... a Mãe estava muito doente e ela decidiu, pelo contrário, portar-se cada vez melhor e ter os melhores resultados para lhe poder dar sempre as melhores notícias e ninguém se queixar de coisa nenhuma. Sabes... Às vezes o melhor carinho que podemos fazer aos pais, sobretudo quando eles precisam de calma para recuperar, é tirar-lhes as preocupações connosco do caminho... Por isso, acho mesmo que devias fazer um esforço para dar esse miminho à tua Mãe. Ela vai precisar disso e não de mais queixas por andares... eléctrico...
As palavras pareceram ter algum efeito... Encostou a cabeça ao meu braço (como faz no Clube) e regressou ao lugar mesmo à minha frente. Ainda se agitou por mais uns minutos mas, subitamente, disse em voz alta sem aviso: prometo que me vou portar sempre bem a partir de agora... 1, 2, 3... começou agora a contar... E calou-se. Abriu o caderno. Colocou o dedo no ar (queria saber a data, a lição... que habitualmente pede várias vezes em voz alta a propósito e a despropósito, amuando se lhe chamo a atenção... agora assim já não vou escrever nada nem a data nem a lição!!!!)
E mais dedo no ar... para responder, para colocar dúvidas... Sempre silêncio, dedo no ar... dedo no ar... dedo no ar. Corpinho pequenino direito, contido, sem a habitual agitação. Aguentou hora e meia de comportamento irrepreensível, trabalhando serenamente e sempre atento e concentrado. Um exemplo para muitos numa aula que sendo viva, não é (nada) fácil.
No final da aula, depois de tocar, pedi-lhe a caderneta. Deu-ma meio intrigado, mas já adivinhando. Escrevi à Mãe (no meio de mil recados acumulados este ano queixando-se do seu comportameto em todas as aulas)... expliquei o que havia acontecido, a promessa dele, o comportamento excelente durante esta aula. Foi assim uma espécie de contrato a que procurei vinculá-lo, pois a história ficou escrita com rasgados elogios à sua conduta e com o registo do prometido. Aproveitei para desejar rápida recuperação por escrito, e reforçando oralmente ao X, porque as crianças têm vida e têm família. Todas elas. É fácil esquecermo-nos disso nesta forma de organizar o tempo da escola e dos professores, que pouco tempo deixa para respirar, escutar o outro, prestar-lhe atenção. Vórtice absurdo. A ele disse-lhe: não chega uma aula, X. Não chega ser apenas na minha aula. O esforço que fizeste hoje mostra do que és capaz. Tens de continuar a fazê-lo e vais ver como até sentirás que és tratado de outra forma... com mais paciência, mais carinho, mais atenção (da boa, por boas razões).
Despedimo-nos. Em educação não podemos ter a veleidade de achar que resolvemos os problemas todos de uma vez. Este caminho anda a ser traçado desde o primeiro dia... veremos como evolui a partir de hoje. Sem expectativa excessiva, mas registando mais um passo na estrada. Mais uma pequena conquista.
Dizer que tive tempo para adaptar uma ficha de trabalho e enviá-la, como prometi na aula aos meus meninos. Já só me faltam cinco endereços de correio electrónico e foi uma maneira de estender o contacto, uma vez que este ano corro demais e sinto uma imensa falta de tempo para aprofundar os mil caminhos que gosto de fazer com eles.
Dizer que de manhã ainda estive no bairro das mil gaivotas para mais uma aula trabalhada com paixão por uma Professora especial. Primeiro ano (tão pequeninos) e um universo de fantasia com os números, que os envolveu da primeira à última gota da aula.
Dizer que vou aproveitar para descansar um bocadinho, porque o fim-de-semana precisou de mim algumas vezes para colocar o trabalho em ordem e não está escrito em lado nenhum que não podemos descansar um pouco à terça, se trabalhámos no Domingo. Antes... ler algumas coisas para levar para a reunião de amanhã na ESE. Já não precisará de ser à noite como sempre nos dias em que há sessão ou acompanhamentos de aulas. Vou deitar-me cedo, como gosto, e levantar-me muito antes do Sol, como sempre.
Dizer que tive tempo para fazer compras (muita fruta, legumes e outras coisas boas e em falta)... que tive até tempo para fazer uma sopa! (Escolhi o caldo verde.)
Ganhar um bocadinho de tempo extra no dia é como saborear uma sopa quente em tarde fria. Um pequeno enorme e merecido prazer...