Ler capítulo anterior: O Que é a Sociologia? ( capítulo precedente )
por: Philippe Riutort
Ano de edição 1999
ISBN: 972-662-692-7
Editora Gradiva
II. Sociologia e perspectivação científica
1. A constituição da sociologia como disciplina científica está estreitamente ligada à obra de Émile Durkheim, que define os princípios do método sociológico
De formação filosófica, Durkheim vira-se rapidamente para o estudo da vida social e procura dotar a sociologia de uma metodologia própria.
Na sua obra As Regras do Método Sociológico (1895) afirma que «os factos sociais devem ser tratados como coisas», o que significa que o sociólogo deve conservar uma certa distância relativamente ao seu objecto de estudo, a fim de afastar sistematicamente todas as prenoções, isto é, os preconceitos e as falsas evidências que ameaçam, em cada instante, introduzir-se na sua análise. O sociólogo, como todo o cientista, deve assim desconfiar da ilusão do saber imediato, visto que não é senão após ter construído previamente com rigor o seu objecto de estudo que se encontra em condições de fazer uma «descoberta».
De uma certa maneira, os obstáculos parecem mais consideráveis em sociologia e, em geral, nas ciências sociais (psicologia, antropologia, economia, ciência política ...) do que nas ciências da natureza. O estudo dos fenómenos sociais não constitui senão raramente um «monopólio» de facto para o sociólogo: a sua análise toma lugar entre um conjunto de intervenções (de homens políticos, de jornalistas, de administradores ... ou mesmo de todos em conjunto) que visam determinar quais são os «problemas sociais» do momento. Se o sociólogo não pode refugiar-se numa torre de marfim a fim de se isolar do mundo social que é suposto estudar, não pode também retomar à sua conta, sem crítica prévia, as questões colocadas por outros, com preocupações muito frequentemente afastadas do exclusivo intento de conhecimento científico.
Perguntar se «a classe operária está em vias de desaparecimento» ou circunscrever as causas do «mal-estar das áreas suburbanas» pode parecer legítimo, mas estes assuntos, encarados de um ponto de vista sociológico, necessitam de ser colocados de outro modo, posto que a linguagem empregue para descrever estas «realidades» sociais transporta já em si mesma todo um conjunto de «problemas» que o sociólogo se deve esforçar por desenredar. A questão do «fim da classe operária» obriga, com efeito, a uma interrogação prévia sobre as transformações desencadeadas no seio do mundo operário desde — pelo menos — a crise económica de 1974 (evolução numérica, transformação dos empregos operários, aparecimento durável de um desemprego de massa e mudanças na maneira de «viver» a condição operária). Convém igualmente focar retrospectivamente a diversidade do mundo operário francês (diferenças de estatuto, de qualificação, mas também particularidades ligadas às tradições locais, aos tipos de profissões), a fim de fazer voar em estilhaços a imagem de Épinal de uma «classe operária unida», a qual se precipitaria num «inexorável declínio» que impediria nomeadamente a captação das recomposições em curso. Quanto à «doença das áreas suburbanas», é preciso lembrar tudo quanto esta questão deve à encenação jornalística que estabelece demasiado frequentemente uma comparação «selvagem» entre a situação francesa e a situação americana, sendo suposto a primeira reproduzir o «modelo» da segunda. Se é verdade que certos «factos objectivos» se encontram tanto nas «áreas suburbanas francesas» como nos «guetos americanos» (forte presença de minorias étnicas, aumento sensível e rápido da população, nomeadamente juvenil, taxa de desemprego elevada), vários traços distinguem nitidamente os dois universos: uma diferença de dimensão de mais de um para dez que faz do gueto americano uma verdadeira «cidade», ao passo que o subúrbio francês permanece um bairro periférico; a segregação racial, que é uma característica maior do gueto enquanto a pluralidade étnica é geralmente a regra nas aglomerações suburbanas. Por outro lado, a amplitude da pobreza e da criminalidade e a degradação do quadro de vida atingem dimensões no gueto dificilmente imagináveis nas aglomerações suburbanas. Existe pois aqui uma diferença de natureza, e não somente de grau, entre as duas situações. É preciso portanto desconfiar das comparações apressadas, cujo objectivo (inconsciente?) consiste, na maior parte das vezes, em «dramatizar» um problema, o que leva muitas vezes ao seu obscurecimento sob a capa da simplificação.
O sociólogo arrisca pois a ver-se arrastado num terreno que não é o seu ao ceder à tentação do profetismo e, armado apenas com o «ar do tempo», acha-se transformado em arauto do futuro («A que se assemelhará a sociedade francesa no ano 2020?»). Faz então lembrar a cartomância e as suas «predições» são para apreciar com a maior prudência.
O sociólogo deve apetrechar-se metodologicamente a fim de afastar as falsas evidências e redefinir o problema que lhe é colocado a partir das suas próprias preo-cupações, isto é, com o intuito de produzir conhecimento. Émile Dukheim alertava já contra essses perigos, visando assegurar a ruptura com as prenoções. Defendeu designadamente o uso das estatísticas, assim como o recurso ao método da definição prévia, a fim de se ganhar distância relativamente às significações ordinárias de um fenómeno. Numa obra tornada um clássico da sociologia, O Suicídio (1897), Durkheim demonstra que este acto, que tem, aparentemente, todos os atributos do acto individual, obedece, na realidade, a regularidades sociais. Ele propõe, assim, uma definição prévia do suicídio apreendido como «qualquer caso de morte que resulta directa ou indirectamente de um acto positivo ou negativo, realizado pela própria vítima que sabe que o resultado se vai produzir». Ele inclui, por exemplo, no seu objecto de pesquisa o sacrifício do combatente ou do mártir e demarca-se deste modo da definição habitual de suicídio. Durkheim interessa-se, de facto, através deste estudo, pelo que designa como taxa social de suicídio, que mede «a relação entre o número global de mortes voluntárias e a população de qualquer idade e de ambos os sexos». A utilização de estatísticas permite-lhe assim verificar a regularidade da taxa de suicídio num período longo e cingir, a partir de variáveis tais como a idade, o sexo, o lugar de residência, a religião, o estado civil ..., as características sociais dos suicidados, a fim de explicar as determinações sociais que pesam sobre este acto.
• Uma outra via de ruptura possível com as prenoções consiste em realizar um inquérito no terreno. O sociólogo americano Samuel Stouffer, num estudo colectivo publicado em 1949 sobre o «soldado americano», faz notar um facto surpreendente: ainda que as oportunidades «objectivas» de promoção social sejam mais numerosas na aviação do que na polícia, as satisfações profissionais sentidas pelos agentes da polícia são mais importantes do que as dos da aviação. Assim, como escreveu o sociólogo americano Robert Merton, «quanto menos elevado é o ritmo de promoção, mais as pessoas têm opiniões favoráveis sobre as suas oportunidades de promoção». Este paradoxo revelado pelo inquérito suscitou o aparecimento de um novo conceito: a frustração relativa. Os analistas deram-se conta de que, na realidade, ao indivíduo não importa tanto a situação «objectiva» em que vive como as normas de seu grupo de referência, isto é, aquele com o qual o mesmo indivíduo se identifica duradouramente e que por vezes pode, de resto, diferir daquele a que realmente pertence. Uma promoção rápida não é verdadeiramente imaginável para aquele que pertence a uma organização (tal como a polícia nos Estados Unidos no momento do inquérito ao «soldado americano») no seio da qual as ascensões são habitualmente lentas e pouco frequentes. A mesma promoção é da ordem da evidência para aquele que evolui num grupo de forte mobilidade, tanto mais quanto ele for, por exemplo, fortemente escolarizado. Quando ela não se concretiza, o indivíduo sentirá uma certa frustração, posto que não serão satisfeitas as suas expectativas perante as normas em vigor no seu grupo de referência. A frustração social não está portanto necessariamente ligada a uma situação «objectiva», mas mais à percepção que dela se tem. Procede assim de um desencontro entre as esperanças forjadas pelos indivíduos e a situação que são levados a encontrar ulteriormente: esta teoria subestima o «senso comum», demonstrando que não são necessariamente os indivíduos colocados numa situação «objectivamente» mais desfavorável que vivem um sentimento de frustração e que podem ser levados, seguidamente, a manifestar o seu descontentamento.